domingo, 22 de janeiro de 2017

LAVA A JATO”;  “LAVA JATO”;   “LAVA-JATO”.



Uma homenagem à D.ª Odete Starki Moro, não por ser mãe do Juiz Moro, mas por ser professora de Língua Portuguesa.
Fala-se que o Juiz Moro não é muito fiel aos pendores da senhora sua mãe, Dª Odete, relativamente à submissão aos rigores das leis gramaticais, mesmo porque ditas leis nem sempre se harmonizam com a espontaneidade dos usos linguísticos, maiormente os da fala oral.
Professora de Língua Portuguesa, hoje aposentada, ao se referir ao nome da ruidosa e mais bem sucedida operação de caça a corruptos, a genitora do magistrado, segundo consta,  não deixa de inserir a preposição “a” na fala escrita, e redige “lava a jato”, enquanto o incansável juiz, fazendo coro com a mídia, opta por  “lava jato”.
Não sei se a notícia é verdadeira, mas como não prejudica, tomei-a como tema dessas digressões sobre o hífen.
Se não molesta, permite aos interessados manifestarem-se sobre o tema,  em especial  Dª Odete,  estudiosa das questões da língua pátria.
Vamos ao hífen-  por ora sem ferir o mérito, divagando em  preliminares.
Nas origens, ou seja, como nome do estabelecimento de lavagem de veículo, o composto era formado por um verbo (lavar), para expressar a atividade, e uma locução adverbial (preposição mais substantivo), compondo o adjunto adverbial de modo (a jato), para expressar  o modo como se lavaria o veículo: “a jato”, ou seja, rapidamente.
Aqui é de rigor a presença da preposição, para constituir a expressão adverbial, pois o substantivo “jato”, por si, não tem a força circunstancial própria do advérbio, ou das locuções dessa  natureza .
Até agora, falamos da primeira  expressão, “lava a jato”, redação e sentido.
Vamos à segunda Expressão, “lava jato”. Se nos prendermos à grafia, e amarrarmos o sentido a ela, aí, numa literalidade absurda, pode parecer que iremos, em consonância com a transitividade do verbo lavar, explicitar o paciente.  Então, o que era adjunto de modo (modo de lavar), converte-se em objeto direto. Lava o quê? O jato, é a resposta. Lava o avião “jato” ou lava absurdamente o jato de água que se esguicha.  Veja a que absurdo nos levaria a análise presa à grafia. Sabemos que não é bem assim.
Vamos agora soltar as peias da grafia e nos debruçar sobre a fala, realidade viva da língua.
Mesmo com o sentido original, de lavagem de carro, em que a grafia obriga a presença da preposição para constituir o advérbio, a fala era e é uma só: lava jato. Isso porque, pelo fenômeno da crase (fusão de dois sons vocálicos idênticos e consecutivos), a preposição “a” do advérbio se fundiria com a vogal temática do verbo (lavA) e não se ouviriam dois “as”, um da vogal temática “lavA” e o outro da preposição  “a jato”: Lav-A   A.
Em resumo, tanto em “lava jato” como em “lava a jato”, conforme já explicitado, a fala é uma só: “lava jato”. Recomenda-se apenas que se grafe “lava a jato” - quando locução, i. é, guardando o sentido original. Aí o objeto direto é veículo, omitido e subentendido por elipse: “Lava (o veículo) a jato”
Enfim o hífen.
Em primeiro lugar, tanto “lava a jato” quanto “lava jato” desgarram-se do sentido primitivo de lavagem de carro. Agora  significam, uma e outra, operação de combate à corrupção.
A expressão inteira é um substantivo composto e não uma locução.
Por que substantivo composto e não locução?
Como locução, cada palavra da expressão guarda o seu significado. O significado de “lavar”, contido no verbo, e o de modo, modo rápido, contido no advérbio “a jato”.
Apenas para ilustrar, seria como a expressão “dedo duro”. Um sentido para o substantivo “dedo” e outro para o adjetivo “duro”. Um dedo que está duro – locução.
Já como substantivo composto, não há um sentido para “lava” e outro para “jato”. Há um sentido só para a expressão inteira: operação de caça aos corruptos. Como em “dedo-duro”- delator e em “pé de moleque”, doce. É a conhecida  unidade semântica.
Na formação do substantivo composto pode entrar uma preposição ou outros elementos de ligação. Exemplos: “maria vai com as outras”;  “pé de moleque”; “dia a dia”; “vai e vem”, etc. Todos sem hífen, conforme se justificará a seguir.
Finalmente, para a grafia de “lava a jato”ou “lava-jato”, vamos ver o que diz o Acordo Ortográfico  em vigor, na sua base XV
Acordo Ortográfico de 1990,  promulgado pelo Decreto 6583.
a) Base XV    
Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem  uma unidade sintagmática e semântica e contém acento próprio...”
Pois bem, “lava a jato” é um composto que satisfaz a todos os requisitos, com exceção de um: “...que não contenha forma de ligação”.
“Lava a jato” não satisfaz a exigência. Contém forma de ligação - a preposição “a”; mas nem por isso deixa de ser um composto. Satisfaz a todos os outros elementos. Apenas não se grafa com hífen. Grafa-se “lava a jato”.
Agora “lava jato”.  Satisfaz a todos os requisitos da base XV: o conjunto possui unidade semântica, caça aos corruptos; possui unidade sintagmática, por força da unidade semântica,  um determinante e um determinado, não contém formas de ligação. Grafa-se então com hífen: “lava-jato”.
Enfim, para que serviu o hífen? Na pronúncia não serviu para nada. Ninguém pronuncia o hífen. Nem na hora que fala, o falante  alerta o ouvinte ou ressalva que há hífen naquilo que está falando. O hífen na pronúncia é de efeito zero.
Agora o hífen na grafia. Na grafia, no caso presente, serve para distinguir um composto de uma locução. Somente para isto. Nada além. O benefício é muito pequeno, em face do custo. É quase uma infernização, ou, como diria Shakespeare, much ado about nothing.