quinta-feira, 27 de maio de 2010

pressupostos da intertextualidade

PRESSUPOSTOS DA INTERTEXTUALIDADE

a) Conceito de intertextualidade;

b) pressuposto da intertextualidade – o texto e o discurso.

c) pressupostos do texto: codificação + enunciação ou ato ilocucional

d) requisitos do discurso: decodificação + repertório (conhecimento do mundo)

d) conceito de texto – por texto podemos entender toda manifestação linguística provida de enunciação

e) a intertextualidade explícita ou implícita;

f) a intertextualidade intencionalmente implícita – o plágio

g) a importância do repertório.


1 - O QUE É INTERTEXTUALIDADE?

Tem-se definido a intertextualidade com sendo o diálogo de um texto com outro texto. É o dialogismo. Mikhail Bakhtin define como sendo o processo de interação entre textos. Interação, ação entre, Textos agindo entre si.

Não me parece boa a definição. Ora, um texto não dialoga com outro texto. Não age nem reage um em face do outro. O que acontece é que os textos, em convívio, formam uma trama textual, resultando num tecido, que nada mais é que um contexto, ou seja, texto mais texto, ou, melhor ainda, texto com texto. O resultado é o CONtexto.

Ressaltando a trama, a urdidura ou o urdume do tecido textual, pode-se, em vez de COM, que aparece em CONtexto, optar pelo prefixo INTER, com o sentido fundamental de ENTRE, NO MEIO DE, e teremos o INTERtexto, cuja resultante é a INTERtextualidade.

Melhor seria dizer que a intertextualidade é a presença ou a revelação, ainda que tênue, de elementos de um texto em outro texto, isto é, a trama intertextual – a trama urdida entre textos. A intertextualidade implica, pois, na identificação ou no reconhecimento, num texto maior, de remissões ou referências (explícitas ou implícitas), a obras ou trechos de obras constitutivas de outro texto. Como já se disse acima e não é demais repetir, m A própria palavra intertextualidade diz tudo – relação entre (inter) textos.
Resumindo: A intertextualidade é texto mais texto, ou texto entre texto, formando uma trama textual.

Com maior economia fabular:

intertextualidade é a interação velada ou revelada entre textos.

2) – TEXTO E DISCURSO

Impossível discorrer sobre contexto, textualidade ou intertextualidade, sem noções básicas e claras do que seja texto, discurso e repertório.

Ora, o texto, como componente da textualidade, como seu pressuposto, é sua matéria prima – a textualidade se compõe de texto.

O que é texto? É a pergunta que se faz.


Emm princípio, todos sabem que o étimo da palavra texto é o latim textum, que significa tecido, entrelaçamento. O texto resulta de um trabalho de tecer, de entrelaçar os fios, cujo resultado é o tecido. Esse é sentido etimológico. Interessa-nos, contudo, aqui, não apenas o sentido lingüístico, mas o sentido linguístico-literário.


Contudo, tem-se definido texto das mais diversas maneiras:

Fávero e Villaça Koch concluem que é lícito tomar o termo texto em dois sentidos: um lato e o outro restrito.
“Texto, em sentido lato, designa toda e qualquer manifestação da capacidade textual(sic)1 do ser humano.” Fávero et al.2


E aí se incluem as manifestações verbais, musicais, pictóricas; a dança, a escultura; enfim.toda manifestação especificamente comunicativa ou etimologicamente comunicativa, i.é, que ativa universos interiores comuns: COMUNicar.

As autoras, antes de conceituar texto, no sentido estrito, amarram-no ao discurso: “Em se tratando da linguagem verbal, temos o discurso, atividade linguística de um falante, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou por este e seu interlocutor, no caso do diálogo) e o evento de sua enunciação. O discurso é manifestado, linguisticamente, por meio de textos (em sentido estrito).”1 Segue-se o conceito de texto:

“Neste sentido, o texto consiste em qualquer passagem.falada ou escrita, que forma um todo significativo, independente de sua extensão”3

Finalmente, entendendo a enunciação como a intenção comunicativa do emissor, por texto podemos entender toda manifestação linguística provida de enunciação. É o nosso conceito.

O DISCURSO

O termos discurso comporta dois conceitos básicos: Câmara afirma que é o termo que melhor corresponde em português ao termo francês PAROLE, estabelecido por Saussure, e conceitua: “É a atividade lingüística nas múltiplas e infindáveis ocorrências da vida do indivíduo.”4
Aqui tomaremos o termo discurso no sentido que lhe dá a Teoria Literária e que é o adotado por Atônio Soares Abreu5.

Segundo Soares Abreu, o discurso é dinâmico e histórico.

O discurso comporta dois momentos: o primeiro é o da codificação do texto; o segundo é o da sua decodificação. Ele percorre, pois, um caminho, e esse caminho é linear: do autor ao leitor ou do falante ao ouvinte. O discurso além de linear é histórico: envolve um termo inicial e um termo final; o dies a quo e o dies ad quem – ou seja: a) o termo da composição, da codificação (texto) e b) o termo da decodificação, cuja soma (a + b) é o discurso.

O REPERTÓRIO, ou O CONHECIMENTO DO MUNDO

Em face da intertextualidade, devemos distinguir entre conhecimento lingüístico e conhecimento do mundo. Ambos são necessários para interpretar um texto. Travaglia e Vilaça Koch lecionam: “Se o conhecimento lingüístico é necessário para o cálculo da coerência, todos os estudiosos são unânimes em afirmar que tal conhecimento é apenas parte do que usamos para interpretar um texto e, portanto, para estabelecer sua coerência. O estabelecimento do sentido de um texto depende em grande parte do conhecimento do mundo dos seus usuários, porque é só este conhecimento que vai permitir a realização de processos cruciais para a compreensão...”

O repertório é um dos fatores mais importantes para o reconhecimento da intertextualidade.

A intertextualidade explícita não oferece qualquer dificuldade de reconhecimento. Segundo Ingedore Villaça Koch6 (e aqui já temos uma intertextualidade explícita), “A intertextualidade será explícita quando, no próprio texto, é feita menção à fonte do intertexto, isto é, quando um outro texto ou um fragmento é citado, é atribuído a outro enunciador; ou seja, quando é reportado como tendo sido dito por outro ou por outros generalizados (“como diz o povo...”, “segundo os antigos...”).
“Como diz o povo...”, “segundo os antigos...”, “segundo voz geral...” são expressões que suprem a indicação direta da fonte e marcam que se trata de citação ou de intertextos explícitos. São igualmente indicadores da intertextualidade explícita.
Já a intertextualidade implícita não cita a fonte: “Tem-se a intertextualidade implícita quando se introduz, no próprio texto, intertexto alheio, sem qualquer menção explícita da fonte, com o objetivo quer de seguir-lhe a orientação argumentativa, quer de contraditá-lo, colocá-lo em questão, de ridicularizá-lo ou argumentar em sentido contrário.”6
Na intertextualidade implícita é tarefa do leitor descobrir da presença do intertexto. Muitas vezes essa tarefa não é fácil.
Em se tratando da paráfrase, espécie de intertextualidade implícita, o reconhecimento do intertexto não chega a oferecer dificuldade porque ela deixa marcas evidentes do intertexto
Há, todavia, outras espécies de intertextualidade implícita: a paródia, o pastiche e o plagio. Nas duas primeiras não há a preocupação de ocultar a presença do intertexto. Na última, contudo, no plágio, a ocultação faz parte de sua natureza: “...o plágio seria um tipo particular de intertextualidade implícita, com valor de captação, mas no qual, ao contrário dos demais, o produtor do texto espera (ou deseja) que o interlocutor não tenha na memória o intertexto e sua fonte (...), procurando, para tanto, camuflá-lo por meio de operações de ordem lingüística, em sua maioria de pequena monta (apagamento, substituições de termos, alterações de ordem sintática, transposições etc.).”6
O que pretendemos deixar claro aqui é que sem o significativo “conhecimento do mundo”, sem um “repertório” de certa forma alentado ou expressivo, o interlocutor não terá condições de reconhecer o intertexto latente, mormente o intencionalmente dissimulado.
Ressalta-se, assim, a importância do repertório na decodificação do texto.






