sexta-feira, 2 de abril de 2010

A PREPOSIÇÃO

A PREPOSIÇÃO

Atendendo sugestão, aventuro-me a uma incursão na zona gris desse conectivo, que teima em desafiar os usuários da língua.

Não vamos nos deter nessa ou naquela preposição. Em primeiro lugar, vamos procurar saber o que é PREPOSIÇÃO.




CONCEITO

1 – MATTOSO - DICIONÁRIO
“Vocábulos que funcionam como morfema de relação para subordinar um substantivo, como: a) adjunto a outro substantivo ou como complemento a um verbo” Dá os exemplos: “livro de Pedro”, “fugiu de mim” .

2 – ZÉLIO S JOTA – DICIONÁRIO
“Palavra invariável que estabelece uma relação de subordinação entre dois termos. A preposição rege um termo de natureza substantiva”.

3 – ENÉAS MARTINS DE BARROS – GRAMÁTICA (Atlas/1985)

“A preposição é o termo que designa, entre as partes do discurso, a classe das unidades que indicam certas relações entre os termos de um esquema sintático”.

4 – DUBOIS ET ALII – DICIONÁRIO

“A preposição é uma palavra invariável , cujo papel é o de ligar um constituinte de frase a outro constituinte ou à frase toda, indicando, eventualmente, uma relação espaço-temporal.”

5 – ROCHA LIMA – GRAMÁTICA – José Olímpio/1974

“São palavras que subordinam um termo da frase a outro – o que vale dizer que torna o segundo dependente do primeiro”.

6 – BECHARA – GRAMÁTICA – LUCERNA/99

“Chama-se preposição a uma unidade lingüística desprovida de independência – isto é, não aparece sozinha no discurso, salvo por hipertaxe – e, (sic) em geral, átona, que se junta a substantivos, adjetivos, verbos e advérbios para marcar as relações gramaticais que elas desempenham no discurso, quer nos grupos unitários nominais, quer nas orações.”

7 – CELSO P.LUFT – GRAMÁTICA – GLOBO/78

“Palavra gramatical com função subordinativa chamada regência. Conectivo subordinante, indica que seu conseqüente se subordina a um antecedente (que, no enunciado , pode vir depois ou estar omisso, subentendido).”

8 – SOUZA LIMA – GRAMÁTICA - /ED. NACIONAL/37

Divide as preposições em essenciais e palavras preposicionadas. Conceitua as primeiras.

“...são palavras que, por sua própria natureza, indicam entre duas outras uma relação de complemento”.

Ver na mesma obra, pág. 179, o estudo que ele faz das
“palavras preposicionadas”, que outros chamam de preposições acidentais.

9 – JÚLIO RIBEIRO – GRAMÁTICA – FRANCISCO ALVES/913

“Preposição é uma palavra que liga um substantivo ou um pronome a outro substantivo, a um adjetivo, a um verbo, mostrando a relação que há entre eles”

10 – MAXIMINO MACIEL – GRAMÁTICA – FRANC.ALVES/1918

“Preposição é uma palavra intervocabular que indica a relação sintática entre os dois termos.
Estes termos são o antecedente e o conseqüente”

11 – MÁRIO VILELA – GRAMÁTICA – ALMEDINA, COIMBRA/99

“A preposição (= pre + posição) serve de instrumento de ligação entre dois segmentos do enunciado, em que a seqüência colocada após a preposição fica dependente de `um certo modo` da seqüência que precede a preposição.”

12 – OITICICA – JOSÉ – MANUAL DE ANÁLISE – 1958

“Preposição é a palavra que indica relação entre duas idéias”.

Posso ter muitas idéias de um lado, ligadas a outras tantas do outro, por meio de uma única preposição!



13 – JERÔNIMO SOARES BARBOSA – GRAMÁTICA
ACADEMIA REAL DE CIÊNCIAS – LISBOA/1830

“Preposição he uma parte conjunctiva da oração, que posta entre duas palavras indica a relação de complemento, que a segunda tem para a primeira”
Pág. 310.

13 – BRANDÃO – CLÁUDIO.- SINTAXE CLÁSSICA – UMG/63

“É a categoria gramatical que tem por função ligar entre si duas palavras, subordinando uma a outra, para indicar não só determinadas circunstâncias, mas também posse, referência, origem...”

13 - FINALMENTE PERINI

GRAMÁTICA - ÁTICA – 96 (pág. 333)

“...o primeiro (a preposição) tem como função sintática alterar a classe do SN ou de uma oração – ou, mais precisamente, acrescentar-se a um SN ou a uma oração, formando um sintagma maior que pertence a outra classe que não SN ou O (oração – acrescentamos). A esses chamaremos conectivos subordinativos (sic).”

Ilustração

“Vamos partir de um exemplo, o da palavra de. Sabemos que um SN não pode ser modificador, a função de modificador (interno ou externo) é típica de sintagma adjetivo. A palavra de tem a propriedade de converter um SN em SAdj, dando-lhe, assim a possibilidade de funcionar como modificador. É o que acontece no sintagma

(29) A mãe de Míriam

O item Míriam pode ser NSN e pode constituir, sozinho, um SN; mas não pode ser modificador. Já o sintagma de Míriam pode ser modificador; é, na verdade, um sintagma adjetivo. A função da palavra de é justamente a de formar, juntamente com um SN, um SAdj.

Em outros casos, pode-se converter um SN em sintagma adverbial. Por exemplo, um SN não pode desempenhar a função de adjunto circunstancial; mas um constituinte formado da palavra em mais um SN funciona como sintagma adverbial e pode ser AC (adjunto circunstancial?):

(30) Míriam mora em Fortaleza.

Como se vê, palavras como de e em de certa forma `mudam` a classe e, portanto, as propriedades sintáticas dos SNs: de + SN é um SAdj, em + SN é um SAdv.

Há um grupo de palavras semelhantes a de e em que só podem construir-se com SNs, formando SAdj e SAdvs; podemos chamá-las
preposições. Definem-se assim:

Preposição é a palavra que precede um SN, formando o conjunto um SAdj ou em SAdv.”

APRECIAÇÃO

1 – MATTOSO - DICIONÁRIO
“Vocábulos que funcionam como morfema de relação para subordinar um substantivo, como: a) adjunto a outro substantivo ou como complemento a um verbo” Dá os exemplos: “livro de Pedro”, “fugiu de mim” .

COMENTÁRIO

Para Mattoso, a preposição subordina unicamente um substantivo a outro substantivo ou a um verbo. Sabemos que a preposição liga também o substantivo

a um advérbio: votou favoravelmente à sua libertação;
a um adjetivo: ele é favorável ao pedido;
a um pronome: este livro é dele;
a uma oração: o juiz é favorável a que ele seja libertado;
osso duro de roer;
” Vide Jesus a despejar os vendilhões do templo”.

Não leva ele em conta o complemento nominal. Apenas adjunto adnominal, embora faça referência ao complemento nominal (Dicionário de Lingüística e Gramática): “...amor aos pais; compaixão para com os humildes” (para com, duas preposições)

Mesmo levando-se em consideração o amplo conceito de substantivo de Mattoso (todo nome ou pronome que designa um ser, caracterizando-se na frase pela possibilidade de funcionar como sujeito ou objeto), mesmo assim o seu conceito de preposição deixa de fora muitas realizações da língua: o complemento nominal, os complementos oracionais e os adjuntos também oracionais.

Para Mattoso o processo de subordinação é exercido
pela preposição, e não pelo determinado do sintagma.

A prevalecer esse entendimento, o determinado do sintagma seria a preposição. A função de subordinante só pode ser exercida pelo determinado, logo, se a preposição subordina forçosamente ela seria determinada.

3 – ENÉAS MARTINS DE BARROS – GRAMÁTICA (Atlas/1985)

“A preposição é o termo que designa, entre as partes do discurso, a classe das unidades que indicam certas relações entre os termos de um esquema sintático”.
elo determinado do sintagma.


2 – ZÉLIO S JOTA – DICIONÁRIO
“Palavra invariável que estabelece uma relação de subordinação entre dois termos. A preposição rege um termo de natureza substantiva”.

COMENTÁRIO

Para ele a relação de subordinação é estabelecida pela preposição, não pelo sintagma (determinante/determinado).

Segundo o autor a preposição é o termo regente: “a preposição rege um termo de natureza substantiva”.

Ficaram de fora os termos de natureza adjetiva, também os de natureza verbal, e os de natureza pronominal.

“Chamou-o de tolo”
“Por ele o mar remoto navegamos”



3 – ENÉAS MARTINS DE BARROS – GRAMÁTICA (Atlas/1985)

“A preposição é o termo que designa, entre as partes do discurso, a classe das unidades que indicam certas relações entre os termos de um esquema sintático”.

COMENTÁRIO


Em que pese a autoridade e o reconhecido saber do autor, não foi ele feliz ao conceituar preposição. O conceito ficou um pouco confuso.

Salvo melhor juízo, designar é nomear. A preposição não designa, não nomeia. E mais: Segundo ele, ela designa a classe das unidades... Pergunta-se:

O que é que ela designa?
A classe.
Que classe?
Das unidades.
Que unidades?
As que indicam certas relações entre os termos.
Que termos?
De um esquema sintático.
Ora, não são “as unidades” que vão indicar as relações entre termos. Esse é ofício da própria preposição.

Parece que não há como salvar o conceito. Realmente não entendi.

4 – DUBOIS ET ALII – DICIONÁRIO

“A preposição é uma palavra invariável , cujo papel é o de ligar um constituinte de frase a outro constituinte ou à frase toda, indicando, eventualmente, uma relação espaço-temporal.”

Parece que não há reparo significativo a fazer. Contudo há no conceito alegações de taxa zero de informação. Realmente, a preposição é palavra invariável. Ninguém tentará fazer flexionar uma preposição. Dispensável também é a notícia de que ela poderá indicar uma relação espaço-temporal. Essa informação não é exaustiva, nem há porque priorizá-la. As circunstâncias expressas pelas preposições formam uma lista aberta. Basta ler Cláudio Brandão (Sintaxe Clássica) para se concluir que é difícil relacioná-las todas. Num relance, o Autor da magistral Sintaxe oferece uma relação de nada menos que vinte significações (opere citato, pág. 555).

O cerne do conceito merece também algumas considerações: “A preposição liga um constituinte de frase a outro constituinte de frase”:
Escreveu aos amigos

O constituinte verbo (núcleo do predicado) e o constituinte objeto indireto permeados pela preposição “a”.

“A preposição liga um constituinte de frase à frase toda”. Impossível uma preposição ligar um constituinte de frase a toda a frase, uma vez que o constituinte da frase é parte da própria frase. Melhor é dizer apenas que ela liga um constituinte de frase a outro constituinte porque, mesmo quando ela liga orações subordinadas (infinitivas ou justapostas), essas orações não deixam de (como constituintes) fazer parte da mesma frase. :


“Fitava o azul do céu, a perguntar de onde vinha aquela noite...”

A função introduzida pela preposição a (a perguntar de onde vinha aquela noite...), é um constituinte da oração complexa (adjunto adverbial de modo), da mesma forma que a função introduzida pela preposição de (de onde vinha aquela noite...) – também constituinte de outra oração complexa (objeto direto do verbo perguntar).

“Não sabia por quem tinha sido enganado”

A função introduzida pela preposição por (por quem tinha sido enganado) é também constituinte de outra oração complexa (objeto direto), ligado por justaposição.


5 – ROCHA LIMA – GRAMÁTICA – José Olímpio/1974

“São palavras que subordinam um termo da frase a outro – o que vale dizer que torna o segundo dependente do primeiro”.

Aqui aparece um elemento novo. A dependência: “o segundo termo depende do primeiro”. O autor entende subordinação como dependência. O comum é haver subordinação com interdependência. Na expressão “gosto de maçã”, na verdade o “gosto” é quem aparece como dependendo do complemento. Por outro lado, o complemento também depende do elemento completado, não há complemento “de nada”. O que existe, sem sombra de dúvida é uma interdependência.
O melhor é trabalhar com o sintagma. O sintagma não trata de dependência, trata de subordinação e a subordinação não se assenta na dependência, assenta-se na primazia ou na precedência linear do determinado. É preciso que haja, em primeiro lugar, algo para ser determinado. Essa preexistência é que lhe dá a primazia sobre o elemento determinante e, conseqüentemente, o caráter subordinante – nada de dependência de um sobre o outro.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORAÇÃO LATENTE

Consulta da Prof.ª Gilda Maria Parenti



“PARA FALAR A VERDADE”

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORAÇÃO LATENTE

Segundo Zélio dos Santos (Dicionário de Lingüística), “oração latente é a que tem o núcleo do predicado ou todos os termos ocultos” –INL/MEC 1981

LATENTE – “Fonema latente é o que não aparece na cadeia falada, mas cuja presença somos obrigados a invocar, no sistema da língua, para explicar certos fenômenos: assim o fonema chamado `h aspirado´ não existe mais em francês, mas sua presença como consoante latente explica a ausência de ligação com a inicial de certas palavras como héros, etc.”
Dubois et alii – Cultrix/93

O festejado Dr. Maximino Maciel (sergipano), na sua “Grammatica Descriptiva” – 1918 – Francisco Alves, faz referência à oração latente, a que dá o nome de proposição latente ou semiótica.

O axionome “DR”, que precede o seu prenome, lhe é conferido por ter sido médico, e não por razão legal.

Pois bem, ao tratar do assunto, leciona: “...ao nosso ver, latente ou semiótica é toda proposição que, integralmente occulta,(sic) apenas se torne necessária á (sic) integração do pensamento e á (sic) exigência da anályse,...”.
Quer ele dizer que só se deve reconhecer a existência da proposição latente ou semiótica se a clareza ou a análise o exigir.

São seus exemplos: “Estes males não sinto, é bem verdade (que os não sinto”. “Do latim que, sendo estudado, como cumpre (que seja estudado), é só por si um bom curso...passou para as palestras da philosophia”.

JOSÉ OITICICA – insigne catedrático do Colégio Pedro II, não deixa despercebida a ORAÇÃO LATENTE.
Ele não conceitua, abre as considerações com o título “Da oração latente”, e dá exemplos, dentre os quais colhemos os que seguem:

“Meus amigos divertiram-se muito, MAS EU NÃO” (sic).
“Todos se enganaram, COMO EU” (sic).


Vejamos como final – considerando-se a oração latente.

1 -“Para falar a verdade, não sei se irei”

Eu falo que não sei se irei, para falar a verdade.

2 – “As rosas não falam, para não falar que não falei de flores”

“Eu digo (ou falo) que as rosas não falam, para não falar que não falei de flores”

3 – “Capitu é dissimulada, para citar Machado de Assis”

“Eu repito que ´Capitu é dissimulada´, para citar M. de A.”

É final, com uma oração latente de VERBO DICENDI.

HIPÔNIMO E HIPERÔNIMO

HIPÔNIMO E HIPERÔNIMO


São exemplos dos helenismos tão comuns na nomenclatura científica.

Na realidade, hipônimo e hiperônimo nada mais são que denominações sofisticadas para gênero e espécie, através dos prefixos HIPER e HIPO, com a idéia de excesso e de escassez.

Falar contudo HIPERÔNIMO e HIPÔNIMO impressiona. GÊNERO e ESPÉCIE não impressionam, mesmo que o nome se preste mais para encobrir a idéia do que para explicitá-la. Como diria Olavo Bilac: “A palavra pesada abafa a idéia leve/Que perfume e clarão refulgia e voava!”

Geir Campos, no seu Dicionário de Termos Poéticos não trata do assunto, mesmo porque “hipônimo” e “hiperônimo” nada têm de poético. Servem mais para xingar e para nomes de doença: “Hiperônimo prostático”, “hipônimo maligno”.

Mattoso Câmara também, no seu consagrado Dicionário, silencia sobre os termos.

Zélio dos Santos, no seu Dicionário de Lingüística, remete o “hiperônimo” para o “hipônimo”, no qual passa apenas de raspão: “Palavra cujo sentido está incluído noutro mais amplo”. Nada além.

Dubois (Jean) - Dicionário de Lingüística, no verbete HIPONÍMIA, trata do “hipônimo” e do “hiperônimo”. Ensina ele que o termo HIPONÍMIA designa uma relação de inclusão, aplicada não à referência, mas ao significado das unidades lexicais em questão.

Ainda no magistério de Dubois, leciona o Professor da Universidade de Paris que a HIPONÍNIA está ligada à lógica das classes: assim “cão” mantém com “animal” certa relação de sentido; há inclusão do sentido de “cão” com o sentido de “animal”; diz-se que “cão” é um HIPÔNIMO de “animal”.

Do mesmo modo, “animal” é mais inclusivo do que “cão” no que toca à classe dos referidos (animal aplica-se a gato, coelho, etc.), mas cão é mais inclusivo do que “animal” no que toca aos traços de compreensão. É natural, uma vez que o universal é menos compreensivo do que o particular. É um princípio de lógica: o que se ganha em extensão perde-se em compreensão.

O HIPERÔNIMO é mais extenso do que o HIPÔNIMO. Menos compreensivo, portanto.

Dubois fala ainda no CO-HIPÔNIMO. E diz, em francês, consideram-se “oeilet de Nice” - cravo de Nice - e “tulipe noir” como HIPÔNIMOS de “oeilet e tulipe”. Da mesma forma, CO-HIPÔNIMOS como “bicyclette”, “moto(cyclette), vélomoteur” (bicicleta com motor), não tiveram arquilexema (genérico superordenado). Acabou-se por criar “deux -roues” (duas rodas). Segundo entendi, “duas rodas” passou a ser o HIPERÔNIMO daqueles CO-HIPÔNIMOS. Caso contrário, teríamos a orfandade do CO-HIPÔNIMOS.

O substantivo - visão de Perini

PARECER

Perini e os traços do substantivo


Fátima, aluna do 6º B de Letras, achou que o intensivo pudesse coocorrer com o substantivo. Na lição de Perini não ocorre (-INT). Eis os exemplos de Fátima:

Ele é muito amigo
Ele é muito meu amigo

No primeiro exemplo coocorre o intensivo “muito” junto a amigo,
levando-se a crer que “muito” intensifica substantivo. Ledo engano!
Amigo, no exemplo, não é substantivo. É adjetivo no grau
superlativo analítico. No sintético seria: Ele é amicíssimo (ou
amiguíssimo. Já aceito)
Notar que -íssimo ocorre somente com adjetivo. [-(-íssimo)] não
ocorre como substantivo. Impossível lobíssimo, mesíssima; mas
perfeitamente normal belíssimo, honestíssimo.

No segundo exemplo há uma impropriedade. A palavra “amigo”,
com potencial para ser adjetivo e substantivo, foi sufocada
e agredida pelos dois modificadores incompatíveis (muito...meu),
e perdeu a sua potencialidade, acabando-se por não ser nem uma
coisa nem outra.
O segundo exemplo comportaria “meu amigo”. Meu não é intensivo,
é modificador de posse, pronome possessivo, com traço próprio
do adjetivo, por isso agora “amigo” é substantivo.

Assim é possível:
1) “muito amigo” - intensivo “muito” coocorrendo com
o adjetivo “amigo”;
2) “meu amigo” - modificador “meu” coocorrendo com o
substantivo “amigo”

Jamais “muito meu amigo”.

A Fátima é “mui” amiga!!!
A Fátima é minha amiga!
A Fátima não é “muito minha” amiga!

É o meu ponto de vista, SMJ, e

viva Perini!!!

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O advérbio e o verbo de ligção

NOTAS PEREGRINAS SOBRE

a) O "ADVÉRBIO" E O VERBO DE LIGAÇÃO
b) O CARÁTER GRAMATICAL DO "VERBO DE LIGAÇÃO"

Seja o exemplo seguinte:

"Este bairro que TAMBÉM é meu causa-me grande tristeza"

Não parece razoável que “TAMBÉM” esteja determinando a forma verbal de ligação "É”, mesmo porque "É", salvo melhor juízo, nem chega a ser verbo, porém um VERBÓIDE, com ostensiva roupagem de verbo. Análise mais percuciente ou aguda acaba por revelar que "TAMBÉM", no citado exemplo, na realidade determina o predicativo "MEU" (verdadeiro predicado) e não o verbóide “É”. Com menor imprecisão poderíamos afirmar que “TAMBÉM” é determinante do PREDICADO "É MEU": "...é meu também". Viria agora um outro problema para engrossar o vezo de incluir os advérbios na classe dos determinantes não só do verbo, mas ainda do adjetivo e do "PRÓPRIO advérbio" (estranho conceituar algo como modificador de si mesmo: advérbio é palavra que modifica advérbio!). Considerando-se o caso presente, o advérbio teria uma quarta função: além da possibilidade de determinar o verbo, o adjetivo e o próprio advérbio, determinaria também o predicado. Mais uma conta no rosáro.

Ledo engano! A verdade é que o advérbio não passa de determinante do verbo, apenas do verbo. Nas outras funções sintagmáticas, ele se afasta da classe dos advérbios, e se inclui na dos DENOTADORES, nas sábias lições de José Oiticica.

Resta ainda outra indagação: por que o VERBO DE LIGAÇÃO deve ser incluído na classe das palavras de significação interna, e não na classe das de significação externa? Examinemos.

Trata-se, conforme se vê, de palavra complexa ou
múltipla, de duplo conteúdo; por ser VERBO DE LIGAÇÃO,
ou, o que dá no mesmo, CONECTIVO VERBAL. Analisemos
os dois conteúdos. Em primeiro lugar, como poderia ser em
segundo lugar, a sua parte CONECTIVA. Como conectivo, ou ligação, não resta dúvida, os conectivos são palavras de significação externa, recorta o mundo gramatical, puramente lingüístico, e não o mundo bio-social ou bio-físico. Isso mesmo, os conectivos, em que se incluem os verbais ou verbos de ligação, são palavras de significação puramente interna.

Examinemos agora a parte verbal do “conectivo verbal” ou do “verbo de ligação”. O que tem ele de verbo? Em primeiro lugar, podemos observar que o verbo de ligação não é um determinante semântico, como são os verbos não de ligação, os nocionais, no sintagma de que são parte. É um determinante puramente desinencial: Quando digo "O ALUNO ESTUDA", ESTUDA, dando uma informação ou uma notícia nova do sujeito, já o determina, o que não acontece com "O ALUNO É", em que “é”, dando notícia desinencial, acaba não determinando o sujeito, o que só acontecerá se se completar o sintagma com um nome, que os gramaticos impropriamente chamam de predicativo, por exemplo "...ESTUDIOSO" em: "o aluno é estudioso".

Então, a parte verbal do VERBO de LIGAÇÃO de verbo só tem as flexões de modo, tempo, número, pessoa e aspecto. Ora, as flexões não são sinais ou signos do mundo objetivo, ou significações externas. Referem-se ao mundo puramente gramatical, por isso mesmo sinais gramaticais ou exclusivamente significações internas. Não há, pois, como não classificar os verbos de ligação como palavras gramaticas binárias, como o é o pronome relativo.

Próxima reflexão: O dativo dos verbos de ligação.

O ARTIGO 2.º DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB

O ARTIGO 2.º DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB

“Art. 2.º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.”
Prossegue o artigo no seu parágrafo único com um elenco de deveres do advogado.

Interessa-nos, no momento, pela exigüidade do espaço, algumas considerações apenas sobre o caput do artigo. A bem dizer, nem sobre o caput, mas tão somente sobre o seu intróito, merecedor de algumas reflexões, pela opulência do seu conteúdo.
Como pretendemos tecer considerações à luz da “sintaxe”, mais precisamente da “análise sintática”, tais reflexões serão feitas única e exclusivamente sobre o sujeito da primeira oração, cujo predicado se inicia com a ligação verbal “é”, ou seja, sobre:
“O advogado, indispensável à administração da Justiça,”...

Optamos pela interpretação sintática porque entendemos que a Sintaxe não se compraz em si, ou seja, não é ela uma ciência puramente especulativa, mas ciência aplicada
ao conhecimento da língua e que presta valioso auxílio ao entendimento de passagens obscuras de textos orais ou principalmente escritos.

Vamos ao texto. Entre a palavra advogado, núcleo do sujeito, e o predicado encabeçado pela forma verbal “é”, há uma pausa indicada por duas vírgulas:

...”,indispensável à administração da Justiça,”...

A pausa estabelecida pelas vírgulas na escrita tem relevante valor semântico.

Não paira dúvida, a expressão (adjetiva ou substantiva) “indispensável à administração da Justiça” refere-se ao núcleo substantivo “advogado”.

Se se tomar a expressão com valor substantivo, ela funcionará como
1) Aposto explicativo: “ser (profissional) indispensável à administração...”
2) Aposto circunstancial: “porque indispensável à administração...”

Se se tomá-la por outro lado com valor adjetivo, vislumbraríamos apenas a ocorrência de uma possibilidade sintática, vez que excluídas estariam as funções de adjunto adnominal, e de predicativo restritivo, ex vi da pausa imposta pela presença das duas vírgulas.
A função adjetiva limitar-se-ia à de predicativo explicativo, com sentido meramente adicional, por encerrar simples esclarecimento ou pormenor do antecedente, no caso “ADVOGADO”.

O Prof. Rocha Lima esclarece o sentido restritivo e o explicativo, com dois exemplos.
Sentido restritivo: “Os pecadores que se arrependem (sic) alcançam o perdão de Deus(1).” Quer isso dizer que existem aqueles pecadores que não se arrependem.
Sentido explicativo: “Vozes d’África, que é um poemeto épico, (sic) representa um alto momento da poesia brasileira.” (1) É próprio de “Vozes d’África” ser um poemeto épico. Não há possibilidade de “Vozes d’África” não ser um poemeto épico.

Transpondo os ensinamentos para o nosso estudo, conclui-se que é próprio do advogado ser indispensável à administração da Justiça. Não é possível, sendo advogado, não ser indispensável à administração da Justiça.

GARIMPANDO PALAVRAS - concubina

GARIMPANDO PALAVRAS

CONCUBINA - Segundo De Plácido e Silva, designa a mulher que tem vida em comum com um homem, ou que mantém, em caráter de permanência, relações sexuais com ele.(O concúbito)

Do latim CONCUBINA-AE (1.ª) - de con + cubo. CUBO é a primeira pessoa singular do indicativo presente do verbo cubo, cubas, cubui, cubitum, cubare, que significa estar deitado, estar de cama, deitar-se. Assim a concubina é a que deita com, isto é, a “companheira de leito”. Não é curioso?


Você sabia que o nome próprio JOSÉ vem do hebraico Iosseph, Iehussef: “Ele (Deus) dê aumento, ou (Deus) aumente (com outro filho)”. (Gên. 30.24). Gr. Iósepos, Ioseph, lat. Josephus, árabe Iussuf, it. Giuseppe, esp. José, francês, inglês e alemão Joseph, Josef.

NOTAS PEREGRINAS SOBRE

a) O "ADVÉRBIO" E O VERBO DE LIGAÇÃO
b) O CARÁTER GRAMATICAL DO "VERBO DE LIGAÇÃO"

Seja o exemplo seguinte:

"Este bairro que TAMBÉM é meu causa-me grande tristeza"

Não parece razoável que “TAMBÉM” esteja determinando a forma verbal de ligação "É”, mesmo porque "É", salvo melhor juízo, nem chega a ser verbo, porém um VERBÓIDE, com ostensiva roupagem de verbo. Análise mais percuciente ou aguda acaba por revelar que "TAMBÉM", no citado exemplo, na realidade determina o predicativo "MEU" (verdadeiro predicado) e não o verbóide “É”. Com menor imprecisão poderíamos afirmar que “TAMBÉM” é determinante do PREDICADO "É MEU": "...é meu também". Viria agora um outro problema para engrossar o vezo de incluir os advérbios na classe dos determinantes não só do verbo, mas ainda do adjetivo e do "PRÓPRIO advérbio" (estranho conceituar algo como modificador de si mesmo: advérbio é palavra que modifica advérbio!). Considerando-se o caso presente, o advérbio teria uma quarta função: além da possibilidade de determinar o verbo, o adjetivo e o próprio advérbio, determinaria também o predicado. Mais uma conta no rosáro.

Ledo engano! A verdade é que o advérbio não passa de determinante do verbo, apenas do verbo. Nas outras funções sintagmáticas, ele se afasta da classe dos advérbios, e se inclui na dos DENOTADORES, nas sábias lições de José Oiticica.

Resta ainda outra indagação: por que o VERBO DE LIGAÇÃO deve ser incluído na classe das palavras de significação interna, e não na classe das de significação externa? Examinemos.

Trata-se, conforme se vê, de palavra complexa ou
múltipla, de duplo conteúdo; por ser VERBO DE LIGAÇÃO,
ou, o que dá no mesmo, CONECTIVO VERBAL. Analisemos
os dois conteúdos. Em primeiro lugar, como poderia ser em
segundo lugar, a sua parte CONECTIVA. Como conectivo, ou ligação, não resta dúvida, os conectivos são palavras de significação externa, recorta o mundo gramatical, puramente lingüístico, e não o mundo bio-social ou bio-físico. Isso mesmo, os conectivos, em que se incluem os verbais ou verbos de ligação, são palavras de significação puramente interna.

Examinemos agora a parte verbal do “conectivo verbal” ou do “verbo de ligação”. O que tem ele de verbo? Em primeiro lugar, podemos observar que o verbo de ligação não é um determinante semântico, como são os verbos não de ligação, os nocionais, no sintagma de que são parte. É um determinante puramente desinencial: Quando digo "O ALUNO ESTUDA", ESTUDA, dando uma informação ou uma notícia nova do sujeito, já o determina, o que não acontece com "O ALUNO É", em que “é”, dando notícia desinencial, acaba não determinando o sujeito, o que só acontecerá se se completar o sintagma com um nome, que os gramaticos impropriamente chamam de predicativo, por exemplo "...ESTUDIOSO" em: "o aluno é estudioso".

Então, a parte verbal do VERBO de LIGAÇÃO de verbo só tem as flexões de modo, tempo, número, pessoa e aspecto. Ora, as flexões não são sinais ou signos do mundo objetivo, ou significações externas. Referem-se ao mundo puramente gramatical, por isso mesmo sinais gramaticais ou exclusivamente significações internas. Não há, pois, como não classificar os verbos de ligação como palavras gramaticas binárias, como o é o pronome relativo.

Próxima reflexão: O dativo dos verbos de ligação.