1 Não é boa técnica inserir na definição o termo definido: texto/textualidade


2. Linguuística Textual: Introdução.
Fávero – Leonor Lopes e Villaça Koch – Ingedore G. - Cortez. São Paulo. 1983.
Pág. 25
3. A Coerência Textual.
Ingedore Villaça Koch e Luiz Carlos Travaglia.Contexto, 2008
4. Dicionário de Linguuística e Gramática.
Câmara Jr – Joaquim Mattoso. Vozes. Petrópolis. 1978
5 – ABREU – Antônio Soares
Curso de Redação
6 – INTERTEXTUALIDADE: Diálogos Possíveis
Villaça Koch – Ingedore G. et al.
Córtex Editora – sem data.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Trabalho Forense

TRABALHO FORENSE

Pedro Junqueira Bernardes
Raul Moreira Pinto
Advogados.

Danos morais à pessoa jurídica - endosso-mandato e responsabilidade do mandatário - fixação do valor da indenização.

Trata o trabalho de defesa apresentada em ação de indenização por danos morais.
A autora, empresa do ramo de comunicações, pretende ver-se ressarcida por pretensos danos causados pelo protesto de duplicatas simuladas contra ela sacadas. Dirigiu a ação à sacadora e a dois bancos endossatários das referidas duplicatas, em litisconsórcio. Segundo sustenta a autora, seriam os dois bancos responsáveis pelo protesto das cambiais.
A presente defesa foi deduzida em favor do último endossatário, correspondente do segundo réu.
A resposta é aberta com duas preliminares, pretendendo o réu a extinção do processo sem julgamento do mérito. Depois, são suscitadas questões que pertinem ao mérito. Ei-la adiante transcrita:
“1. - Inepta mostra-se a inicial por pretender formar litisconsórcio fora das hipóteses previstas na lei.
Com efeito, o caso trazido a juízo não se enquadra em nenhum dos permissivos dos incisos I a IV, do artigo 46, do C.P.C.
1.2 - A Autora pede sejam declarados inexistentes os débitos com o conseqüente cancelamento do protesto dos títulos a eles relativos.
1.3 - O ora Contestante era apenas mandatário do segundo Réu, Banco Y, fato demonstrado pelo documento de fls. 17, juntado pela própria Autora.
1.4 - Como mandatário, o ora Contestante cumpriu as ordens do mandante, o segundo Réu, negando, aqui, expressamente que tenha sido cientificado “extrajudicialmente” da existência de duplicata simulada
1.5 - Assim, têm-se três causas de pedir, com pretensões distintas relativamente a cada um dos réus:
a) a inexistência de venda mercantil, que diz respeito a falta de causa debendi das duplicatas que alega terem sido protestadas ilegalmente;
b) como conseqüência, os protestos teriam sido tirados irregularmente pelo ora Contestante, por ordem do primeiro Réu ou do segundo, alternativa que se sugere por não estar esclarecido na inicial se as malsinadas duplicatas foram às mãos do segundo Réu por endosso-mandato, endosso-caução ou endosso simplesmente translativo;
c) por indevidos os protestos, teria havido dano moral à Autora.
Como se observa, na letra a revela-se uma lide entre a Autora e a primeira Ré; nas letras b e c, outra lide entre Autora e os dois últimos Réus.
1.6 - Não é possível, data venia, cumulação subjetiva em que se ponha em um único processo mais de uma lide envolvendo obrigações distintas de litisconsortes.
Vem a talho a lição Araken de Assis: “duas ou mais pessoas não podem litigar em conjunto, quer agindo na demanda, quer reagindo à demanda, senão a vista de explícita permissão legal. Mesmo alargada a disciplina, constante do artigo 46, relativamente àquela do artigo 88, do Código derrogado, isto não significa, ao invés, que alguém possa se litisconsorciar fora dos números ali previstos. O elenco do artigo 46 é taxativo”. (Cumulação de Ações, Revista dos Tribunais, 3a. edição, 1.998, pag. 166/167).
Segundo o mesmo autor, “não cabe ao juiz escolher, entretanto, o autor ou o réu a ser preservado no processo, haja vista o princípio da demanda, ou venceria os limites da própria iniciativa.” (op. citada, pag. 199)
Assim, há de ser indeferida a inicial, com extinção do processo, por inadequação procedimental (artigo 295, inciso V, e artigo 267, inciso I, tudo do C.P.C), lastreando-se o ora contestante no entendimento de Araken de Assis (op. citada, pag. 199), condenando-se a Autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios.