TERMOS JURÍDICOS - SENTIDO ETIMOLÓGICO

Pedro Junqueira Bernardes







O Direito, do latim directum, não á apenas um complexo de regras, leis e preceitos providos de sanção. É sobretudo uma conquista de natureza sócio-cultural que se realiza na linguagem articulada, no fenômeno da fala, sem a qual não passaria de mera aspiração, ou de simples potencialidade. Aliás, a linguagem humana, que se distingue de todos os outros sistemas de comunicação pela dupla articulação, entendendo-se o termo articulação no seu sentido etimológico (do latim artus, membro; articulus, membro pequeno), ou seja, na sua faculdade de se dividir em membros menores (monemas e fonemas), sobre ser verdadeira cultura, é também o veículo de transmissão não só de toda cultura, mas de toda a cultura, e por isso mesmo se faz presente em qualquer realização humana, em toda manifestação do espírito. O próprio pensamento, não fosse o fenômeno da linguagem, não se elaboraria. Pensamos através da linguagem. Já se disse algures e alhures que pensamento e linguagem são como as duas faces da mesma moeda. Impossível a existência isolada.



Como o direito procura preservar as conquistas culturais do mundo ético, entendendo-se aqui o termo ético no sentido scheleriano, ou seja, enquanto atividade humana dirigida à realização de um valor e, dentro do gênero valor, elegendo apenas a espécie que diz respeito ao bem individual e ao bem coletivo, com primazia deste, preservou também a Ciência do Direito o veículo de exteriorização e realização da norma, ou seja, a linguagem necessária, se não para a perpetuação, pelo menos para a durabilidade e permanância da regra. E nem poderia ser diferente, pois como observa com muita propriedade o Prof. Miguel Reale, a ciência é a linguagem mesma, porque na linguagem se expressam os valores comunicáveis. Dando mais um passo adiante, leciona Henry de Page que “C’est en ce sens qu’il est toujours vrai de dire que la cience n’est qu’une langue bien fait” (apud Raul Moreira Pinto - Leasing - Transmutação em Contrato de Compra e Venda).



Assim, não é raro, na Ciência do Direito, palavras e expressões possuírem um conteúdo semântico extremamente fiel às raízes, às bases etimológicas, enquanto o significado trivial se desgarra e evolui, assumindo significações do cotidiano, já distantes do berço cognato. Muitas vezes o sentido técnico-científico, por não se achar desgastado com o uso contumaz e vulgar, conserva com todo o rigor, o verdor da fidelidade radical e o vigor da cultura da época.



A grande maioria dos usuários da língua pode não perceber a raiz rio, em rival (rivus); Deus ( em entusiasmo; pedrinha, em escrúpulo (scrupus); pão (panis), em companheiro, enquanto os iniciados na Ciência do Direito têm plena consciência da idéia de precedência do conhecimento em prejudicial (prae + iudicare); de circunscrição ou área judicial, no substantivo vara (latim vara, bastão conduzido pelos juízes em sinal de sua autoridade, para que fossem conhecidos e não fossem molestados), apenas para citar alguns exemplos do conservadorismo e da especialização de sentido.



Neste pequeno trabalho, examinaremos alguns vocábulos, com ênfase ao estudo daqueles que permanecem fiéis às origens e, por isso mesmo, que despertam maior curiosidade:



ACOITAR - Segundo De Plácido e Silva, “dar guarida ou proteger

criminosos, para que se livrem das penalidades a se-

rem impostas.” (1)

Trata-se de vocábulo de largo uso na esfera penal. Ao

asilar o criminoso, o “coiteiro” está praticando o crime

de favorecimento, previsto no art. 348, do Código Pe-

nal.

Curiosa é a sua etimologia. Embora possa sugerir, a

raiz nada tem a ver com o substantivo “COITO” (de

cum+eo, ir com), nem de BISCOITO (de bis+coctum).

Nem ainda de COITADO (de coctus por coactus, part.

Cogere, obrigar).

ACOITAR vem de ad + cautum, mais o sufixo -ar, for-

mador de verbos da primeira conjugação, a mais fértil.

CAUTUM, que deu COITO, é o particípio passado de

CAVEO - CAVI - CAUTUM (acautelar-se, tomar cui-

dado), com o significado adjetivo de precatado, pru-

dente, caucionado, afiançado, protegido. Depois, já

com a força independente do substantivo, o próprio a-

silo ou refúgio.



ADIÇÃO - A palavra tem dois sentidos. O primeiro sentido é o de

acréscimo, aumento. É sentido corrente.

O outro é técnico-jurídico. Traz a idéia de ida, de acei-

tação, de aproximação. Assim:

a) ADIÇÃO DE BENS - Transferência de bens imobi-

liários (que não deixa de ser uma ida);

b) ADIÇÃO DE HERANÇA - Aceitação de herança;

c) ADIÇÃO DE LEGADO - Aceitação de legado

Tanto num sentido quanto no outro, a palavra vem do

ADIR, com étimos diferentes, conforme se refira a um

ou a outro significado.

ADIR, no sentido trivial de acrescentar, vem do verbo

latino ADDERE, com deslocamento de conjugação. Se-

gundo Edwin Willians (2), e com a simplificação das

dentais geminadas (dd). O verbo latino ADDERE, por

sua vez, vem de ADDO (de AD, proximidade, + DO, do verbo DARE, com o sentido de colocar ao lado). A idéia é, pois, de somar, acrescentar, adir, enfim.

Já ADIR, no sentido de entrar na posse, aceitar, vem do

verbo latino ADIRE, de AD + EO, com o sentido de ir

(eo) para, ir em direção, aproximar-se. Em resumo:





1. ADIR (acrescentar, somar), tem a raiz do verbo

DO - DAS - DEDI - DATUM - DARE;

2. ADIR (aceitar, entrar na posse), tem a raiz do verbo

EO - IS - IVI - ITUM - IRE.



ADÚLTERO - Do latim adulterum. Este da preposição ad, com o sentido de proximidade, mais o pronome alter,altera, alterum (outro).

Assim, ad+alterum, com apofonia do a do radical de alterum, nos veio a forma ADULTERO. O sentido é de proximidade (ad) a outro (alterum). E esse outro nada mais é que o LEITO ou o ÚTERO, de que nos fala a expressão latina: “ADULTERIUM EST AD ALTERUM THORUM VEL UTERUM ACCESSIO: Adultério é a acessão ao leito ou ao útero de outrem.



AFRONTA - Deverbal de “afrontar”. Antenor Nascentes(3) não re- gistra o verbo nem o deverbal. Séguier(4) registra tanto

o verbo quanto o deverbal apenas no sentido corrente.

Antônio Geraldo da Cunha(5) faz rápida referência ao

verbo e seus cognatos. Não menciona contudo a data de seu aparecimento nem o sentido. Francisco Fernandes(6) registra o verbo, sem se referir ao sentido jurídico do termo. Adolfo Coelho(7) consigna o termo

apenas com o sentido comum.

Na linguagem jurídica, que é o que nos interessa,

AFRONTA significa “declaração de maior lanço nas ar-

rematações. Comunicado que o funcionário de leilão

judicial faz ao juiz sobre o maior lanço oferecido, assim

como ao licitante da aceitação do seu lanço. Aurélio (8)

registra esse sentido.

Morais Silva(9), ao registrar o termo, dá a “fórmula curiosa e usual dos porteiros nos leilões e arrematações por autoridade de justiça”

“AFFRONTA FAÇO QUE MAIS NÃO ACHO”.

A par de AFRONTA havia também, hoje desusado, o

termo FRONTA, com aférese do A, com o mesmo sentido. Ainda em Morais: “FRONTEM OS CORREGEDORES AOS PRELADOS QUE CASTIGUEM ESSES

CLÉRIGOS.”

a raiz da palavra é FRONTE, do latim FRONS -FRONTIS: cara, rosto, testa, segundo Torrinha (9). Conseqüentemente a frente, a dianteira. O sentido jurídico está de acordo com o sentido etimológico, uma vez que “dar a notícia, ou comunicar” está em perfeita harmonia com o ato de “colocar na frente, apresentar, pôr-se diante, expor”, que são modos muito eficientes de comunicar alguma coisa a alguém.



ANATOCISMO - A cobrança de juros sobre juros é conhecida sob a

denominação de “anatocismo”.

“É vocábulo que nos vem do latim anatocismus, de

origem grega, significando usura, prêmio composto ou

capitalizado. Desse modo, vem significar a contagem

ou a cobrança de juros sobre juros.”(1)

Importante para o nosso estudo é o seu sentido eti-

mológico: do grego de

e este de de novoemprestar a

juros (10).



ANISTIA Termo empregado em direito penal. Trata-se de ato le-

gislativo que isenta de pena a pessoa condenada ou

processada por crime, geralmente político. Morais Sil-

va registra o termo AMNISTIA (com o m etimológico):

“perdão das injúrias feitas ao Soberano em tempo de

guerra, e revolta (8).

A palavra envolve o significado de esquecimento, pre-

sente no étimo AMNESTIA, do grego AMNESTÉIA,

esquecimento do passado (form. de 

priv. +  lembrança)



ANTICRESE Outro helenismo de uso restrito. Segundo De Plácido

e Silva, “assinala o contrato pelo qual um devedor,

conservando ou não a posse do imóvel, dá ou destina

ao credor, para segurança, pagamento, ou compensa-

ção de dívida, os frutos e rendimentos produzidos pe-

lo mesmo imóvel.”

A definição mantém-se fiel ao Código: “Pode o deve-

dor, ou outro por ele, entregando ao credor um imóvel,

ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da

dívida, os frutos e rendimentos.” - Art. 805/CC.

A palavra guarda o sentido etimológico: Do grego

 (contra)empréstimo, uso). Seria como

um empréstimo ou uso anômalo, especialíssimo,

desviado do empréstimo usual, vez que se destina ao pagamento de uma obrigação.



APOSTILA - O termo já anda bem surrado no meio estudantil, cujo

sentido já anda beirando o de simples cópia, na maioria

clandestina, ao arrepio do respeito aos direitos autorais.

O termo é de origem latina, donde herdamos através do

espanhol. O sentido jurídico é o etimológico: “Anota-

ção, registro feito em documento público ou na docu-

mentação relativa a dado servidor.” (11). Segundo Co-

rominas (12) “acotación que aclara o completa un tex-

to (1542). Tomado del b. lat. postilla, íd. Probablemen-

te contracción de la frase post illa ‘después de aquellas

cosas.’ ”.

O certo é que “apostila, apostilha, ou postila” significa

“depois delas”, ou “depois (post) daquelas (illa) coisas”

Juridicamente é uma anotação posterior, feita no docu-

mento. Pedagogicamente seriam as anotações feitas

nos textos, pelos estudantes, depois da aula ou

das explicações ministradas pelo professor: “post

illa”, depois da aula, ou das explicações.



ARRAS Sinal para garantia de um contrato, de uma obriga-

ção. Segundo Nascentes (3), o vocábulo é de origem

semítica, e chegou-nos através do latim, depois de

ter passado pelo grego. A forma latina é arrha. Redu-

ção da forma arrhabo, do grego arrhabon. Significa

penhor. Interessante é que a forma latina arrha é da

primeira declinação (arrha-ae), enquanto a forma ple-

na arrhabo é da terceira: arrhabo-onis. A nossa forma,

arras, veio do acusativo plural da primeira, arras, e

não do acusativo singular arrham. Conforme se sabe,

o acusativo é o caso lexiogênico português. Em latim

o substantivo podia ser usado no singular e no plural.

Em português tornou-se pluralia tantum, vez que não

se usa no singular, somente no plural, arras.



ARTICULAR O verbo “articular” tem dois sentidos básicos. Um

sentido comum, que é “pronunciar”, “proferir”: “Tor-

turado, não articulou uma queixa.” Apud Aurélio (13).

O outro sentido é o etimológico, de uso corrente na

linguagem forense: “a exposição foi feito por artigos”,

ou seja, articulada. Articular tem sua base em artus,

que quer dizer membro.

Artigo vem, pois, de articulus que, por sua vez, vem

artus (membro), mais o sufixo diminutivo (-culus),

e quer dizer membro pequeno. Articular, etimologica-

mente, nada mais é que dividir em membros menores.

É o que faz o advogado quando articula uma peça, di-

vide-a em membros (artus) menores (-culus).



Vale!







1 - De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - 15.ª ed. - Forense - 1998

2 - Willian - Edwin - Fron latin to Portuguese - MEC/IML - 1973

3 - Nascentes - Antenor - Dic. Etimológico Resumido. INL/MEC-1966

4 - Séguier - Jaime de - Dic. Prático Ilustrado - Lelo & Irmãos. Porto/1957

5 - Cunha - Antônio Geraldo da - Dic. Etimológico Nova Fronteira - N.

Fronteira - 1982

7 - Coelho - Adolfo. Dicionário Manual Etimológico da Língua Portuguesa

P. Plantier - Editora - Lisboa. S/data.

8 - Morais Silva - Antônio de: Dicionário da Língua Portuguesa -

Fac Simile de 1922 da Ed. De 1813 (Lisboa - Tip. Lacerdina).

9 - Torrinha - Francisco: Dicionário Latino-Português. Edições Marânus,

Porto - 1945.

10- Ramis Galvão - Benjamim Franklin - Vocabulário Etimológico, Ortográfico e Prosódico das Palavras Portuguesas Derivadas da Língua

Grega. Livraria Francisco Alves. Rio de Janeiro. 1909.

11- Magalhães - Humberto Piragibe - Dicionário Jurídico. Edições Traba-

lhistas. 4.ª edição.

12 - Corominas - Joan: Breve Diccionario Etimológico de la Lengua Cas-

tellana. Gredos - Madri. 1967.

13 - Holanda Ferreira - Aurélio Buarque de: Novo Dicionário da Língua

Portuguesa - Nova Fronteira - 1.ª edição - 1975.

Leasing - Transmutação em Contrato de Compra e Venda.

Raul Moreira Pinto

Juiz aposentado do T.R.T. 3a. Reg.

Pedro Junqueira Bernardes

Advogado





Cuidam esses escritos de peça processual produzida em ação reintegratória, onde o réu, em defesa, buscou, a título de mérito, mas com essência de preliminar, o decreto judicial da inadequação da via eleita. Vale dizer, pretendeu verdadeiramente a extinção do processo, sem julgamento do mérito, por falta de condições da ação.

Para melhor entendimento, passa-se a fazer um breve relatório do ocorrido no processado.:

O réu celebrou com a autora contrato de leasing, sendo que, a partir de determinado momento, suspendeu, sem causa legal, o pagamento das prestações mensais.

A autora, em função da mora do réu, ajuizou ação reintegratória de posse, sendo reintegrada liminarmente no bem arrendado.

O réu, em defesa, alegou, entre outras questões que não pertinem ao presente trabalho, que o contrato de arrendamento se transmudara em de compra e venda, pelo fato de ter pago, junto às prestações mensais, parcelas relativas ao “valor residual garantido”.

Segundo sua tese, se há pagamento do referido “valor residual garantido” antes do término do contrato de arrendamento, este se converte em contrato de compra e venda, já que a quitação daquele valor implicaria em exercício da opção de compra antes do término do prazo do contrato de arrendamento, o que é vedado em lei.

Para sustentar o seu entendimento, trouxe o réu à colação acórdão, pela ementa, de teor seguinte:

“ARRENDAMENTO MERCANTIL - Leasing - Contrato - Valor residual ínfimo - Compra e venda a prestação disfarçada - Custo ou despesa operacional - Glosa - Não se pode pretender que uma operação real de compra e venda a prazo se beneficie de disposições ditadas especificamente para o arrendamento mercantil ainda que aquela operação preencha formalmente os requisitos contratuais estabelecidos para esta última.