Da ilegitimidade de parte

2. - O segundo Réu, Banco Y, tendo como correspondente na cidade de São Sebastião do Paraíso o ora Contestante, confiou a este a cobrança dos títulos descritos nas certidões de fls. 17.
2.1 - Não tendo os títulos sido liquidados nos respectivos vencimentos, o ora Contestante, seguindo as instruções do mandante, segundo Réu, tirou o protesto dos mesmos, por indicação, conforme se vê da certidão. Os títulos foram protestados por falta de aceite.
2.2 - De observar que a Autora tinha ciência da condição de mandatário do ora Contestante.
Com efeito, afirma a Autora na inicial que os Réus bancos “aceitaram” as duplicatas em desconto, sendo certo que os títulos foram transferidos pelo Réu Y ao ora Contestante. Ora, se houve transferência, conseqüentemente, não poderiam ter sido os mesmos títulos descontados junto ao ora Contestante e ao Banco Noroeste, a não ser em redesconto, mas essa operação não é possível entre bancos privados.
2.3 - Na verdade, a Autora lançou no pólo passivo do processo os dois Réus bancos para se garantir de um insucesso de uma possível execução contra a primeira Ré, verdadeiramente quem agiu contra a lei e que possivelmente não tem solvabilidade para arcar com indenização no patamar pretendido pela mesma Autora.
2.4 - É meridianamente claro que, se o Contestante detinha os títulos na condição de endossatário-mandatário, é parte ilegítima ad causam, pois mero procurador do segundo Réu.
Diz o Código Civil, em seu artigo 1.288, que “opera-se o mandato, quando alguem recebe de outrem poderes, para, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses.”
O professor Caio Mário da Silva Pereira leciona que “O mandatário, embora emita declaração de vontade, o faz em nome e no interesse do mandante, em que persiste a titularidade dos direitos e obrigações. Como resultado, obriga-se o mandante, cujo principal e mais importante dever é responder perante o terceiro, com seu patrimônio, pelos efeitos da declaração de vontade emitida pelo representante, cumprindo as obrigações assumidas dentro dos poderes outorgados.” (Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, 7. edição, 284).
Tratando especificamente do endosso-mandato, assim se pronuncia Fran Martins: “Esse chamado endosso-mandato ou endosso-procuração é, na realidade, um falso endosso, pois nem transmite os direitos emergentes do título nem transfere a propriedade da letra, mas simplesmente a sua posse. De fato, detentor do título por endosso-mandato, recebe-o e pratica todos os atos de proprietário do mesmo, mas o faz como simples mandatário, representando e obrigando, neste caso, o mandante ou endossante” (Títulos de Crédito, ed. Atlas, 1.996, pag. 168/9, destaque do Contestante)
Assim, “no simples endosso-mandato, responsável é exclusivamente o mandante pelos atos praticados por sua ordem pelo banco endossatário”, como decidiu o C. S.T.J. (Resp 12118-RJ, Rel. Athos Gusmão Carneiro, DJU 21.09.92, pag. 15694)
Celso Barbi Filho, em excelente trabalho publicado no Boletim da Escola Superior de Advocacia, OAB - MG, observa, com precisão que, no endosso-mandato, “o endossatário portador do título não exerce direito próprio, mas sim do endossante que lhe transferiu a duplicata para simples recebimento. É uma prática comum nos serviços de cobrança bancária, em que o sacador/endossante não desconta o título junto ao banco, mas apenas contrata sua prestação de serviços para cobrança. A tal propósito, já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal que ‘o estabelecimento bancário que recebeu o título apenas para cobrança não é credor, mas mero procurador, sendo válido o pagamento efetuado diretamente ao endossante, verdadeiro titular do crédito.” (Protesto de Duplicata Simulada e Procedimentos Judiciais do Sacado, jan/mar 1.998, pag. 108).
Continua o ilustre professor mineiro: “Com isso, fica evidente que a eventual ação judicial do sacado vitimado com a cobrança indevida de duplicata simulada não poderá dirigir-se contra o endossatário/mandatário.”
Julgando caso idêntico ao ora examinado, decidiu o Colendo S.T.J. que “No endosso-mandato, o endossatário não adquire a propriedade da cambiariforme, mas apenas a posse direta”...“Não deve o banco ser condenado ao pagamento de perdas e danos em favor do sacado, pois a responsabilidade é, em princípio, exclusiva do sacador, que criou o título abusivamente.”...“Cumpria ao mandatário aplicar sua diligência na execução do mandato, sob as instruções do mandante, inclusive tentando o protesto das cambiais. Recurso Especial conhecido e provido.” (Resp 0001013, Rel. Min. Athos Carneiro, publ. DJ 11.12.89, pag. 18140).
Também cuidando de endosso-mandato, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assentou que a “responsabilidade do banco mandatário (ocorre) somente perante o credor mandante”.
Assim, pelas razões expostas, deverá ser extinto o processo sem julgamento do mérito, na forma do inciso VI, do artigo 267, do C.P.C, isto se V. Exa. não entender que melhor se enquadra o caso no artigo 295, inciso II, do mesmo diploma.
Caso V. Exa. veja como possível salvar o processo, requer, mui respeitosamente, que, de plano e através de decisão interlocutória, exclua o Contestante do processo, condenando-se a Autora ao pagamento da verba honorária em favor do procurador deste.
Data venia, essa exclusão de plano é necessária, pois, com a saída do ora Contestante do processo, o que fatalmente ocorrerá, pode haver deslocamento de competência, vez que nenhum dos dois Réus remanescentes possuem agência ou filial nesta cidade.
Possível argüição de incompetência em razão do lugar por esses Réus poderá causar demora na solução final do feito, se o mesmo Contestante for somente excluído na decisão que extinguir o processo pelo mérito.

Do mérito.

Se ultrapassadas as preliminares suscitadas, o que se admite apenas para argumentar, melhor sorte não tem a Autora no mérito, como se verá.

Do exercício regular do direito.

3. - Se endosso-mandato não houvesse, ainda assim não seria ilegítimo o levar a protesto as malsinadas duplicatas.
Dispõe o artigo 160, do C.C.B., que não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido (inciso I).
A Lei de Duplicatas, artigo 13, parágrafo 4º, estabelece a obrigatoriedade de levar a protesto duplicata no prazo de trinta dias, contados da data do seu vencimento, pena de perdimento do direito de regresso contra os endossantes e avalistas destes.
Neste sentido, decidiu o Excelso Supremo Tribunal Federal: “Descontado o título, o estabelecimento bancário levou-o a protesto por falta de pagamento. Não pode ser condenado a pagar perdas e danos, em virtude de protesto. De acordo com o artigo 13, parágrafo 4º, da Lei nº 5.474/68, o portador que não tirar o protesto da duplicata, em forma regular e dentro do prazo de trinta dias, contados da data do seu vencimento, perde o direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas. O Banco, ao mandar a protesto duplicata, exerce um direito (o de protestar o título), como condição para conservação de um outro (o de regresso). Não pode ficar sujeito a indenizar eventuais prejuízos sofridos pela ora autora, com o protesto, porque não constitui ato ílícito o que é praticado no exercício regular de um direito. (CC, art. 160,I)” (apud Yussef Said Cahali, in Dano Moral, Revista dos Tribunais, 2a. edição, 1.998, pag. 380).
Observa Celso Barbi Filho que “Os tribunais, inclusive o S.T.F. e o S.T.J, nunca negaram o direito do (sic) endossador levar o título a protesto para exercício do regresso cambial, mesmo quando seja uma duplicata simulada. Por isso mesmo, a jurisprudência, tanto daqueles pretórios superiores, quanto das cortes estaduais, repele os pleitos indenizatórios de sacados contra endossatários que levam duplicatas simuladas a protesto.” (op. citada, pag. 94).
Assim, se endosso-mandato não existisse, repita-se, o ato de tirar o protesto seria legítimo, porque somente com ele se resguardaria da decadência do direito de responsabilizar os endossantes e seus avalistas.
Por outra lado, admitindo-se tenha havido endosso-mandato, o ora contestante, como procurador do segundo réu, tinha obrigação legal de levar o título a protesto, pena de ver-se obrigado a indenizar o mandante, por ter, em razão de omissão, causado a perda do direito de regresso.
Dessa forma, não havendo conduta ilícita por parte do ora Contestante, não há se falar em composição de danos, sejam patrimoniais sejam morais.

Dos danos morais à pessoa jurídica

4. - Muito se tem discutido sobre a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer danos morais.
Alinha-se a ora Contestante entre aqueles que concluem pela inviabilidade de sofrer pessoa jurídica danos daquele tipo.
Se a pessoa moral sofresse ofensas a honra, ter-se-ia de admitir que, paralelamente, se lhe cobrasse comportamento ético.
Ao que se sabe, ninguém recrimina esta ou aquela pessoa jurídica porque, visando exclusivamente o lucro, reduziu custos demitindo empregados, ou, por manobra especulativa, tenha levado alguém à falência. Na verdade, em casos como tais, a recriminação recai, e com toda a razão, na pessoa dos sócios ou dos seus dirigentes.
Assim também se a pessoa jurídica sofre abalo no seu bom nome comercial tal fato será fatalmente creditado ao mau gerenciamento dos proprietários. Aqui, a ofensa é às pessoas físicas destes, mesmo porque não se pode lançar culpa de má administração à pessoa jurídica, à falta de vontade desse ente.
Na verdade, danos morais, em casos como o ora tratado, sofreriam os administradores da empresa e somente eles teriam legitimidade para postular ressarcimento na justiça.
Enfrentando a questão, o jurista Adroaldo Furtado Fabrício bem a solucionou, em acórdão de que foi o relator, afirmando: “Tudo o que se possa imaginar como conseqüência de uma ofensa, injúria ou insulto tomará a forma de menos valia econômica, na medida em que o conceito e a credibilidade no mundo dos negócios, a oportunidade de ganhos futuros, a redução dos lucros atuais e a cessação dos esperados, as restrições ao crédito são sempre valores econômicos e não morais. As pessoas jurídicas só podem ser prejudicadas em suas finalidades, não em sua essência de pessoa: o dano que assim se traduza será sempre dano econômico inclusive quando se trata do bom-nome, da credibilidade pública e da decorrente redução de oportunidades de ganho. O dano à auto-estima, ao amor-próprio, pode eventualmente alcançar, por via reflexa, os membros de uma sociedade, mas nesse caso, por estes e em seu favor, tem de ser postulada a correspondente indenização.” (apud Luís Alberto Thompson Flores Lenz, in Dano Moral Contra A Pessoa Jurídica, RT-734, dezembro de 1.996, pag. 62).
Em lapidar acórdão, a 5a. Câmara Cível do T.J.R.J. acolheu a tese da impossibilidade de pessoa jurídica ser sujeito passivo de dano moral. Essa decisão veio assim ementada: “A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo de dano moral. O elemento característico do dano moral é a dor em sentido mais amplo, abrangendo todos os sofrimentos físicos ou morais, só passível de ser verificado nas pessoas físicas. O ataque injusto ao conceito da pessoa jurídica só é de ser reparado na medida em que ocasiona prejuízo de ordem material.” (apud Luiz Antonio Rizzato Nunes e Mirela D’Ângelo Caldeira, in O Dano Moral e sua Interpretação Jurisprudencial, Saraiva, 1.999, pag.877)
No voto condutor do acórdão, vêem-se preciosas citações de Wilson Mello Silva: “Não é o dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado.”
“...”
“As pessoas jurídicas em si jamais teriam direito a reparação por danos morais. E a razão é óbvia. Que as pessoas jurídicas sejam, possivelmente, responsáveis por danos morais, compreende-se. Que, porém, ativamente, possam reclamar as indenizações, conseqüentes deles, é absurdo.”
“...”
“Ora, a pessoa jurídica não é um ser orgânico, vivo, dotado de um sistema nervoso, de uma sensibilidade, e, como tal, apenas poderia subsistir como simples criação ou ficção do direito.”( op. citada, pag. 854/855).

Essa orientação prevaleceu também na Apelação Cível nº 75232, Rel. Des. José de Campos Amaral, TJDF, publ. D.J. de 22.03.95 e na Apelação Cível nº 93.235, Rel. José de Campos Amaral, TJDF, publ. 16.04.97.
Na verdade, o “abalo ao bom nome comercial” e à honra objetiva somente podem traduzir-se em dano patrimonial, porque a pessoa jurídica não se entristece, não se acabrunha e não se sente humilhada, de modo a ensejar uma reparação, pagamento do pretium doloris, que lhe compense estados de espírito dolorosos exclusivos do ser humano.
Tudo, na verdade, se reduz a interesse econômico. O abalo de crédito e do bom nome comercial somente tem alguma razão de ser afirmado se influir na obtenção de crédito e no faturamento.
Alguem seria capaz de admitir, ou melhor, sequer imaginar, que uma gigante multinacional tenha seu bom conceito comercial e seu crédito abalado por um protesto cambial de título de pequeno valor? Se admitir que não, teríamos de concluir que, de princípio, apenas as pequenas empresas poderiam sofrer danos morais por esse tipo de ilícito, o que conduziria ao absurdo.
A bem da verdade, a Autora sinalizou para um correto equacionamento da questão, ao invocar expressamente o artigo 1.059, do C.C.B., que cuida das perdas e danos, mas ante a dificuldade de demonstrar prejuízos concretos, parece ter abandonado a tese, ficando na mera transcrição daquele dispositivo.
De fato, no caso de pessoa jurídica, os danos patrimoniais seriam as perdas já ocorridas e os “morais”, como perda do bom nome comercial, do conceito entre os fornecedores e abalo de crédito se concretizariam exatamente nos lucros cessantes.
Diante de todos esses argumentos, se chega inafastavelmente à conclusão de que os danos que se têm como morais à pessoas jurídicas não passam efetivamente de danos patrimoniais e nesse enfoque, para serem reparados, hão de ser devidamente provados.
Se nenhum prejuízo patrimonial tem a pessoa jurídica com atos tidos como ilícitos, qualquer indenização que se lhe conferir terá como causa o ressarcimento por estados de espirito dos seus responsáveis.
Por tais razões, deve ser julgado improcedente o pedido de indenização por danos morais, por impossibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito passivo desse ilícito.