Se se trata de compra e venda, as parcelas pagas não podem ser consideradas como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica adquirente do bem, porque, na verdade, de arrendamento mercantil não se cuida. Não se pode admitir que uma lei persiga um objetivo ilícito, desonesto, iníquo. Desse modo, a sua interpretação deve ter natureza teleológica (finalística), fundada na consistência axiológica(valorizativa) do Direito ( MIGUEL REALE0)Votos vencidos ( TRF 1a. Reg. Emb. Infr. em Ap. Civ. n.º 29261 - Rel. Juiz Eustáquio Silveira - J. 30.05.95 - DJU 26.06.95).

Os dispositivos legais sobre os quais se discutiram as questões são os seguintes:

Lei n.º 6.099/74

“Artigo 5º - Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições:

a) prazo do contrato;

b) valor de cada contraprestação por períodos determinados não superiores a um semestre (prazo posteriormente aumentado);

c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário:

d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta causa;

Parágrafo único - ‘......’ omisssis

“...............”

Artigo 11 - Serão considerados como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamento mercantil.

Parágrafo primeiro - a aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta lei será considerada operação de compra e venda a prestação.

Parágrafo segundo - ‘....’ omissis

Parágrafo terceiro - ‘...’ omissis

Parágrafo quarto - ‘....’ omissis”

Resolução (BCB) n.º 980/84

“Artigo 11 - A operação será considerada como de compra e venda a prestação se a opção de compra for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.”

Na impugnação à contestação, na parte que interessa ao presente, a Autora deduziu as seguintes razões, que são essência do presente trabalho:

“Não há de vingar a tese da defesa, relativamente à descaracterização do contrato de leasing, pelas razões jurídicas e fáticas que se seguem.

O parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, utiliza-se do termo “aquisição”. O parágrafo segundo do mesmo artigo dispõe que o preço da compra será o total das contraprestações pagas durante a vigência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição.

Disso se conclui que a aquisição do bem arrendado necessariamente se dá no fim do prazo de arrendamento, com o exercício da opção de compra. Deflui-se, ainda, que, se o preço da aquisição, definido no parágrafo único do artigo 15, da mesma Lei 6.099/74, não for integralmente pago, o que ocorrerá no término de vigência do contrato, não haverá se falar em conversão do arrendamento em compra e venda por infringência a dispositivos outros da mesma Lei n.º 6.099/74.

Na verdade, o contrato de arrendamento mercantil é complexo, nele coexistindo basicamente dois contratos, um de arrendamento propriamente dito e outro de promessa unilateral de venda.

Marcos Bernardes de Mello cita, expressamente, como exemplos típicos de negócio jurídico complexo, o de arrendamento, o de franquia, o de transporte, com fornecimento de hospedagem e alimentação e contrato de empreitada com fornecimento de material. (Teoria do Fato Jurídico - Plano de Validade, Saraiva, 1.995, pag. 62).

E é complexo, pois nele existem concomitantemente dois contratos, de arrendamento propriamente dito e de promessa unilateral de venda. Eventualmente, pode haver até um terceiro, de mandato.

Ao arrendar um bem o arrendador (termo utilizado pelo legislador) transfere a posse direta para o arrendatário, por determinado prazo, recebendo uma remuneração.

Por força até mesmo da natureza desse arrendamento, há cláusula resolutiva. No caso dos autos, é expressa.

Vicente Ráo, valendo-se de disposição do Código Civil Alemão, ensina que “Resolutiva é a condição cujo implemento faz cessar os efeitos do ato jurídico: ‘quando um ato jurídico é praticado sob condição resolutiva, sua eficácia cessa no momento em que esta condição se realiza, momento a partir do qual o estado anterior de direito se restabelece.” (Ato Jurídico, Revista dos Tribunais, 1.997, pag. 257).

Já na promessa unilateral de venda, tem-se uma condição suspensiva, que, segundo ensinamento do mesmo autor, “subordina o início da eficácia do ato jurídico à verificação ou não-verificação de um evento futuro e incerto”. (op. citada, mesma página)

Isto é, na condição resolutiva, enquanto essa não se realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito estabelecido. E “subordina-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva e, enquanto esta não se verificar, não terá adquirido o direito a que ele visa” nas excelentes definições dos artigos 125 e 127, do Projeto do Código brasileiro.

Feitas essas digressões doutrinárias, passemos a examinar o caso concreto à luz delas.

No primeiro negócio jurídico, o arrendamento stricto sensu, que poderíamos chamar de principal, o arrendatário entra na posse direta do bem arrendado, exercendo o direito de usá-lo desde a conclusão do mesmo negócio jurídico e vigorando enquanto não se realize condição resolutiva. (a condição resolutiva invocada pela Autora é o inadimplemento do contrato, por falta de pagamento das prestações por parte do arrendatário).

Explicitando, enquanto o arrendatário estiver pagando as prestações, pode legitimamente exercer todos os direitos inerentes ao arrendamento.

No segundo negócio jurídico, promessa unilateral de venda, há uma condição suspensiva, qual seja, a opção para a compra do bem e a aquisição que se darão no término da vigência do primeiro negócio jurídico.

Ora, a cláusula suspensiva da promessa unilateral de compra somente será acionada para aquisição do direito (de opção de compra e conseqüente efetivação desta) se necessariamente não for acionada a cláusula resolutiva (inadimplemento da obrigação de pagar).

Vale dizer, somente poderá falar-se em compra e venda se o arrendatário pagar toda e pontualmente a dívida, nesse último caso se o credor-arrendador não admitir alguma mora, ao término do contrato de arrendamento.

E isto é mais do que óbvio: se acionada a condição resolutiva, jamais adquirirá o arrendatário o direito de opção e compra, pela singelíssima razão de não se ter verificado a condição suspensiva, que é exatamente o pagamento total do preço. Nas palavras do Projeto do Código, “não terá adquirido o direito” prometido de venda.

Repetindo-se, pedindo vênia pela insistência: se o preço não foi pago integralmente e por isso foi denunciado o contrato, não se pode nem mesmo imaginar a transmutação do contrato de leasing em compra e venda. Aliás, nem mesmo se pode falar em compra e venda do bem arrendado, já que, segundo a lei que trata da matéria, aquela se concretiza com o pagamento de todo o preço. Assim, inaplicável o disposto no parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74.

Na verdade, a intenção do legislador, ao dispor sobre considerar a aquisição do bem arrendado como compra e venda, é clara: coibir fraude fiscal, caracterizada pela utilização de benefícios fiscais dados ao arrendatário, quando verdadeiramente a operação é de compra e venda travestida de leasing, agindo o arrendatário com arrière-pensée.

Sem dúvida que a Lei n.º 6.099/74 é de natureza tributária. Como bem reza a sua ementa, cuida o diploma de tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil. Assim, quando dita o artigo 11, pelo parágrafo primeiro, que a aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições da mesma lei será considerada operação de compra e venda a prestação, quer a regra dizer que operação terá o tratamento tributário da compra e venda.

E isto tem razão de ser, pois, como afirmado, bem poderia alguma operação titulada de arrendamento encobrir verdadeira compra e venda, com o objetivo de lesar o fisco, já que o arrendatário goza de favores fiscais que não tem naquele primeiro tipo de contrato.

Mas isso sequer é cogitado nos presentes autos. Fora de dúvida que as partes buscaram celebrar contrato de arrendamento mercantil, não outro, e nos “dissídios que acaso se formem, a missão do juiz terá de se circunscrever à apuração da vontade dos contratantes, em um processo de pura reconstituição.” (Darcy Bessone, op. citada, pag. 33/34 - destaque da Autora). E se dúvida pudesse haver, em melhor situação não ficaria o Réu, pois a lei lhe proíbe alegar simulação.

A ratio do dispositivo não é a de transmudar a natureza do contrato de arrendamento, para tê-lo como mero contrato de compra e venda, com todas as conseqüências de natureza civil.

Veja-se que o referido parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, se refere, e não poderia ser diferente, ao caput. É certo que o parágrafo excepciona a regra do artigo ao qual se subordina, ou explicita-o. No ensinamento de Vicente Ráo, “Comumente, o conteúdo do parágrafo deve ligar-se e sujeitar-se à prescrição contida na disposição principal como o particular ao geral.” (O Direito e a Vida dos Direitos, Revista dos Tribunais, 3a. edição, vol. I, pag. 250, destaque nosso).

Ora, se o artigo 11, da multicitada Lei n.º 6.099/74, trata exclusivamente de Direito Fiscal, o seu parágrafo não pode lançar efeitos além da prescrição naquele contida. Vale dizer, não tem força para modificar natureza jurídica de instituto de outro ramo do Direito.

Repetindo, o que o legislador quis dizer, e não mais do que isso, é que o benefício fiscal do arrendatário, consistente em considerar como custo ou despesa operacional as contraprestações pagas, não será admitido se a aquisição dos bens arrendados se fizer em desacordo com as disposições da referida lei, sendo a operação, evidentemente para efeitos fiscais, tida como compra e venda, operação esta que leva tratamento diferenciado e menos benéfico para o contribuinte arrendatário.

Jamais preconizou a conversão de um contrato híbrido, como o é o de arrendamento (locação, promessa unilateral de venda e, às vezes, mandato - conf. Fran Martins, Contratos e Obrigações Comerciais, Forense, 14a. ed., pág. 459) no de compra e venda simples e pura, matéria que é completamente estranha ao Direito Fiscal. De observar-se que o legislador se utilizou da expressão “será considerada operação de compra e venda” e não do termo “conversão”, tecnicamente correto para a hipótese sustentada na defesa.

Segundo ensina Orlando Gomes, “Um contrato nulo pode produzir os efeitos de um contrato diverso. A esse fenômeno chama-se conversão. Para o mesmo autor, para que ocorra a conversão “é preciso: que o contrato nulo contenha os requisitos substanciais e formais de outro; b) que as partes quereriam o outro contrato, se tivessem tido conhecimento da nulidade.” (Contratos, Forense, 12a. edição, pág. 217 - destaques da Autora)

No caso sub examine, de fácil percepção que as partes contratantes jamais pretenderam celebrar contrato de compra e venda.

Mesmo que pudesse colocar em questão os termos claríssimos do contrato, viria em socorro da Autora o disposto no artigo 85, do C.C.B., onde se regra que na interpretação das declarações de vontade há de prevalecer, sempre, intenção daquele que as fez.

É certo ainda que a Autora não tem como atividade a compra e venda de veículos ou de quaisquer outros bens, sendo inimaginável que tivesse querido, via contrato de arrendamento mercantil, realizar uma compra e venda.

Não fora isso, é de boa doutrina pressupor-se que o legislador, sempre e necessariamente, se utilize de termos técnico-jurídicos de forma correta. Se o parágrafo primeiro do artigo 11, da Lei 6.099/74, cuidasse do mencionado instituto, teria utilizado o termo “conversão”, não o termo “considerado”.

E é bom ter em mente a observação de Henry de Page, no sentido que “Nous croyons, au surplus, qu’il est particulièrement souhaitable d’eviter des confusions de mots, parce qu’elles entrainent toujours des confusions de choses. C’est en ce sens qu’il est toujours vrai de dire que la science n’est qu’une langue bien faite.” (apud Darcy Bessone, Do Contrato - Teoria Geral, Forense, ed. 1987, pág,. 314).

Mesmo que se admitisse, absurdamente, que a malsinada disposição do parágrafo primeiro, do artigo 11, lança efeitos fora do Direito Fiscal e tenha realmente querido dizer “conversão”, a solução mais equânime pela não observância de alguma das condições postas no artigo 5º, da citada lei, seria a decretação de ineficácia da cláusula infringente, subordinando-a à prescrição legal. Caso típico de aplicação do princípio heteronômico, pelo qual o Estado-legislador estabelece preceitos, que são verdadeiramente cláusulas contratuais obrigatórias.

No caso do arrendamento, por ser negócio jurídico complexo, admite aquele a separabilidade dos atos.

Ensina Marcos Bernardes de Mello que, “Quando se trata de negócios jurídicos complexos, tem-se que a separabilidade é possível, conforme o caso, desde que preservada a integridade do ato jurídico e de sua finalidade, esta conforme a intenção dos figurantes.” (op citada, pág,. 64, destaque da Autora).

Ora, se as partes indubitavelmente procuraram acertar um contrato de arrendamento e sendo este negócio complexo, perfeitamente possível a separabilidade de cláusulas eventualmente ilícitas. O mesmo Marcos Bernardes de Mello cita, como exemplo, o testamento, onde geralmente as cláusulas são separáveis, pelo que a nulidade “pode restringir-se a esta, sem afetar o todo”. (id.ib., pág,. 64/65)

Nesse mesmo sentido, leciona Serpa Lopes, explicitando que devem ser afastadas “aquelas cláusulas consignadas em contrário ao regime legal, preestabelecido.” (Curso de Direito Civil, Freitas Bastos, vol.iii, 4a. edição, pág. 97). Ou na lição de Darcy Bessone, “A vontade das partes não deve ser sacrificada senão no caso de se tornar inviável toda a tentativa de salvá-la.”(op. citada, pág. 228).

Daí inafastável a conclusão: cláusulas que contrariem a lei devem ser, somente elas, tidas como nulas e, portanto, como não escritas. Jamais poderá ter-se como írrito todo o negócio jurídico, em obediência ao princípio da incontagiação da nulidade.

Na verdade, a descaracterização do contrato buscada pelo Réu tem como único fito vantagem de natureza processual, pois, como se pode ver, o mesmo Réu está de há muito em mora. Isto é, não deu execução ao contrato de arrendamento e muito menos ao que pretende que seja, o de compra e venda. Entretanto, quer que se lhe retorne a posse do bem arrendado.

Não se argumente com o artigo 11, da Resolução n.º 980/84, do Banco Central do Brasil, que, a bem da verdade, de forma prudente, descaracteriza o arrendamento apenas se a opção de compra for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.

Primeiro, porque inocorreu opção de compra, o que somente sucederia no término do contrato de arrendamento.

Cumpre ressaltar que o contrato ajustado entre Autora e Réu estabelece a constituição de uma provisão para fazer frente ao valor residual garantido, o que obviamente não se confunde com opção de compra. O referido contrato de arrendamento é claro quanto à oportunidade do exercício da opção de compra, inclusive dispondo sobre o acertamento final de saldo devedor, no caso de aquisição.

Em segundo lugar, mesmo que de tal provisionamento pudesse tirar-se a ilação que implicaria em opção de compra, o que se admite apenas para argumentar, não vingaria a tese do Réu. Com efeito, o fato de vir a disposição autonomamente, isto é, desvinculada de outra subordinante, diferentemente do que ocorre na relação do parágrafo primeiro do artigo 11 com o caput, da Lei 6.099/74, não empresta àquele dispositivo força obrigatória.

É que o Banco Central do Brasil não tem competência para criar ou modificar direitos via regulamentação de caráter meramente administrativo.

Somente lei federal (o direito a ser objeto de legislação é de competência exclusiva da União, pois versa sobre matéria civil e comercial) poderia dispor sobre extinção de certa forma de obrigação por conversão em outra de natureza diversa. À toda evidência, falece competência ao Banco Central do Brasil para regrar sobre a liberdade de contratar, que tem sua fonte nos direitos individuais constitucionalmente protegidos, onde se destaca o princípio da legalidade.

Ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer senão em virtude de lei, o sabem até os mais desprovidos de conhecimentos jurídicos. E lei, aqui, é no sentido estrito, isto é, na sua feitura devem ser observados os requisitos de validade, como aprovação, sanção, publicação, etc.

Registre-se, ainda no mesmo tema, que a função legislativa, ainda mais em se tratando de direitos constitucionalmente garantidos, é indelegável.

Ademais, a Lei n.º 6.099/74 não delegou, e nem o poderia fazer, poderes para o Banco Central do Brasil legislar sobre direito comercial e civil.

Veja-se que a delegação conferida se resume nos artigos 2º, parágrafo primeiro, 6º, 7º, 8º, 9º, parágrafo 2º, 10, 16 e 23, da Lei n.º 6.009/74, onde não se encontra nenhuma disposição permitindo que o Banco Central venha regrar sobre conversão de contratos, por eventual descumprimento de condições estabelecidas na citada lei e muito menos, obviamente, na própria Resolução 980/94.

Não se olvide a lição de Serpa Lopes, para quem, após afirmar que não possuem força de lei as circulares, avisos e decisões ministeriais, diz sabiamente que “A função do regulamento é eminentemente integrativa da lei, constituindo um desenvolvimento, uma especificação, complementação do pensamento legislativo. Assim, o regulamento só obriga tanto que não fira os princípios substanciais da lei a que está subordinado.” (op. citada, pág. 72, destaques da Autora).

Assim, totalmente inválida a disposição do artigo 11, da Resolução 980/84, por padecer de vício de origem.

Não fossem suficientes as razões acima expostas para afastar a tese da conversibilidade do contrato, é mais do que certo que inexiste qualquer ilegalidade ou ilicitude nas condições pactuadas para o arrendamento.

Entre os requisitos postos no artigo 5º não há qualquer um que proíba seja concertado o pagamento de uma provisão, para o caso de o arrendatário fazer a opção pela compra ao término do contrato.

Igualmente, não há proibição para que o “valor residual garantido” seja estabelecido quando do momento da contratação.

O mesmo se diz relativamente ao disposto no artigo 9º, letras e alíneas, da Resolução n.º 980/84, isto se pudesse tal Resolução criar direito novo.

Dentre as regulamentações legitimamente delegáveis e aquelas de legitimidade duvidosa ali postas, nenhuma proibição ao ajustamento do valor residual de garantia, quando da contratação, bem como ao pagamento desse mesmo valor residual diluído nos locativos, ao longo do prazo do contrato.

O princípio da liberdade contratual, calcada no da legalidade, garantido constitucionalmente, orienta no sentido de que as partes podem ajustar todas as cláusulas que lhes forem convenientes, tendo como único limite a proibição oriunda de prescrição legal. Esta é a lição de Darcy Bessone: “Sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem pública e pelos bons costumes. Assim, enquanto forem observados esses limites, podem as partes convencionar aquilo que lhes aprouver, o que, de resto, constitui um aspecto da liberdade individual, consubstanciada no princípio de que é permitido tudo que não é proibido. (op. citada, pág,. 32/33).

O acórdão, trazido à colação pela ementa, na defesa, envolve claramente questão fiscal trazida ao Judiciário. Por isso que o julgado considerou como ilegal a dedução dos benefícios fiscais, já que a operação realizada buscava burlar legislação tributária, e, assim, deveria ter tratamento fiscal de compra e venda a prestação.

Aliás, a questão, ao que parece, é de todo desinteressante para o Réu, já que tudo indica que nem mesmo ostenta a condição de pessoa jurídica, para se valer dos aludidos benefícios fiscais.

Por todas essas razões, não há como se admitir sequer irregularidades no contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Réu.”

De ver-se que algumas das questões suscitadas foram examinadas à luz da Resolução n.º 980/84, do Banco Central do Brasil, revogada pela de n.º 2.309/96, emanada daquela mesma instituição.

Entretanto, os argumentos alinhados não sofrem qualquer arranhão decorrente da nova regulamentação, no que pertine aos temas tratados nestes escritos.

Destaque-se a alínea “a”, do inciso VII, do artigo 7º, da citada Resolução, que permitiu o pagamento do valor residual garantido “a qualquer momento durante a vigência do contrato”, sem que isso venha a se caracterizar como “exercício da opção de compra”.

Embora, segundo o nosso entendimento, tanto a resolução revogada como a nova não tenham validade enquanto pretendam definir institutos de Direito Comercial, pode a referida alínea “a”, do inciso VII, da Resolução n.º 2.309/96, ser alinhada como parâmetro interpretativo.

Com efeito, como sustentado na impugnação, nenhuma razão de direito existe para que se tenha o pagamento do valor residual garantido ao longo da vigência do contrato como “exercício da opção de compra”.

O artigo 10, da Resolução n.º 2.309/96 praticamente repete o artigo 11, da Resolução revogada. No que interessa ao tema, o novo dispositivo continua falando de “operação” de arrendamento mercantil, o que reforça o entendimento de que trata de matéria exclusivamente fiscal.

O artigo 33, da nova Resolução, de forma mais radical que o seu correspondente (artigo 41, da Resolução revogada), dita que “As operações que se realizarem em desacordo com as disposições deste Regulamento não se caracterizam como de arrendamento mercantil.” Como o dispositivo revogado, não esclarece qual negócio jurídico estaria então caracterizado.

No curso dos estudos para a feitura da impugnação, foi realizada pesquisa jurisprudencial, tendo sido encontrados alguns acórdãos acolhendo a tese do réu. Transcrevem-se a seguir, dois deles, os mais representativos, pelas sua ementas, com dois breves comentários.

“Arrendamento Mercantil - Ação de Reintegração de Posse - Liminar - A retirada da opção de compra do contrato, substituindo-a pelo pagamento do resíduo antecipadamente junto com as contraprestações, descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, tornando-o uma compra e venda a prestação ou mútuo. A opção de compra é requisito do contrato, conforme letra “c”, do artigo da Lei 6.099/74. Deixando de ser arrendamento mercantil deixa de existir contrato de depósito entre as partes. Não havendo esbulho possessório não pode haver reintegração de posse. Decisão atacada desconstituída. Agravo Provido”. (T.A. do Rio Grande do Sul, GI n.º 196148571, 3a. Câmara Cível, Rel. Gaspar Marques Batista)

“Reintegratória de Posse - Arrendamento Mercantil - Desconfiguração - A cobrança antecipada do VRB configura opção de compra, descaracterizando o contrato, que passa a ser de compra e venda a prazo. Inviável, nessas condições, a reintegratória de posse, por ausentes os requisitos do CPC - 927. Apelo improvido.” (T.A. do Rio Grande do Sul, Ap.C. n.º 197145105, 4a. Câmara Cível, Rel. Ulderico Ceccato, 02.10.97).

Estas decisões, data venia, partiram de premissa que não tem arrimo legal nem jurídico. Como já dito anteriormente, inexiste qualquer impedimento para que o arrendatário constitua uma provisão para aquisição futura do bem, com regular acerto de contas ao final e o pleno e livre exercício do direito de opção pelo mesmo arrendatário.

Equivoca-se ainda o primeiro decisum, pedindo novamente vênia pela discordância, quando afirma que, no caso, “deixa de existir contrato de depósito entre as partes”. No arrendamento, embora contrato complexo, não há o de depósito; a posse direta do arrendatário é decorrência do arrendamento mesmo.

Existem, a bem da verdade, em número menor, acórdãos que seguem o entendimento desses escritos, sustentando a nulidade das cláusulas acaso infringentes da lei ou então a natureza fiscal do dispositivo que fala em transmutação do contrato de arrendamento no de compra e venda a prestação. (APC n.º 197071814PC, TARGS, 9a. Câmara Cível, Rel. Maria Isabel de Azevedo Souza, APC n.º 196234116, TARGS, 1a. C. Cível, Rel. Maria Isabel Broggini)

Em resumo, a impugnação produzida, como se pode ver da transcrição acima, baseou a tese da inconversibilidade do contrato de arrendamento em quatro pilares: a) a natureza fiscal da regra do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, sem alcance no campo do Direito Civil; b) a incontagiação do negócio jurídico por eventual cláusula contrária à legislação que regulamenta o arrendamento mercantil, admitindo prevalecimento de entendimento contrário ao da letra “a”; c) na pressuposição de inacolhimento das teses postas nas letras “a” e “b”, a impossibilidade jurídica de ocorrer a conversão do contrato, antes do término do prazo de sua vigência e da quitação do preço total contratado; e d) invalidade de dispositivo regulamentar (Resolução do Banco Central), por vício de origem.

Procuramos acrescentar mais fundamentos às teses postas nos julgados que entenderam pela licitude e incolumidade dos contratos de arrendamento, acreditando que tais temas ainda não foram suficientemente explorados, fato que nos animou a fazer publicar os presentes escritos, trazendo os referidos temas à reflexão dos que se interessarem pelo assunto.

Com certeza, o desate da questão, pela sentença de primeiro grau, fornecerá preciosos subsídios para a continuação dos estudos sobre o tema.

Leasing - Transmutação em Contrato de Compra e Venda.

Raul Moreira Pinto

Juiz aposentado do T.R.T. 3a. Reg.

Pedro Junqueira Bernardes

Advogado





Cuidam esses escritos de peça processual produzida em ação reintegratória, onde o réu, em defesa, buscou, a título de mérito, mas com essência de preliminar, o decreto judicial da inadequação da via eleita. Vale dizer, pretendeu verdadeiramente a extinção do processo, sem julgamento do mérito, por falta de condições da ação.

Para melhor entendimento, passa-se a fazer um breve relatório do ocorrido no processado.:

O réu celebrou com a autora contrato de leasing, sendo que, a partir de determinado momento, suspendeu, sem causa legal, o pagamento das prestações mensais.

A autora, em função da mora do réu, ajuizou ação reintegratória de posse, sendo reintegrada liminarmente no bem arrendado.

O réu, em defesa, alegou, entre outras questões que não pertinem ao presente trabalho, que o contrato de arrendamento se transmudara em de compra e venda, pelo fato de ter pago, junto às prestações mensais, parcelas relativas ao “valor residual garantido”.

Segundo sua tese, se há pagamento do referido “valor residual garantido” antes do término do contrato de arrendamento, este se converte em contrato de compra e venda, já que a quitação daquele valor implicaria em exercício da opção de compra antes do término do prazo do contrato de arrendamento, o que é vedado em lei.

Para sustentar o seu entendimento, trouxe o réu à colação acórdão, pela ementa, de teor seguinte:

“ARRENDAMENTO MERCANTIL - Leasing - Contrato - Valor residual ínfimo - Compra e venda a prestação disfarçada - Custo ou despesa operacional - Glosa - Não se pode pretender que uma operação real de compra e venda a prazo se beneficie de disposições ditadas especificamente para o arrendamento mercantil ainda que aquela operação preencha formalmente os requisitos contratuais estabelecidos para esta última.

Se se trata de compra e venda, as parcelas pagas não podem ser consideradas como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica adquirente do bem, porque, na verdade, de arrendamento mercantil não se cuida. Não se pode admitir que uma lei persiga um objetivo ilícito, desonesto, iníquo. Desse modo, a sua interpretação deve ter natureza teleológica (finalística), fundada na consistência axiológica(valorizativa) do Direito ( MIGUEL REALE0)Votos vencidos ( TRF 1a. Reg. Emb. Infr. em Ap. Civ. n.º 29261 - Rel. Juiz Eustáquio Silveira - J. 30.05.95 - DJU 26.06.95).

Os dispositivos legais sobre os quais se discutiram as questões são os seguintes:

Lei n.º 6.099/74

“Artigo 5º - Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições:

a) prazo do contrato;

b) valor de cada contraprestação por períodos determinados não superiores a um semestre (prazo posteriormente aumentado);

c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário:

d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta causa;

Parágrafo único - ‘......’ omisssis

“...............”

Artigo 11 - Serão considerados como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamento mercantil.

Parágrafo primeiro - a aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta lei será considerada operação de compra e venda a prestação.

Parágrafo segundo - ‘....’ omissis

Parágrafo terceiro - ‘...’ omissis

Parágrafo quarto - ‘....’ omissis”

Resolução (BCB) n.º 980/84

“Artigo 11 - A operação será considerada como de compra e venda a prestação se a opção de compra for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.”

Na impugnação à contestação, na parte que interessa ao presente, a Autora deduziu as seguintes razões, que são essência do presente trabalho:

“Não há de vingar a tese da defesa, relativamente à descaracterização do contrato de leasing, pelas razões jurídicas e fáticas que se seguem.

O parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, utiliza-se do termo “aquisição”. O parágrafo segundo do mesmo artigo dispõe que o preço da compra será o total das contraprestações pagas durante a vigência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição.

Disso se conclui que a aquisição do bem arrendado necessariamente se dá no fim do prazo de arrendamento, com o exercício da opção de compra. Deflui-se, ainda, que, se o preço da aquisição, definido no parágrafo único do artigo 15, da mesma Lei 6.099/74, não for integralmente pago, o que ocorrerá no término de vigência do contrato, não haverá se falar em conversão do arrendamento em compra e venda por infringência a dispositivos outros da mesma Lei n.º 6.099/74.

Na verdade, o contrato de arrendamento mercantil é complexo, nele coexistindo basicamente dois contratos, um de arrendamento propriamente dito e outro de promessa unilateral de venda.

Marcos Bernardes de Mello cita, expressamente, como exemplos típicos de negócio jurídico complexo, o de arrendamento, o de franquia, o de transporte, com fornecimento de hospedagem e alimentação e contrato de empreitada com fornecimento de material. (Teoria do Fato Jurídico - Plano de Validade, Saraiva, 1.995, pag. 62).

E é complexo, pois nele existem concomitantemente dois contratos, de arrendamento propriamente dito e de promessa unilateral de venda. Eventualmente, pode haver até um terceiro, de mandato.

Ao arrendar um bem o arrendador (termo utilizado pelo legislador) transfere a posse direta para o arrendatário, por determinado prazo, recebendo uma remuneração.

Por força até mesmo da natureza desse arrendamento, há cláusula resolutiva. No caso dos autos, é expressa.

Vicente Ráo, valendo-se de disposição do Código Civil Alemão, ensina que “Resolutiva é a condição cujo implemento faz cessar os efeitos do ato jurídico: ‘quando um ato jurídico é praticado sob condição resolutiva, sua eficácia cessa no momento em que esta condição se realiza, momento a partir do qual o estado anterior de direito se restabelece.” (Ato Jurídico, Revista dos Tribunais, 1.997, pag. 257).

Já na promessa unilateral de venda, tem-se uma condição suspensiva, que, segundo ensinamento do mesmo autor, “subordina o início da eficácia do ato jurídico à verificação ou não-verificação de um evento futuro e incerto”. (op. citada, mesma página)

Isto é, na condição resolutiva, enquanto essa não se realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito estabelecido. E “subordina-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva e, enquanto esta não se verificar, não terá adquirido o direito a que ele visa” nas excelentes definições dos artigos 125 e 127, do Projeto do Código brasileiro.

Feitas essas digressões doutrinárias, passemos a examinar o caso concreto à luz delas.