Do valor da indenização

6. - Tormentosa é a questão da fixação do valor da indenização do dano moral.
À impossibilidade de medir a intensidade da dor para estimar o quantum reparatório, inúmeros parâmetros são adotados pelos Tribunais.
Tomam-se a capacidade econômica do ofensor, a posição social e até mesmo a condição financeira do ofendido, o grau de culpa do ofensor, etc.
Alguns desses parâmetros têm origem legal, como são os casos do artigo 84, da Código Nacional de Telecomunicações e do artigo 53, da Lei nº 5.250/67.
Entretanto, no caso de pessoa jurídica é de se salientar que inexiste o sentimento de dor, moral ou física, cujo valor se torna possível de ser estimado apenas para se dar cumprimento à lei. Não há como estimar a dor pela perda de um familiar.
Não pode equiparar-se a perda de um braço pelo empregado, em acidente de trabalho, com a perda de um fornecedor da empresa em razão de ter tido título levado a protesto.
Pela própria natureza dos bens perdidos, a indenização de danos morais à pessoa jurídica deve restar em patamares bem inferiores aos daquela conferida aos indivíduos.
6.1 - Além do mais, o presente caso carrega características bem próprias, a exigir se levem em consideração alguns fatores relevantes para fixação do valor da indenização, se concedida for.
6.2 - O primeiro deles diz respeito ao porte econômico da Autora.
Segundo o seu contrato social, o seu capital é de R$ 10.000,00.
Ora, com um modesto capital, que reflete o valor do seu patrimônio, o alegado prejuízo não poderia jamais alcançar um valor quatorze vezes maior que aquele mesmo patrimônio! Um estranho prejuízo que simplesmente aumentaria quatorze vezes dito patrimônio. O dano teria sido muito maior do que o próprio negócio, o que é teratológico.
O que deve balisar a fixação do valor da indenização é o prejuízo que poderia o dano trazer ao habitual ganho ou lucro da empresa. Além disso, se configuraria o enriquecimento sem causa.
Assim, parece razoável ao ora Contestante que a indenização, se for concedida, o que se admite apenas para argumentar, seja fixada em valor igual a 10% do capital social declarado da Autora.
6.3 - Pelo que se infere das alegações da inicial, a primeira Ré teria pretendido, com emissão de outras duplicatas, receber o crédito duas vezes.
Daí, se não acolhida a alternativa posta no número 6.2, supra, há de aplicar-se analogicamente o artigo 1531, do C.C.B., que dispõe que aquele que demandar por dívida já paga fica obrigado a pagar ao devedor o dobro do que lhe houver cobrado.
A indenização pela conduta ilícita do credor, data venia do entendimento, agasalha reparação por dano extrapatrimonial, porque aí se configura o damnum in rem ipsa; vale dizer, o simples fato de se cobrar judicialmente dívida paga dá ensejo a indenização, independentemente de prova do dano. E essa indenização é tarifada.
Pela similitude do caso com a hipótese tratada no citado artigo 1531, do C.C.B., que cuida de dano extrapatrimonial, como já ressaltado, com fixação do valor da indenização, deverá ser tal dispositivo aplicado, em valor igual ao dobro da dívida quitada, isto se devida for a composição dos pretensos danos.
Aliás, o E. Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais assim entendeu na Ap. 160.196-1, 6a. C., Rel. Juiz Baía Borges, julgada em 26.05.94.
No corpo do voto condutor do acórdão, vêem-se os seguintes argumentos: “A fixação do valor da indenização em salários mínimos tem sido largamente utilizada pelo Judiciário. Aqui, no caso específico destes autos, um critério que poderia ser tido como razoável seria o de se fixar a condenação no valor dos títulos levados à protesto. Outro, que se mostra adequado ao caso em exame, e que, por isso, se adota, é o de fixar a indenização no dobro desse valor, com a adoção, por analogia, da norma estatuída no artigo 1.531, do C.C.B., até porque a sentença fez expressa menção aos artigos 1.530 e 1.532.”
6.4 - Cumpre registrar aqui que, na 49a. reunião do Centro de Estudos Jurídicos Juiz Ronaldo Cunha Campos, do qual são membros os juízes do E. Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, se estabeleceu, após a exposição pelo Juiz Geraldo Augusto sobre o tema “Valor do dano moral - Critérios objetivos de fixação”, chegaram às seguintes conclusões: “1 - Pedido de dano moral por inclusão indevida de nome em SPC-Serasa-Cartório de Protesto: até vinte salários mínimos; 2) Pedido de dano moral por morte de esposo, esposa, filhos - 100 salários mínimos; 3) Outras bases de pedidos: até 90 salários mínimos” (Ata da 49a. reunião, juntada em xerocópia, destaque do Contestante).
Crê o ora Contestante que, não acolhidas as alternativas dos números 6.2 e 6.3., supra, a indenização, se deferida, ficará no patamar de vinte salários-mínimos.
7. A Autora invoca lições doutrinárias sobre natureza de título causal da duplicata, tendo-as o ora Contestante por impertinentes, já que não vendeu mercadorias e nem emitiu duplicatas.
O mesmo se diz relativamente à incursão que faz no Direito Penal, vez que, repita-se, não emitiu o ora Contestante qualquer duplicata.
8. - Pelas razões acima expostas, requer o ora Contestante seja indeferida a petição inicial (artigo 295, inciso II, do C.P.C.) ou então seja extinto o processo sem julgamento do mérito (artigo 267, inciso VI, do C.P.C).
Requer mais, na hipótese de ser acolhida a tese de ilegitimidade do ora Contestante e não extinto o processo sem julgamento do mérito, seja o mesmo Contestante excluído do feito de plano, em decisão interlocutória.
Se inacolhidos os requerimentos supra, sejam os pedidos julgados improcedentes.
Atendido qualquer um dos pedidos supra, seja condenada a Autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários em favor do advogado da ora Contestante, em percentual incidente sobre a repercussão econômica do pedido, que alcança R$ 140.000,00.
Finalmente requer lhe seja deferida a produção de todas as provas admissíveis, em especial, testemunhal, documental, pericial e depoimento pessoal do representante legal da Autora.
Ainda não foram examinadas as preliminares suscitadas, vez que, até presente momento, não se conseguiu citar a primeira ré, possivelmente por já não mais existir.
Além disso, dada a pouca agilidade da Justiça, pode ser que as teses desenvolvidas na defesa não despertem mais discussões quando da prolação da sentença de mérito, época em que, possivelmente, já se terá boa e farta jurisprudência a respeito delas.

sábado, 1 de maio de 2010

Discricionariedade

DISCRICIONARIEDADE (E ÉTICA)


1 - Discricionariedade - qualidade ou natureza do que é discricionário

2 - Discricionário - Que procede ou se exerce à discrição

3 - Discrição - Qualidade ou caráter de discreto. Lat. discretione = discer-
nimento, sensatez
Morais: o discernimento do que é exato, verdadeiro, bom,
em física e em matérias prudenciais.
Em matemática, cita conjunto discreto - o que não tem ponto
de acumulação, por exemplo, o conjunto dos números intei-
ros.

4 - Discreto - Reservado em suas palavras ou atos, prudente, recatado,
modesto.
Lat. discretu (discretus-a-um) = separado, posto à parte.
Particípio de DISCERNO, e este de
DIS+CERNO, CREVI, CRETUM = distinguir, discenir.
CERNO-CREVI-CRETUM = separar, passar pelo crivo,
ver claramente.


Ao contrário, pois, do que parece, o poder discricionário é antes um poder de discernimento do que é bom e convém. São atos de sensatez em perfeita consonância com os princípios éticos ou morais.






DISCRICIONARIEDADE (E ÉTICA)


1 - Discricionariedade - qualidade ou natureza do que é discricionário

2 - Discricionário - Que procede ou se exerce à discrição

3 - Discrição - Qualidade ou caráter de discreto. Lat. discretione = discernimento, sensatez.
Morais: o discernimento do que é exato, verdadeiro, bom, em física e em matérias prudenciais.
Em matemática, cita conjunto discreto - o que não tem ponto de acumulação, por exemplo, o conjunto dos números inteiros.

4 - Discreto - Reservado em suas palavras ou atos, prudente, recatado, modesto.Lat. discretu (discretus-a-um) = separado, posto à parte. Particípio de DISCERNO, e este de DIS+CERNO, CREVI, CRETUM = distinguir, discenir. CERNO-CREVI-CRETUM = separar, passar pelo crivo,ver claramente.


Ao contrário, pois, do que parece, o poder discricionário é antes um poder de discernimento do que é bom e convém. São atos de sensatez em perfeita consonância com os princípios morais ou éticos.

O adjetivo como determinante do sintagma suboracional

O ADJETIVO COMO DETERMINANTE DO SINTAGMA SUBORACIONAL

EM


PAVANA PARA UMA DEFUNTA INFANTA
Jorge de Lima



Essa pavana(1) é para uma defunta
Infanta, bem-amada, ungida(2) e santa,
E que foi encerrada num profundo
Sepulcro recoberto pelos ramos

De salgueiros(4) silvestres para nunca
Ser retirada desse leito estranho
Em que repousa ouvindo essa pavana
Recomeçada sempre sem descanso,

Sem consolo, através dos desenganos,
Dos reveses e obstáculos da vida,
Das ventanias que se insurgem contra

A chama inapagada, a eterna chama
Que anima esta defunta infanta ungida
E bem-amada e para sempre santa.



O adjetivo como determinante no sintagma suboracional

Noção de SINTAGMA - Gr. συνταΥμα - sin – com + tagma = ordeno.
logo, relação (sin) de subordinação (ordeno)


a) Segundo Saussure
b) Segundo Mattoso

Os níveis sintagmáticos

O substantivo

O adjetivo

1 – SINTAGMA 2

Segundo Mattoso (Dic. 1978 – 223), “termo estabelecido por Saussure para designar a combinação de formas mínimas numa unidade lingüística superior.”
De acordo com o espírito da definição, implícita em Saussure, ainda estribado em Matttoso, entende-se hoje apenas por sintagma um conjugado binário, em que um elemento DETERMINANTE(sic) cria um elo de subordinação com outro elemento, que é DETERMINADO(sic).

OS NÍVEIS SINTAGMÁTICOS

O sintagma apresenta planos hierárquicos de formação, a partir do plano primário de formas mínimas:
01 – Plano primário das formas mínimas – LOB-A: sintagma lexical, ou VAC-A-S
02 - Reunião de dois vocábulos LOBO MAU – sintagma locucional
03 - Reunião de partes da oração O LOBO VIU um CORDEIRO – sintag
suboracional (parte da oração)
04 – Runião de sujeito e predicado O LOBO comeu o cordeiro – sintagma
oracional
O5 – Runião de oração subordinada a outra - VI que o lobo comeu o cordeiro –
Superoracional

Vê-se, pois, que o sintagma se estabelece tanto no plano lexical (01 e 02) como no plano frasal, ou oracional ( 03 a 05.), supra.

O tema de nossa reflexão é o adjetivo como determinante no sintagma suboracional. Assim, não é ocioso (mas necessário) fixar, antes de qualquer consideração, o conceito de adjetivo.

2 - Sobre o adjetivo

A noção de adjetivo pressupõe a de substantivo.
Sabemos, com Rocha Lima, que

“Substantivo é a palavra com que nomeamos os seres em geral, e as qualidades, ações ou estados, considerados em si mesmos, independentemente dos seres com que se ralacionam.”

Podemos agora falar do adjetivo:

Para Mattoso: “Palavra de natureza –
a) nominal, ou
b) pronominal, que se associa com um substantivo...”. Dicionário (1978),

Acrescenta a sua propriedade dizendo que


3

“Podemos, em última análise, considerar o adjetivo indo-europeu como um nome ou pronome especializado para adjunto”. (Princípios/1964).

Podemos conceituar o adjetivo como expressão ou função de natureza nominal ou pronominal que determina o substantivo (ampliado ou não).
Nem posso dizer “que determina o núcleo substantivo”, pois esse núcleo pode estar ampliado pelos constituintes imediatos. Por exemplo

Meu grande amigo deu-me este belo presente.
Meu determina grande amigo. Grande determina amigo.
Este determina belo presente. Belo determina presente.

Então, melhor é dizer: “a função substantiva”

Assim, não posso dizer com Mattoso que o adjetivo é palavra de natureza nominal ou pronominal que se associa com um substantivo, pois, como no exemplo acima, o substantivo pode estar ampliado.
Nem poderíamos simplesmente dizer, como vínhamos fazendo, que é o determinante do substantivo porque o verbo também o é, embora o seja na composição do predicado.

O adjetivo poderá também determinar o pronome?
Acredito que em certas construções, quando se tratar, é claro, de pronome substantivo, poderá
“alguém oferece para alguém e esse alguém já sabe quem”
“com nós mesmos”; “com vós próprios”; “com nós outros”
“...o respeito do eu-lírico para com a defunta”
“o” e “lírico” determina o pron. subs. “eu”. “Eu” não passa a
subst. por causa do art. Continua sendo pron. (pron. subs.), pois continua sendo dêitico, (1.ª pés. – no texto o falante-autor), e não palavra conceptual.
Para Bechara é classe de lexema. Constitui inventário aberto


RODRIGUES LAPA
Para R. Lapa até o tom e o sufixo podem ter valor de adjetivo:

“...é tudo quanto sirva para caracterizar (os seres), jeito de entoação, palavra ou frase vale como adjetivo”

E ilustra a entoação com “Isto é que é um rapaz!” em que a entoação é o elemento caracterizador (adjetivo) de “rapaz”

Diz Lapa que conforme a maneira de entoar temos bom ou mau rapaz.

A mim me parece que o tom exclamativo caracteriza o bom rapaz

“Isto é que é um rapaz!”, e o interrogativo o mau rapaz
4
“Isto é que é um rapaz?”. Aqui até o “isto” fica depreciado.

Ilustra o sufixo com “Aí te mando esse LIVRECO(sic)”, em que há duas representações, a do substantivo e a do adjetivo, a do objeto e a da qualidade
“livro mau”
Objeto = livro: qualidade = mau. Tudo em “livreco”
CINTRA – Lindley

Em consonância com Câmara, Lindley Cintra afirma que a distinção entre substantivo e adjetivo só pode ser feita na frase, uma vez que obedece a um critério basicamente sintático, funcional.

O céu cinzento indica chuva (cinzento é determinante de céu)
O cinzento do céu indica chuva (cinzento é núcleo determinado)

Entendemos com Mattoso Câmara que o adjetivo é “Palavra de natureza – a) nominal, ou b) pronominal, que se associa com um substantivo...”. Dicionário (1978), e que “Podemos, em última análise, considerar o adjetivo indo-europeu como um nome ou pronome especializado para adjunto”. (Princípios/1964).
Mattoso insiste na relação determinante do adjetivo: “a distribuição entre substantivo e adjetivo não é semântica, senão funcional.”
O nome valendo por si mesmo é um substantivo
Valendo como modificador (determinante) é adjetivo.

O adjetivo acaba por não ser uma classe, ou um conceito, com diz Câmara, mas uma função.

Estudando o emprego do adjetivo, Rocha Lima relaciona entre eles
a) O nome adjetivo propriamente dito “...um homem taurino e...”
b) Uma expressão “...um homem de talento”
c) O pronome adjetivo “meu livro, este livro, nenhum livro”
Na função de adjunto adnominal, que é função adjetiva, inclui
c) O artigo: O professor.....Um professor
d) O numeral adjetivo: Dois irmãos......terceiro lugar.
Pois bem, aplicando a teoria sintagmática para o conceito de adjetivo, temos que ele é o determinante do substantivo – tanto na função de adjunto adnominal quanto na função de predicativo. Na função de adjunto adnominal ele determina o núcleo substantivo, na função de predicativo ele determina o sujeito, ou o complemento (direto ou indireto) que, na estrutura profunda, não passa de sujeito do predicado nominal.
A relação sintagmática evidencia e comprova outra relação não menos importante, a de subordinação, que se estabelece entre o adjetivo determinante, por isso mesmo subordinado, e o substantivo determinado, conseqüentemente subordinante.
Feitas essas considerações, podemos passar ao exame da funções adjetivas presentes no texto eleito como “corpus” do presente estudo.
Fiel ao conceito, o primeiro passo consiste no levantamento dos substantivos existentes no texto:

Essa pavana é para uma defunta 5
Infanta, bem-amada, ungida e santa,
E que foi encerrada num profundo
Sepulcro recoberto pelos ramos

De salgueiros(4) silvestres para nunca
Ser retirada desse leito estranho
Em que repousa ouvindo essa pavana
Recomeçada sempre sem descanso,

Sem consolo, através dos desenganos,
Dos reveses e obstáculos da vida,
Das ventanias que se insurgem contra

A chama inapagada, a eterna chama
Que anima esta defunta infanta ungida
E bem-amada e para sempre santa.