No primeiro negócio jurídico, o arrendamento stricto sensu, que poderíamos chamar de principal, o arrendatário entra na posse direta do bem arrendado, exercendo o direito de usá-lo desde a conclusão do mesmo negócio jurídico e vigorando enquanto não se realize condição resolutiva. (a condição resolutiva invocada pela Autora é o inadimplemento do contrato, por falta de pagamento das prestações por parte do arrendatário).

Explicitando, enquanto o arrendatário estiver pagando as prestações, pode legitimamente exercer todos os direitos inerentes ao arrendamento.

No segundo negócio jurídico, promessa unilateral de venda, há uma condição suspensiva, qual seja, a opção para a compra do bem e a aquisição que se darão no término da vigência do primeiro negócio jurídico.

Ora, a cláusula suspensiva da promessa unilateral de compra somente será acionada para aquisição do direito (de opção de compra e conseqüente efetivação desta) se necessariamente não for acionada a cláusula resolutiva (inadimplemento da obrigação de pagar).

Vale dizer, somente poderá falar-se em compra e venda se o arrendatário pagar toda e pontualmente a dívida, nesse último caso se o credor-arrendador não admitir alguma mora, ao término do contrato de arrendamento.

E isto é mais do que óbvio: se acionada a condição resolutiva, jamais adquirirá o arrendatário o direito de opção e compra, pela singelíssima razão de não se ter verificado a condição suspensiva, que é exatamente o pagamento total do preço. Nas palavras do Projeto do Código, “não terá adquirido o direito” prometido de venda.

Repetindo-se, pedindo vênia pela insistência: se o preço não foi pago integralmente e por isso foi denunciado o contrato, não se pode nem mesmo imaginar a transmutação do contrato de leasing em compra e venda. Aliás, nem mesmo se pode falar em compra e venda do bem arrendado, já que, segundo a lei que trata da matéria, aquela se concretiza com o pagamento de todo o preço. Assim, inaplicável o disposto no parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74.

Na verdade, a intenção do legislador, ao dispor sobre considerar a aquisição do bem arrendado como compra e venda, é clara: coibir fraude fiscal, caracterizada pela utilização de benefícios fiscais dados ao arrendatário, quando verdadeiramente a operação é de compra e venda travestida de leasing, agindo o arrendatário com arrière-pensée.

Sem dúvida que a Lei n.º 6.099/74 é de natureza tributária. Como bem reza a sua ementa, cuida o diploma de tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil. Assim, quando dita o artigo 11, pelo parágrafo primeiro, que a aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições da mesma lei será considerada operação de compra e venda a prestação, quer a regra dizer que operação terá o tratamento tributário da compra e venda.

E isto tem razão de ser, pois, como afirmado, bem poderia alguma operação titulada de arrendamento encobrir verdadeira compra e venda, com o objetivo de lesar o fisco, já que o arrendatário goza de favores fiscais que não tem naquele primeiro tipo de contrato.

Mas isso sequer é cogitado nos presentes autos. Fora de dúvida que as partes buscaram celebrar contrato de arrendamento mercantil, não outro, e nos “dissídios que acaso se formem, a missão do juiz terá de se circunscrever à apuração da vontade dos contratantes, em um processo de pura reconstituição.” (Darcy Bessone, op. citada, pag. 33/34 - destaque da Autora). E se dúvida pudesse haver, em melhor situação não ficaria o Réu, pois a lei lhe proíbe alegar simulação.

A ratio do dispositivo não é a de transmudar a natureza do contrato de arrendamento, para tê-lo como mero contrato de compra e venda, com todas as conseqüências de natureza civil.

Veja-se que o referido parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, se refere, e não poderia ser diferente, ao caput. É certo que o parágrafo excepciona a regra do artigo ao qual se subordina, ou explicita-o. No ensinamento de Vicente Ráo, “Comumente, o conteúdo do parágrafo deve ligar-se e sujeitar-se à prescrição contida na disposição principal como o particular ao geral.” (O Direito e a Vida dos Direitos, Revista dos Tribunais, 3a. edição, vol. I, pag. 250, destaque nosso).

Ora, se o artigo 11, da multicitada Lei n.º 6.099/74, trata exclusivamente de Direito Fiscal, o seu parágrafo não pode lançar efeitos além da prescrição naquele contida. Vale dizer, não tem força para modificar natureza jurídica de instituto de outro ramo do Direito.

Repetindo, o que o legislador quis dizer, e não mais do que isso, é que o benefício fiscal do arrendatário, consistente em considerar como custo ou despesa operacional as contraprestações pagas, não será admitido se a aquisição dos bens arrendados se fizer em desacordo com as disposições da referida lei, sendo a operação, evidentemente para efeitos fiscais, tida como compra e venda, operação esta que leva tratamento diferenciado e menos benéfico para o contribuinte arrendatário.

Jamais preconizou a conversão de um contrato híbrido, como o é o de arrendamento (locação, promessa unilateral de venda e, às vezes, mandato - conf. Fran Martins, Contratos e Obrigações Comerciais, Forense, 14a. ed., pág. 459) no de compra e venda simples e pura, matéria que é completamente estranha ao Direito Fiscal. De observar-se que o legislador se utilizou da expressão “será considerada operação de compra e venda” e não do termo “conversão”, tecnicamente correto para a hipótese sustentada na defesa.

Segundo ensina Orlando Gomes, “Um contrato nulo pode produzir os efeitos de um contrato diverso. A esse fenômeno chama-se conversão. Para o mesmo autor, para que ocorra a conversão “é preciso: que o contrato nulo contenha os requisitos substanciais e formais de outro; b) que as partes quereriam o outro contrato, se tivessem tido conhecimento da nulidade.” (Contratos, Forense, 12a. edição, pág. 217 - destaques da Autora)

No caso sub examine, de fácil percepção que as partes contratantes jamais pretenderam celebrar contrato de compra e venda.

Mesmo que pudesse colocar em questão os termos claríssimos do contrato, viria em socorro da Autora o disposto no artigo 85, do C.C.B., onde se regra que na interpretação das declarações de vontade há de prevalecer, sempre, intenção daquele que as fez.

É certo ainda que a Autora não tem como atividade a compra e venda de veículos ou de quaisquer outros bens, sendo inimaginável que tivesse querido, via contrato de arrendamento mercantil, realizar uma compra e venda.

Não fora isso, é de boa doutrina pressupor-se que o legislador, sempre e necessariamente, se utilize de termos técnico-jurídicos de forma correta. Se o parágrafo primeiro do artigo 11, da Lei 6.099/74, cuidasse do mencionado instituto, teria utilizado o termo “conversão”, não o termo “considerado”.

E é bom ter em mente a observação de Henry de Page, no sentido que “Nous croyons, au surplus, qu’il est particulièrement souhaitable d’eviter des confusions de mots, parce qu’elles entrainent toujours des confusions de choses. C’est en ce sens qu’il est toujours vrai de dire que la science n’est qu’une langue bien faite.” (apud Darcy Bessone, Do Contrato - Teoria Geral, Forense, ed. 1987, pág,. 314).

Mesmo que se admitisse, absurdamente, que a malsinada disposição do parágrafo primeiro, do artigo 11, lança efeitos fora do Direito Fiscal e tenha realmente querido dizer “conversão”, a solução mais equânime pela não observância de alguma das condições postas no artigo 5º, da citada lei, seria a decretação de ineficácia da cláusula infringente, subordinando-a à prescrição legal. Caso típico de aplicação do princípio heteronômico, pelo qual o Estado-legislador estabelece preceitos, que são verdadeiramente cláusulas contratuais obrigatórias.

No caso do arrendamento, por ser negócio jurídico complexo, admite aquele a separabilidade dos atos.

Ensina Marcos Bernardes de Mello que, “Quando se trata de negócios jurídicos complexos, tem-se que a separabilidade é possível, conforme o caso, desde que preservada a integridade do ato jurídico e de sua finalidade, esta conforme a intenção dos figurantes.” (op citada, pág,. 64, destaque da Autora).

Ora, se as partes indubitavelmente procuraram acertar um contrato de arrendamento e sendo este negócio complexo, perfeitamente possível a separabilidade de cláusulas eventualmente ilícitas. O mesmo Marcos Bernardes de Mello cita, como exemplo, o testamento, onde geralmente as cláusulas são separáveis, pelo que a nulidade “pode restringir-se a esta, sem afetar o todo”. (id.ib., pág,. 64/65)

Nesse mesmo sentido, leciona Serpa Lopes, explicitando que devem ser afastadas “aquelas cláusulas consignadas em contrário ao regime legal, preestabelecido.” (Curso de Direito Civil, Freitas Bastos, vol.iii, 4a. edição, pág. 97). Ou na lição de Darcy Bessone, “A vontade das partes não deve ser sacrificada senão no caso de se tornar inviável toda a tentativa de salvá-la.”(op. citada, pág. 228).

Daí inafastável a conclusão: cláusulas que contrariem a lei devem ser, somente elas, tidas como nulas e, portanto, como não escritas. Jamais poderá ter-se como írrito todo o negócio jurídico, em obediência ao princípio da incontagiação da nulidade.

Na verdade, a descaracterização do contrato buscada pelo Réu tem como único fito vantagem de natureza processual, pois, como se pode ver, o mesmo Réu está de há muito em mora. Isto é, não deu execução ao contrato de arrendamento e muito menos ao que pretende que seja, o de compra e venda. Entretanto, quer que se lhe retorne a posse do bem arrendado.

Não se argumente com o artigo 11, da Resolução n.º 980/84, do Banco Central do Brasil, que, a bem da verdade, de forma prudente, descaracteriza o arrendamento apenas se a opção de compra for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.

Primeiro, porque inocorreu opção de compra, o que somente sucederia no término do contrato de arrendamento.

Cumpre ressaltar que o contrato ajustado entre Autora e Réu estabelece a constituição de uma provisão para fazer frente ao valor residual garantido, o que obviamente não se confunde com opção de compra. O referido contrato de arrendamento é claro quanto à oportunidade do exercício da opção de compra, inclusive dispondo sobre o acertamento final de saldo devedor, no caso de aquisição.

Em segundo lugar, mesmo que de tal provisionamento pudesse tirar-se a ilação que implicaria em opção de compra, o que se admite apenas para argumentar, não vingaria a tese do Réu. Com efeito, o fato de vir a disposição autonomamente, isto é, desvinculada de outra subordinante, diferentemente do que ocorre na relação do parágrafo primeiro do artigo 11 com o caput, da Lei 6.099/74, não empresta àquele dispositivo força obrigatória.

É que o Banco Central do Brasil não tem competência para criar ou modificar direitos via regulamentação de caráter meramente administrativo.

Somente lei federal (o direito a ser objeto de legislação é de competência exclusiva da União, pois versa sobre matéria civil e comercial) poderia dispor sobre extinção de certa forma de obrigação por conversão em outra de natureza diversa. À toda evidência, falece competência ao Banco Central do Brasil para regrar sobre a liberdade de contratar, que tem sua fonte nos direitos individuais constitucionalmente protegidos, onde se destaca o princípio da legalidade.

Ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer senão em virtude de lei, o sabem até os mais desprovidos de conhecimentos jurídicos. E lei, aqui, é no sentido estrito, isto é, na sua feitura devem ser observados os requisitos de validade, como aprovação, sanção, publicação, etc.

Registre-se, ainda no mesmo tema, que a função legislativa, ainda mais em se tratando de direitos constitucionalmente garantidos, é indelegável.

Ademais, a Lei n.º 6.099/74 não delegou, e nem o poderia fazer, poderes para o Banco Central do Brasil legislar sobre direito comercial e civil.

Veja-se que a delegação conferida se resume nos artigos 2º, parágrafo primeiro, 6º, 7º, 8º, 9º, parágrafo 2º, 10, 16 e 23, da Lei n.º 6.009/74, onde não se encontra nenhuma disposição permitindo que o Banco Central venha regrar sobre conversão de contratos, por eventual descumprimento de condições estabelecidas na citada lei e muito menos, obviamente, na própria Resolução 980/94.

Não se olvide a lição de Serpa Lopes, para quem, após afirmar que não possuem força de lei as circulares, avisos e decisões ministeriais, diz sabiamente que “A função do regulamento é eminentemente integrativa da lei, constituindo um desenvolvimento, uma especificação, complementação do pensamento legislativo. Assim, o regulamento só obriga tanto que não fira os princípios substanciais da lei a que está subordinado.” (op. citada, pág. 72, destaques da Autora).

Assim, totalmente inválida a disposição do artigo 11, da Resolução 980/84, por padecer de vício de origem.

Não fossem suficientes as razões acima expostas para afastar a tese da conversibilidade do contrato, é mais do que certo que inexiste qualquer ilegalidade ou ilicitude nas condições pactuadas para o arrendamento.

Entre os requisitos postos no artigo 5º não há qualquer um que proíba seja concertado o pagamento de uma provisão, para o caso de o arrendatário fazer a opção pela compra ao término do contrato.

Igualmente, não há proibição para que o “valor residual garantido” seja estabelecido quando do momento da contratação.

O mesmo se diz relativamente ao disposto no artigo 9º, letras e alíneas, da Resolução n.º 980/84, isto se pudesse tal Resolução criar direito novo.

Dentre as regulamentações legitimamente delegáveis e aquelas de legitimidade duvidosa ali postas, nenhuma proibição ao ajustamento do valor residual de garantia, quando da contratação, bem como ao pagamento desse mesmo valor residual diluído nos locativos, ao longo do prazo do contrato.

O princípio da liberdade contratual, calcada no da legalidade, garantido constitucionalmente, orienta no sentido de que as partes podem ajustar todas as cláusulas que lhes forem convenientes, tendo como único limite a proibição oriunda de prescrição legal. Esta é a lição de Darcy Bessone: “Sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem pública e pelos bons costumes. Assim, enquanto forem observados esses limites, podem as partes convencionar aquilo que lhes aprouver, o que, de resto, constitui um aspecto da liberdade individual, consubstanciada no princípio de que é permitido tudo que não é proibido. (op. citada, pág,. 32/33).

O acórdão, trazido à colação pela ementa, na defesa, envolve claramente questão fiscal trazida ao Judiciário. Por isso que o julgado considerou como ilegal a dedução dos benefícios fiscais, já que a operação realizada buscava burlar legislação tributária, e, assim, deveria ter tratamento fiscal de compra e venda a prestação.

Aliás, a questão, ao que parece, é de todo desinteressante para o Réu, já que tudo indica que nem mesmo ostenta a condição de pessoa jurídica, para se valer dos aludidos benefícios fiscais.

Por todas essas razões, não há como se admitir sequer irregularidades no contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Réu.”

De ver-se que algumas das questões suscitadas foram examinadas à luz da Resolução n.º 980/84, do Banco Central do Brasil, revogada pela de n.º 2.309/96, emanada daquela mesma instituição.

Entretanto, os argumentos alinhados não sofrem qualquer arranhão decorrente da nova regulamentação, no que pertine aos temas tratados nestes escritos.

Destaque-se a alínea “a”, do inciso VII, do artigo 7º, da citada Resolução, que permitiu o pagamento do valor residual garantido “a qualquer momento durante a vigência do contrato”, sem que isso venha a se caracterizar como “exercício da opção de compra”.

Embora, segundo o nosso entendimento, tanto a resolução revogada como a nova não tenham validade enquanto pretendam definir institutos de Direito Comercial, pode a referida alínea “a”, do inciso VII, da Resolução n.º 2.309/96, ser alinhada como parâmetro interpretativo.