SUBSTANTIVOS:

01 – Pavana
02 – Defunta
03 – Sepulcro
04 – Ramos
05 – Salgueiros
06 – Leito
07 – Pavana(2)
08 – Descanso
09 - Consolo
10 – Desenganos
11 - Reveses
12 – Obstáculos
13 – Vida
14 – Ventanias
15 – Chama
16 – Chama (2)
17 – Defunta(2)






6
ADJETIVOS
01 – De ”pavana”

Essa (essa Pavana)

02 – De “defunta”
a) Uma (uma defunta)
b) Infanta (defunta infanta)
c) Bem amada (defunta bem amada)
d) Ungida (defunta ungida)
e) Santa (defunta santa)
f) Que foi encerrada... (defunta que foi encerrada
num profundo sepulcro
recoberto pelos ramos de
salgueiros silvestre)

03) De “sepulcro”
a) Profundo (sepulcro profundo)
b) Recoberto pelos... (sepulcro recoberto pelos
ramos de salgueiros
silvestres)

04) De “ramos” (ramos de salgueiros
silvestres)

05) De “salgueiros” (salgueiros silvestres)

06) De ”leito”
a) Estranho (leito estranho)
b) Em que repousa (leito em que repousa
ouvindo essa pavana recomeçada sempre sem descanso, sem consolo através dos desenganos, dos reveses, e obstáculos da vida, das ventanias que se insurgem contra a chama inapagada, a eterna chama que anima essa defunta infanta, ungida e bem amada e para sempre santa)
07) De “pavana 2”

a) Essa (essa pavana)
b) Recomeçada sem descanso (pavana recomeçada sem descanso...)
-recomeçada sem consolo (pavana recomeçada sem consolo)
-recomeçada através dos desengano (pavana recomeçada através dos desengs..)
-recomeçada através dos reveses (pavana fecomeçada através dos reveses)
-recomeçada através dos obstáculos (pavana recomeçada através dos obtáculos
-recomeçada através das ventanias (pavana recomeçada através das ventanias)
7
08) de “descanso” (em “sem descanso)
Sem determinante. Forma com a preposição (sem) uma locução adverbial
“Sem descanso” é uma locução adverbial determinando o adjetivo verbal
“recomeçada)

09) de “consolo” (em “sem consolo”)
Sem determinante (vale a mesma observação feita para “sem descanso”)

10) De “desenganos”
-Os(3) ( d(os desenganos) )

11) de “reveses”
-Os(3) ( d(os reveses) )

12) de “obstáculos”
-da vida (obstáculos da vida)

13) de “vida”
-a ( d(a vida) )

“Vida” forma com a preposição (de) uma locução adjetiva, “da vida”.
É uma locução adjetiva determinando o substantivo “obstáculos”

14 – de “ventanias”

-as ( d(as ventanias) )
-que se insurgem contra...a eterna...santa (ventanias que se insurgem contra a chama inapagada, a eterna chama que anima esta defunta ungida, e bem amada e para sempre santa)
15 – De “chama”

- a (a chama)
- inapagada (chama inapagada)

16 – De “chama 2” (aposto)
- a (a chama)
- eterna (chama eterna)
- que anima essa defunta...santa (chama que anima essa defunta
infanta, ungida e bem amada e
para sempre santa.)
17 – De “defunta 2”

- essa (essa defunta)
- infanta (defunta infanta)
-ungida (defunta ungida)
-bem amada (defunta bem amada)
-sempre santa (defunta sempre santa)

8
Notas:

(1) -
– PAVANA - (séc. XVI) Dança de corte. Compasso binário ou quaternário.
Andamento lento majestoso. Cunha – Ant. Geraldo.
Corominas registra o vocábulo e diz ser do it. pavana(1508) fem. De pavano, forma vulgar de padovano, pertencente a Pádua. Italiano PADOVA, cid. da Itália

A PAVANA DE RAVEL - RAVEL - Pianista francês – Ravel tem uma composição para uma defunta infanta

O primeiro êxito de Ravel foi uma peça pianística, Pavana para uma infanta morta (1899), depois severamente julgada pelo autor, mas que persiste, em seu ritmo elegíaco, como uma de suas produções mais memoráveis. Ravel evoluiu, no piano, do impressionismo ainda sensível em Espelhos (1905), para os ritmos mais ásperos de Gaspard de la nuit (1908) em que persistem, no entanto, arabescos cromáticos fantasiosos

Maurice RAVEL – Pavane pour Une Infante Défunte (Pavana para Uma Infanta Defunta)
Na sua origem esta Pavana é uma obra para piano que foi escrita quando Ravel ainda frequentava o Conservatório de Paris, designadamente com Gabriel Fauré. Ela evoca a imagem poética de uma jovem princesa dançando na corte espanhola. É uma das obras mais conhecidas do compositor do Bolero, plena de melancolia e suavidade. Apesar de a intenção inicial do compositor ter sido a mera realização de um exercício académico, foi tal o agrado que se registou junto do público que ele se viu "obrigado" a preparar em 1910 a orquestração que aqui temos a oportunidade de escutar.
A Criação
A peça foi escrita em 1899 para piano composta, durante os estudos do compositor no Conservatório de Paris quando tinha apenas 24 anos em 1899 e orquestrada em 1910. É baseada em uma idéia apresentada por seu professor Gabriel Fauré em 1887, tendo como inspiração um quadro do pintor espanhol Velásquez. Foi dedicada à princesa Edmond de Polignac (Winnaretta Singer, filha do milionário criador das máquinas de costura e em cujo salão Ravel costumava tocar) . A peça tem uma duração de aproximadamente seis minutos.
O Tema
Segundo o autor, a peça não evoca nenhum momento histórico, mas somente a dança de uma jovem princesa na corte espanhola. O título não tem nada a ver com morte ou lamento, mas ele foi escolhido por aliteração. Ravel gostou da pronúncia da combinação de "infante défunte" e por isso a adotou no nome da obra.
Devido às suas raízes bascas, Ravel tinha uma predileção especial pela música espanhola. A pavana era tradicional dança espanhola em movimentos lentos, que gozou de grande popularidade entre os séculos XVI e XVII. Ele ainda utilizaria o tema em outras obras suas, tais como Ma Mère l'Oye, Rapsódia Espanhola e Bolero.
A Estréia
Como peça para piano, a estréia se deu em 5 de abril de 1902, na sala Pleyel, durante um concerto da Société Nationale, sendo executada por Ricardo Viñes, pianista espanhol e grande amigo de Ravel.
Na ocasião, ela foi bem aceita pelo público, mas recebida com muita restrição pelos críticos e músicos profissionais.
Como peça orquestral, a estréia aconteceu nos Concertos Hasselmans, no dia 25 de dezembro de 1911, sob a condução de Alfredo Casella.
9
(2)
UNGIR é consagrar com óleo.

UNGUENTO, APLICAR ÓLEOS CONSAGRADOS.

UNÇÃO (DIC. BÍBLICO) - UNÇÃO VEM DO SUBSTANTIVO GREGO, “CHRISMA”; DAÍ VEM O VERBO CHRIO; E O ADJETIVO CHRISTÓS, QUE SIGNIFICA “UNGIDO”. NO HEBRAICO, O TERMO UNGIDO É MESSIAS, APLICADO A CRISTO. A UNÇÃO, NA BÍBLIA, PODE SER ENTENDIDA DE MODO ESPIRITUAL E LITERAL, COM A APLICAÇÃO DO AZEITE OU ÓLEO SOBRE ALGUÉM OU SOBRE ALGUM OBJETO.