Com efeito, como sustentado na impugnação, nenhuma razão de direito existe para que se tenha o pagamento do valor residual garantido ao longo da vigência do contrato como “exercício da opção de compra”.

O artigo 10, da Resolução n.º 2.309/96 praticamente repete o artigo 11, da Resolução revogada. No que interessa ao tema, o novo dispositivo continua falando de “operação” de arrendamento mercantil, o que reforça o entendimento de que trata de matéria exclusivamente fiscal.

O artigo 33, da nova Resolução, de forma mais radical que o seu correspondente (artigo 41, da Resolução revogada), dita que “As operações que se realizarem em desacordo com as disposições deste Regulamento não se caracterizam como de arrendamento mercantil.” Como o dispositivo revogado, não esclarece qual negócio jurídico estaria então caracterizado.

No curso dos estudos para a feitura da impugnação, foi realizada pesquisa jurisprudencial, tendo sido encontrados alguns acórdãos acolhendo a tese do réu. Transcrevem-se a seguir, dois deles, os mais representativos, pelas sua ementas, com dois breves comentários.

“Arrendamento Mercantil - Ação de Reintegração de Posse - Liminar - A retirada da opção de compra do contrato, substituindo-a pelo pagamento do resíduo antecipadamente junto com as contraprestações, descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, tornando-o uma compra e venda a prestação ou mútuo. A opção de compra é requisito do contrato, conforme letra “c”, do artigo da Lei 6.099/74. Deixando de ser arrendamento mercantil deixa de existir contrato de depósito entre as partes. Não havendo esbulho possessório não pode haver reintegração de posse. Decisão atacada desconstituída. Agravo Provido”. (T.A. do Rio Grande do Sul, GI n.º 196148571, 3a. Câmara Cível, Rel. Gaspar Marques Batista)

“Reintegratória de Posse - Arrendamento Mercantil - Desconfiguração - A cobrança antecipada do VRB configura opção de compra, descaracterizando o contrato, que passa a ser de compra e venda a prazo. Inviável, nessas condições, a reintegratória de posse, por ausentes os requisitos do CPC - 927. Apelo improvido.” (T.A. do Rio Grande do Sul, Ap.C. n.º 197145105, 4a. Câmara Cível, Rel. Ulderico Ceccato, 02.10.97).

Estas decisões, data venia, partiram de premissa que não tem arrimo legal nem jurídico. Como já dito anteriormente, inexiste qualquer impedimento para que o arrendatário constitua uma provisão para aquisição futura do bem, com regular acerto de contas ao final e o pleno e livre exercício do direito de opção pelo mesmo arrendatário.

Equivoca-se ainda o primeiro decisum, pedindo novamente vênia pela discordância, quando afirma que, no caso, “deixa de existir contrato de depósito entre as partes”. No arrendamento, embora contrato complexo, não há o de depósito; a posse direta do arrendatário é decorrência do arrendamento mesmo.

Existem, a bem da verdade, em número menor, acórdãos que seguem o entendimento desses escritos, sustentando a nulidade das cláusulas acaso infringentes da lei ou então a natureza fiscal do dispositivo que fala em transmutação do contrato de arrendamento no de compra e venda a prestação. (APC n.º 197071814PC, TARGS, 9a. Câmara Cível, Rel. Maria Isabel de Azevedo Souza, APC n.º 196234116, TARGS, 1a. C. Cível, Rel. Maria Isabel Broggini)

Em resumo, a impugnação produzida, como se pode ver da transcrição acima, baseou a tese da inconversibilidade do contrato de arrendamento em quatro pilares: a) a natureza fiscal da regra do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, sem alcance no campo do Direito Civil; b) a incontagiação do negócio jurídico por eventual cláusula contrária à legislação que regulamenta o arrendamento mercantil, admitindo prevalecimento de entendimento contrário ao da letra “a”; c) na pressuposição de inacolhimento das teses postas nas letras “a” e “b”, a impossibilidade jurídica de ocorrer a conversão do contrato, antes do término do prazo de sua vigência e da quitação do preço total contratado; e d) invalidade de dispositivo regulamentar (Resolução do Banco Central), por vício de origem.

Procuramos acrescentar mais fundamentos às teses postas nos julgados que entenderam pela licitude e incolumidade dos contratos de arrendamento, acreditando que tais temas ainda não foram suficientemente explorados, fato que nos animou a fazer publicar os presentes escritos, trazendo os referidos temas à reflexão dos que se interessarem pelo assunto.

Com certeza, o desate da questão, pela sentença de primeiro grau, fornecerá preciosos subsídios para a continuação dos estudos sobre o tema.




























Leasing - Transmutação em Contrato de Compra e Venda.



Raul Moreira Pinto

Juiz aposentado do T.R.T. 3a. Reg.

Pedro Junqueira Bernardes

Advogado





Cuidam esses escritos de peça processual produzida em ação reintegratória, onde o réu, em defesa, buscou, a título de mérito, mas com essência de preliminar, o decreto judicial da inadequação da via eleita. Vale dizer, pretendeu verdadeiramente a extinção do processo, sem julgamento do mérito, por falta de condições da ação.

Para melhor entendimento, passa-se a fazer um breve relatório do ocorrido no processado.:

O réu celebrou com a autora contrato de leasing, sendo que, a partir de determinado momento, suspendeu, sem causa legal, o pagamento das prestações mensais.

A autora, em função da mora do réu, ajuizou ação reintegratória de posse, sendo reintegrada liminarmente no bem arrendado.

O réu, em defesa, alegou, entre outras questões que não pertinem ao presente trabalho, que o contrato de arrendamento se transmudara em de compra e venda, pelo fato de ter pago, junto às prestações mensais, parcelas relativas ao “valor residual garantido”.

Segundo sua tese, se há pagamento do referido “valor residual garantido” antes do término do contrato de arrendamento, este se converte em contrato de compra e venda, já que a quitação daquele valor implicaria em exercício da opção de compra antes do término do prazo do contrato de arrendamento, o que é vedado em lei.

Para sustentar o seu entendimento, trouxe o réu à colação acórdão, pela ementa, de teor seguinte:

“ARRENDAMENTO MERCANTIL - Leasing - Contrato - Valor residual ínfimo - Compra e venda a prestação disfarçada - Custo ou despesa operacional - Glosa - Não se pode pretender que uma operação real de compra e venda a prazo se beneficie de disposições ditadas especificamente para o arrendamento mercantil ainda que aquela operação preencha formalmente os requisitos contratuais estabelecidos para esta última.

Se se trata de compra e venda, as parcelas pagas não podem ser consideradas como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica adquirente do bem, porque, na verdade, de arrendamento mercantil não se cuida. Não se pode admitir que uma lei persiga um objetivo ilícito, desonesto, iníquo. Desse modo, a sua interpretação deve ter natureza teleológica (finalística), fundada na consistência axiológica(valorizativa) do Direito ( MIGUEL REALE0)Votos vencidos ( TRF 1a. Reg. Emb. Infr. em Ap. Civ. n.º 29261 - Rel. Juiz Eustáquio Silveira - J. 30.05.95 - DJU 26.06.95).

Os dispositivos legais sobre os quais se discutiram as questões são os seguintes:

Lei n.º 6.099/74

“Artigo 5º - Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições:

a) prazo do contrato;

b) valor de cada contraprestação por períodos determinados não superiores a um semestre (prazo posteriormente aumentado);

c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário:

d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta causa;

Parágrafo único - ‘......’ omisssis

“...............”

Artigo 11 - Serão considerados como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamento mercantil.

Parágrafo primeiro - a aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta lei será considerada operação de compra e venda a prestação.

Parágrafo segundo - ‘....’ omissis

Parágrafo terceiro - ‘...’ omissis

Parágrafo quarto - ‘....’ omissis”

Resolução (BCB) n.º 980/84

“Artigo 11 - A operação será considerada como de compra e venda a prestação se a opção de compra for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.”

Na impugnação à contestação, na parte que interessa ao presente, a Autora deduziu as seguintes razões, que são essência do presente trabalho:

“Não há de vingar a tese da defesa, relativamente à descaracterização do contrato de leasing, pelas razões jurídicas e fáticas que se seguem.

O parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, utiliza-se do termo “aquisição”. O parágrafo segundo do mesmo artigo dispõe que o preço da compra será o total das contraprestações pagas durante a vigência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição.

Disso se conclui que a aquisição do bem arrendado necessariamente se dá no fim do prazo de arrendamento, com o exercício da opção de compra. Deflui-se, ainda, que, se o preço da aquisição, definido no parágrafo único do artigo 15, da mesma Lei 6.099/74, não for integralmente pago, o que ocorrerá no término de vigência do contrato, não haverá se falar em conversão do arrendamento em compra e venda por infringência a dispositivos outros da mesma Lei n.º 6.099/74.

Na verdade, o contrato de arrendamento mercantil é complexo, nele coexistindo basicamente dois contratos, um de arrendamento propriamente dito e outro de promessa unilateral de venda.

Marcos Bernardes de Mello cita, expressamente, como exemplos típicos de negócio jurídico complexo, o de arrendamento, o de franquia, o de transporte, com fornecimento de hospedagem e alimentação e contrato de empreitada com fornecimento de material. (Teoria do Fato Jurídico - Plano de Validade, Saraiva, 1.995, pag. 62).

E é complexo, pois nele existem concomitantemente dois contratos, de arrendamento propriamente dito e de promessa unilateral de venda. Eventualmente, pode haver até um terceiro, de mandato.

Ao arrendar um bem o arrendador (termo utilizado pelo legislador) transfere a posse direta para o arrendatário, por determinado prazo, recebendo uma remuneração.

Por força até mesmo da natureza desse arrendamento, há cláusula resolutiva. No caso dos autos, é expressa.

Vicente Ráo, valendo-se de disposição do Código Civil Alemão, ensina que “Resolutiva é a condição cujo implemento faz cessar os efeitos do ato jurídico: ‘quando um ato jurídico é praticado sob condição resolutiva, sua eficácia cessa no momento em que esta condição se realiza, momento a partir do qual o estado anterior de direito se restabelece.” (Ato Jurídico, Revista dos Tribunais, 1.997, pag. 257).

Já na promessa unilateral de venda, tem-se uma condição suspensiva, que, segundo ensinamento do mesmo autor, “subordina o início da eficácia do ato jurídico à verificação ou não-verificação de um evento futuro e incerto”. (op. citada, mesma página)

Isto é, na condição resolutiva, enquanto essa não se realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito estabelecido. E “subordina-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva e, enquanto esta não se verificar, não terá adquirido o direito a que ele visa” nas excelentes definições dos artigos 125 e 127, do Projeto do Código brasileiro.

Feitas essas digressões doutrinárias, passemos a examinar o caso concreto à luz delas.

No primeiro negócio jurídico, o arrendamento stricto sensu, que poderíamos chamar de principal, o arrendatário entra na posse direta do bem arrendado, exercendo o direito de usá-lo desde a conclusão do mesmo negócio jurídico e vigorando enquanto não se realize condição resolutiva. (a condição resolutiva invocada pela Autora é o inadimplemento do contrato, por falta de pagamento das prestações por parte do arrendatário).

Explicitando, enquanto o arrendatário estiver pagando as prestações, pode legitimamente exercer todos os direitos inerentes ao arrendamento.

No segundo negócio jurídico, promessa unilateral de venda, há uma condição suspensiva, qual seja, a opção para a compra do bem e a aquisição que se darão no término da vigência do primeiro negócio jurídico.

Ora, a cláusula suspensiva da promessa unilateral de compra somente será acionada para aquisição do direito (de opção de compra e conseqüente efetivação desta) se necessariamente não for acionada a cláusula resolutiva (inadimplemento da obrigação de pagar).

Vale dizer, somente poderá falar-se em compra e venda se o arrendatário pagar toda e pontualmente a dívida, nesse último caso se o credor-arrendador não admitir alguma mora, ao término do contrato de arrendamento.

E isto é mais do que óbvio: se acionada a condição resolutiva, jamais adquirirá o arrendatário o direito de opção e compra, pela singelíssima razão de não se ter verificado a condição suspensiva, que é exatamente o pagamento total do preço. Nas palavras do Projeto do Código, “não terá adquirido o direito” prometido de venda.

Repetindo-se, pedindo vênia pela insistência: se o preço não foi pago integralmente e por isso foi denunciado o contrato, não se pode nem mesmo imaginar a transmutação do contrato de leasing em compra e venda. Aliás, nem mesmo se pode falar em compra e venda do bem arrendado, já que, segundo a lei que trata da matéria, aquela se concretiza com o pagamento de todo o preço. Assim, inaplicável o disposto no parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74.

Na verdade, a intenção do legislador, ao dispor sobre considerar a aquisição do bem arrendado como compra e venda, é clara: coibir fraude fiscal, caracterizada pela utilização de benefícios fiscais dados ao arrendatário, quando verdadeiramente a operação é de compra e venda travestida de leasing, agindo o arrendatário com arrière-pensée.

Sem dúvida que a Lei n.º 6.099/74 é de natureza tributária. Como bem reza a sua ementa, cuida o diploma de tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil. Assim, quando dita o artigo 11, pelo parágrafo primeiro, que a aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições da mesma lei será considerada operação de compra e venda a prestação, quer a regra dizer que operação terá o tratamento tributário da compra e venda.

E isto tem razão de ser, pois, como afirmado, bem poderia alguma operação titulada de arrendamento encobrir verdadeira compra e venda, com o objetivo de lesar o fisco, já que o arrendatário goza de favores fiscais que não tem naquele primeiro tipo de contrato.

Mas isso sequer é cogitado nos presentes autos. Fora de dúvida que as partes buscaram celebrar contrato de arrendamento mercantil, não outro, e nos “dissídios que acaso se formem, a missão do juiz terá de se circunscrever à apuração da vontade dos contratantes, em um processo de pura reconstituição.” (Darcy Bessone, op. citada, pag. 33/34 - destaque da Autora). E se dúvida pudesse haver, em melhor situação não ficaria o Réu, pois a lei lhe proíbe alegar simulação.

A ratio do dispositivo não é a de transmudar a natureza do contrato de arrendamento, para tê-lo como mero contrato de compra e venda, com todas as conseqüências de natureza civil.

Veja-se que o referido parágrafo primeiro, do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, se refere, e não poderia ser diferente, ao caput. É certo que o parágrafo excepciona a regra do artigo ao qual se subordina, ou explicita-o. No ensinamento de Vicente Ráo, “Comumente, o conteúdo do parágrafo deve ligar-se e sujeitar-se à prescrição contida na disposição principal como o particular ao geral.” (O Direito e a Vida dos Direitos, Revista dos Tribunais, 3a. edição, vol. I, pag. 250, destaque nosso).

Ora, se o artigo 11, da multicitada Lei n.º 6.099/74, trata exclusivamente de Direito Fiscal, o seu parágrafo não pode lançar efeitos além da prescrição naquele contida. Vale dizer, não tem força para modificar natureza jurídica de instituto de outro ramo do Direito.

Repetindo, o que o legislador quis dizer, e não mais do que isso, é que o benefício fiscal do arrendatário, consistente em considerar como custo ou despesa operacional as contraprestações pagas, não será admitido se a aquisição dos bens arrendados se fizer em desacordo com as disposições da referida lei, sendo a operação, evidentemente para efeitos fiscais, tida como compra e venda, operação esta que leva tratamento diferenciado e menos benéfico para o contribuinte arrendatário.

Jamais preconizou a conversão de um contrato híbrido, como o é o de arrendamento (locação, promessa unilateral de venda e, às vezes, mandato - conf. Fran Martins, Contratos e Obrigações Comerciais, Forense, 14a. ed., pág. 459) no de compra e venda simples e pura, matéria que é completamente estranha ao Direito Fiscal. De observar-se que o legislador se utilizou da expressão “será considerada operação de compra e venda” e não do termo “conversão”, tecnicamente correto para a hipótese sustentada na defesa.

Segundo ensina Orlando Gomes, “Um contrato nulo pode produzir os efeitos de um contrato diverso. A esse fenômeno chama-se conversão. Para o mesmo autor, para que ocorra a conversão “é preciso: que o contrato nulo contenha os requisitos substanciais e formais de outro; b) que as partes quereriam o outro contrato, se tivessem tido conhecimento da nulidade.” (Contratos, Forense, 12a. edição, pág. 217 - destaques da Autora)

No caso sub examine, de fácil percepção que as partes contratantes jamais pretenderam celebrar contrato de compra e venda.

Mesmo que pudesse colocar em questão os termos claríssimos do contrato, viria em socorro da Autora o disposto no artigo 85, do C.C.B., onde se regra que na interpretação das declarações de vontade há de prevalecer, sempre, intenção daquele que as fez.

É certo ainda que a Autora não tem como atividade a compra e venda de veículos ou de quaisquer outros bens, sendo inimaginável que tivesse querido, via contrato de arrendamento mercantil, realizar uma compra e venda.

Não fora isso, é de boa doutrina pressupor-se que o legislador, sempre e necessariamente, se utilize de termos técnico-jurídicos de forma correta. Se o parágrafo primeiro do artigo 11, da Lei 6.099/74, cuidasse do mencionado instituto, teria utilizado o termo “conversão”, não o termo “considerado”.

E é bom ter em mente a observação de Henry de Page, no sentido que “Nous croyons, au surplus, qu’il est particulièrement souhaitable d’eviter des confusions de mots, parce qu’elles entrainent toujours des confusions de choses. C’est en ce sens qu’il est toujours vrai de dire que la science n’est qu’une langue bien faite.” (apud Darcy Bessone, Do Contrato - Teoria Geral, Forense, ed. 1987, pág,. 314).

Mesmo que se admitisse, absurdamente, que a malsinada disposição do parágrafo primeiro, do artigo 11, lança efeitos fora do Direito Fiscal e tenha realmente querido dizer “conversão”, a solução mais equânime pela não observância de alguma das condições postas no artigo 5º, da citada lei, seria a decretação de ineficácia da cláusula infringente, subordinando-a à prescrição legal. Caso típico de aplicação do princípio heteronômico, pelo qual o Estado-legislador estabelece preceitos, que são verdadeiramente cláusulas contratuais obrigatórias.

No caso do arrendamento, por ser negócio jurídico complexo, admite aquele a separabilidade dos atos.

Ensina Marcos Bernardes de Mello que, “Quando se trata de negócios jurídicos complexos, tem-se que a separabilidade é possível, conforme o caso, desde que preservada a integridade do ato jurídico e de sua finalidade, esta conforme a intenção dos figurantes.” (op citada, pág,. 64, destaque da Autora).

Ora, se as partes indubitavelmente procuraram acertar um contrato de arrendamento e sendo este negócio complexo, perfeitamente possível a separabilidade de cláusulas eventualmente ilícitas. O mesmo Marcos Bernardes de Mello cita, como exemplo, o testamento, onde geralmente as cláusulas são separáveis, pelo que a nulidade “pode restringir-se a esta, sem afetar o todo”. (id.ib., pág,. 64/65)

Nesse mesmo sentido, leciona Serpa Lopes, explicitando que devem ser afastadas “aquelas cláusulas consignadas em contrário ao regime legal, preestabelecido.” (Curso de Direito Civil, Freitas Bastos, vol.iii, 4a. edição, pág. 97). Ou na lição de Darcy Bessone, “A vontade das partes não deve ser sacrificada senão no caso de se tornar inviável toda a tentativa de salvá-la.”(op. citada, pág. 228).

Daí inafastável a conclusão: cláusulas que contrariem a lei devem ser, somente elas, tidas como nulas e, portanto, como não escritas. Jamais poderá ter-se como írrito todo o negócio jurídico, em obediência ao princípio da incontagiação da nulidade.

Na verdade, a descaracterização do contrato buscada pelo Réu tem como único fito vantagem de natureza processual, pois, como se pode ver, o mesmo Réu está de há muito em mora. Isto é, não deu execução ao contrato de arrendamento e muito menos ao que pretende que seja, o de compra e venda. Entretanto, quer que se lhe retorne a posse do bem arrendado.

Não se argumente com o artigo 11, da Resolução n.º 980/84, do Banco Central do Brasil, que, a bem da verdade, de forma prudente, descaracteriza o arrendamento apenas se a opção de compra for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.

Primeiro, porque inocorreu opção de compra, o que somente sucederia no término do contrato de arrendamento.

Cumpre ressaltar que o contrato ajustado entre Autora e Réu estabelece a constituição de uma provisão para fazer frente ao valor residual garantido, o que obviamente não se confunde com opção de compra. O referido contrato de arrendamento é claro quanto à oportunidade do exercício da opção de compra, inclusive dispondo sobre o acertamento final de saldo devedor, no caso de aquisição.

Em segundo lugar, mesmo que de tal provisionamento pudesse tirar-se a ilação que implicaria em opção de compra, o que se admite apenas para argumentar, não vingaria a tese do Réu. Com efeito, o fato de vir a disposição autonomamente, isto é, desvinculada de outra subordinante, diferentemente do que ocorre na relação do parágrafo primeiro do artigo 11 com o caput, da Lei 6.099/74, não empresta àquele dispositivo força obrigatória.

É que o Banco Central do Brasil não tem competência para criar ou modificar direitos via regulamentação de caráter meramente administrativo.

Somente lei federal (o direito a ser objeto de legislação é de competência exclusiva da União, pois versa sobre matéria civil e comercial) poderia dispor sobre extinção de certa forma de obrigação por conversão em outra de natureza diversa. À toda evidência, falece competência ao Banco Central do Brasil para regrar sobre a liberdade de contratar, que tem sua fonte nos direitos individuais constitucionalmente protegidos, onde se destaca o princípio da legalidade.

Ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer senão em virtude de lei, o sabem até os mais desprovidos de conhecimentos jurídicos. E lei, aqui, é no sentido estrito, isto é, na sua feitura devem ser observados os requisitos de validade, como aprovação, sanção, publicação, etc.

Registre-se, ainda no mesmo tema, que a função legislativa, ainda mais em se tratando de direitos constitucionalmente garantidos, é indelegável.

Ademais, a Lei n.º 6.099/74 não delegou, e nem o poderia fazer, poderes para o Banco Central do Brasil legislar sobre direito comercial e civil.

Veja-se que a delegação conferida se resume nos artigos 2º, parágrafo primeiro, 6º, 7º, 8º, 9º, parágrafo 2º, 10, 16 e 23, da Lei n.º 6.009/74, onde não se encontra nenhuma disposição permitindo que o Banco Central venha regrar sobre conversão de contratos, por eventual descumprimento de condições estabelecidas na citada lei e muito menos, obviamente, na própria Resolução 980/94.

Não se olvide a lição de Serpa Lopes, para quem, após afirmar que não possuem força de lei as circulares, avisos e decisões ministeriais, diz sabiamente que “A função do regulamento é eminentemente integrativa da lei, constituindo um desenvolvimento, uma especificação, complementação do pensamento legislativo. Assim, o regulamento só obriga tanto que não fira os princípios substanciais da lei a que está subordinado.” (op. citada, pág. 72, destaques da Autora).

Assim, totalmente inválida a disposição do artigo 11, da Resolução 980/84, por padecer de vício de origem.

Não fossem suficientes as razões acima expostas para afastar a tese da conversibilidade do contrato, é mais do que certo que inexiste qualquer ilegalidade ou ilicitude nas condições pactuadas para o arrendamento.

Entre os requisitos postos no artigo 5º não há qualquer um que proíba seja concertado o pagamento de uma provisão, para o caso de o arrendatário fazer a opção pela compra ao término do contrato.

Igualmente, não há proibição para que o “valor residual garantido” seja estabelecido quando do momento da contratação.

O mesmo se diz relativamente ao disposto no artigo 9º, letras e alíneas, da Resolução n.º 980/84, isto se pudesse tal Resolução criar direito novo.

Dentre as regulamentações legitimamente delegáveis e aquelas de legitimidade duvidosa ali postas, nenhuma proibição ao ajustamento do valor residual de garantia, quando da contratação, bem como ao pagamento desse mesmo valor residual diluído nos locativos, ao longo do prazo do contrato.

O princípio da liberdade contratual, calcada no da legalidade, garantido constitucionalmente, orienta no sentido de que as partes podem ajustar todas as cláusulas que lhes forem convenientes, tendo como único limite a proibição oriunda de prescrição legal. Esta é a lição de Darcy Bessone: “Sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem pública e pelos bons costumes. Assim, enquanto forem observados esses limites, podem as partes convencionar aquilo que lhes aprouver, o que, de resto, constitui um aspecto da liberdade individual, consubstanciada no princípio de que é permitido tudo que não é proibido. (op. citada, pág,. 32/33).

O acórdão, trazido à colação pela ementa, na defesa, envolve claramente questão fiscal trazida ao Judiciário. Por isso que o julgado considerou como ilegal a dedução dos benefícios fiscais, já que a operação realizada buscava burlar legislação tributária, e, assim, deveria ter tratamento fiscal de compra e venda a prestação.

Aliás, a questão, ao que parece, é de todo desinteressante para o Réu, já que tudo indica que nem mesmo ostenta a condição de pessoa jurídica, para se valer dos aludidos benefícios fiscais.

Por todas essas razões, não há como se admitir sequer irregularidades no contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Réu.”

De ver-se que algumas das questões suscitadas foram examinadas à luz da Resolução n.º 980/84, do Banco Central do Brasil, revogada pela de n.º 2.309/96, emanada daquela mesma instituição.

Entretanto, os argumentos alinhados não sofrem qualquer arranhão decorrente da nova regulamentação, no que pertine aos temas tratados nestes escritos.

Destaque-se a alínea “a”, do inciso VII, do artigo 7º, da citada Resolução, que permitiu o pagamento do valor residual garantido “a qualquer momento durante a vigência do contrato”, sem que isso venha a se caracterizar como “exercício da opção de compra”.

Embora, segundo o nosso entendimento, tanto a resolução revogada como a nova não tenham validade enquanto pretendam definir institutos de Direito Comercial, pode a referida alínea “a”, do inciso VII, da Resolução n.º 2.309/96, ser alinhada como parâmetro interpretativo.

Com efeito, como sustentado na impugnação, nenhuma razão de direito existe para que se tenha o pagamento do valor residual garantido ao longo da vigência do contrato como “exercício da opção de compra”.

O artigo 10, da Resolução n.º 2.309/96 praticamente repete o artigo 11, da Resolução revogada. No que interessa ao tema, o novo dispositivo continua falando de “operação” de arrendamento mercantil, o que reforça o entendimento de que trata de matéria exclusivamente fiscal.

O artigo 33, da nova Resolução, de forma mais radical que o seu correspondente (artigo 41, da Resolução revogada), dita que “As operações que se realizarem em desacordo com as disposições deste Regulamento não se caracterizam como de arrendamento mercantil.” Como o dispositivo revogado, não esclarece qual negócio jurídico estaria então caracterizado.

No curso dos estudos para a feitura da impugnação, foi realizada pesquisa jurisprudencial, tendo sido encontrados alguns acórdãos acolhendo a tese do réu. Transcrevem-se a seguir, dois deles, os mais representativos, pelas sua ementas, com dois breves comentários.

“Arrendamento Mercantil - Ação de Reintegração de Posse - Liminar - A retirada da opção de compra do contrato, substituindo-a pelo pagamento do resíduo antecipadamente junto com as contraprestações, descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, tornando-o uma compra e venda a prestação ou mútuo. A opção de compra é requisito do contrato, conforme letra “c”, do artigo da Lei 6.099/74. Deixando de ser arrendamento mercantil deixa de existir contrato de depósito entre as partes. Não havendo esbulho possessório não pode haver reintegração de posse. Decisão atacada desconstituída. Agravo Provido”. (T.A. do Rio Grande do Sul, GI n.º 196148571, 3a. Câmara Cível, Rel. Gaspar Marques Batista)

“Reintegratória de Posse - Arrendamento Mercantil - Desconfiguração - A cobrança antecipada do VRB configura opção de compra, descaracterizando o contrato, que passa a ser de compra e venda a prazo. Inviável, nessas condições, a reintegratória de posse, por ausentes os requisitos do CPC - 927. Apelo improvido.” (T.A. do Rio Grande do Sul, Ap.C. n.º 197145105, 4a. Câmara Cível, Rel. Ulderico Ceccato, 02.10.97).

Estas decisões, data venia, partiram de premissa que não tem arrimo legal nem jurídico. Como já dito anteriormente, inexiste qualquer impedimento para que o arrendatário constitua uma provisão para aquisição futura do bem, com regular acerto de contas ao final e o pleno e livre exercício do direito de opção pelo mesmo arrendatário.

Equivoca-se ainda o primeiro decisum, pedindo novamente vênia pela discordância, quando afirma que, no caso, “deixa de existir contrato de depósito entre as partes”. No arrendamento, embora contrato complexo, não há o de depósito; a posse direta do arrendatário é decorrência do arrendamento mesmo.

Existem, a bem da verdade, em número menor, acórdãos que seguem o entendimento desses escritos, sustentando a nulidade das cláusulas acaso infringentes da lei ou então a natureza fiscal do dispositivo que fala em transmutação do contrato de arrendamento no de compra e venda a prestação. (APC n.º 197071814PC, TARGS, 9a. Câmara Cível, Rel. Maria Isabel de Azevedo Souza, APC n.º 196234116, TARGS, 1a. C. Cível, Rel. Maria Isabel Broggini)

Em resumo, a impugnação produzida, como se pode ver da transcrição acima, baseou a tese da inconversibilidade do contrato de arrendamento em quatro pilares: a) a natureza fiscal da regra do artigo 11, da Lei n.º 6.099/74, sem alcance no campo do Direito Civil; b) a incontagiação do negócio jurídico por eventual cláusula contrária à legislação que regulamenta o arrendamento mercantil, admitindo prevalecimento de entendimento contrário ao da letra “a”; c) na pressuposição de inacolhimento das teses postas nas letras “a” e “b”, a impossibilidade jurídica de ocorrer a conversão do contrato, antes do término do prazo de sua vigência e da quitação do preço total contratado; e d) invalidade de dispositivo regulamentar (Resolução do Banco Central), por vício de origem.

Procuramos acrescentar mais fundamentos às teses postas nos julgados que entenderam pela licitude e incolumidade dos contratos de arrendamento, acreditando que tais temas ainda não foram suficientemente explorados, fato que nos animou a fazer publicar os presentes escritos, trazendo os referidos temas à reflexão dos que se interessarem pelo assunto.

Com certeza, o desate da questão, pela sentença de primeiro grau, fornecerá preciosos subsídios para a continuação dos estudos sobre o tema.