UNÇÃO COM ÓLEO (DIC. BÍBLICO) - METÁFORA BÍBLICA QUE SIMBOLIZA O DERRAMAMENTO DO ESPÍRITO SANTO SOBRE ALGO OU ALGUÉM.

ÊXODO 30:22-25.

A UNÇÃO COM ÓLEO É O ATO DE DERRAMAR ÓLEO SOBRE ALGUÉM OU SOBRE ALGUM OBJETO, COM O SENTIDO DE TORNÁ-LO CONSAGRADO A DEUS, OU DE BUSCAR A CURA DIVINA SOBRE O ENFERMO.

COMPOSIÇÃO - ERA COMPOSTO DE “PRINCIPAIS ESPECIARIAS”: MIRRA, CANELA AROMÁTICA, CÁLAMO AROMÁTICO, CÁSSIA E AZEITE DE OLIVEIRAS.

TODO ÓLEO CONSAGRADO AO SENHOR É SANTO, SIMBOLIZA O ESPÍRITO SANTO, PORÉM SE A BÍBLIA ENSINA A RECEITA DO ÓLEO DA UNÇÃO, DEVEMOS FAZER COMO A BÍBLIA ENSINA. O ÓLEO DA SANTA UNÇÃO NÃO ERA FEITO COM QUALQUER TIPO DE ÓLEO (EX 30:26), MAS FABRICADO POR ORDEM DIVINA, COMTENDO OS INGREDIENTES SELECIONADOS PELO PRÓPRIO DEUS.

O PERFUMISTA OU QUALQUER OUTRA PESSOA FICAVA TERMINANTEMENTE PROIBIDO DE FABRICAR ESTA COMPOSIÇÃO QUE SE DESTINASSE A QUALQUER OUTRO USO QUE NÃO FOSSE PARA O SANTUÁRIO, SOB PENA DE PAGAR COM A VIDA A SUA DESOBEDIÊNCIA (EX 30:22-33).
RECEITA
MIRRA - 500 SICLOS (1 SICLO = 11,4 GRAMAS DE PRATA) - 500 X 11,4 = 5,7 KG.
CANELA AROMÁTICA - 250 SICLOS = 2,850 KG.
CÁLAMO AROMÁTICO - 250 SICLOS = 2,850 KG.
CÁSSIA - 500 SICLOS = 5,7 KG.
AZEITE DE OLIVEIRA - UM HIM = 6,2 LITROS.

* OBS: APÓS O PREPARO DO ÓLEO DA SANTA UNÇÃO É NECESSÁRIO CONSAGRA-LO AO SENHOR.

ALGUMAS PASSAGENS DO N.T. RELATIVAS À UNÇÃO COM ÓLEO:

DISCÍPULOS (MC 6:13).
PRESBÍTEROS / ENFERMOS (TG 5:14).
SEPULTURA (MC 14:8 - LC 23:56).
HÓSPEDES (LC 7:38 - LC 7:46).

a) Da inclusão do artigo entre os adjetivos

(3)ARTIGO –

Mattoso

O artigo “encerra uma indicação espacial, evidentemente, pois assinala que se trata de um ser difinidamente situado. Assim, nas línguas indo-européias que o possuem, há um valor demonstrativo, sincronicamente inegável, que coincide com a origem demonstrativa do vocábulo. O artigo é, pois, um demonstrativo vago (sic) em contraste com os demonstrativos precisos.
Mas não é este o valor essencial do artigo; com isso ele seria apenas qualquer coisa como o lat. is em face de hic, iste, ille. Para o artigo o valor demonstrativo se esbate no que se pode chamar a CATEGORIA DA INDICAÇÃO DEFINIDA (sic). “O livro” em português é – muito mais do que um livro que se acha em lugar conhecido dos interlocutores – um livro que os interlocutores sabem qual é.” (conhecem o lugar e o livro). Todos os destaques são do autor.


10
(4) SALGUEIRO - Latim vulgar *Salicarius

Salgueiro é o nome comum das plantas do Género Salix, Família Salicaceae. O nome de Salix parece proceder do celta e quereria dizer: próximo da água.

Termos Jurídicos - Sentido Etimológico II

TERMOS JURÍDICOS - SENTIDO ETIMOLÓGICO(II)
Pedro Junqueira Bernardes

Ave,

Continuamos o estudo de alguns termos jurídicos, reavivando o seu sentido etimológico. Procuramos seguir a ordem alfabética, fiéis ao critério estabelecido no início do trabalho.

BIANDRIA – “Casamento de uma mulher com dois homens simultaneamente”(1)

Para designar o mesmo ato, no sentido genérico, temos BIGAMIA. Segundo De Plácido e Silva, a BIGAMIA é o estado da pessoa que se casou duas vezes.
Não é bem assim. Uma pessoa pode-se casar duas vezes e não praticar a bigamia, desde que os casamentos sejam sucessivos, não coexistentes. Pressuposto da bigamia é a duplicidade de casamentos, ou melhor, a simultaneidade de dois casamentos. Melhor ainda: a coexistência de dois casamentos. No desenvolvimento do verbete, De Plácido e Silva esclarece: “a bigamia é caracterizada pela existência simultânea de dois casamentos ou matrimônios...”
O hibridismo de BIANDRIA talvez se deva à analogia com BIGAMIA, também híbrido. Ora, o bi, idéia de dois, é prefixo latino, e o radical, tanto de bigamia, quanto de biandria, é grego: γαμος e ανηρ - ανδρος , respectivamente. Como se trata de termo técnico, erudito, por isso mesmo de uso restrito, melhor seria a formação regular, ou seja, expressar a idéia de dois através do prefixo grego δις e formar DIANDRIA, muito pouco usado, porque a preferência é pelo genérico BIGAMIA. Quanto a este, é preferível deixar o hibridismo como está, já consagrado, e que jamais cederia lugar para DIGAMIA.
O rendimento enfim do termo BIANDRIA (bi, latim dois e andros, grego homem) é praticamente zero. O hibridismo não tem curso, pelo que sequer chega a arranhar a norma gramatical.
Interessante é que se criou do gênero bigamia o específico único biandria (casamento de uma mulher com dois homens simultaneamednte), sem a oposição biginia, de γυνη –αίχος (mulher), para designar especialmente o casamento de um homem com duas mulheres simultaneamente). O certo que se trata de artificialismo que não se vingou. O casamento simultâneo, tanto de uma mulher com dois homens, quanto de um homem com duas mulheres, vai para a vala comum da BIGAMIA.
Registre-se, por fim, que não registram o termo Aurélio, Nascentes, Séguier, Antônio Geraldo da Cunha, Adolfo Coelho, Morais. Consigna-o Piragibe e Piragibe (1).

2-BÍNUBO - “Pessoa que se casa duas vezes, sendo o segundo matrimônio contraído quando já extinto o primeiro” (1).
Segundo De Plácido e Silva, é aplicado para significar o fato de um novo casamento, ou casamento sucessivo, ou seja, para indicar a pessoa que se casou duas vezes (2).
Rigorosamente não significa “pessoa que se casa duas vezes”, (Piragibe) e nem “o fato de um novo casamento”, De Plácido e Silva. Significa casado pela segunda vez, pois o vocábulo não deriva de “bis, dois, e nubere, casar”. Deriva de bis, dois e nubus ou nuptus, particípio de nubo(3), de valor adjetivo, casado.
Curiosa é a etimologia da palavra. É a mesma de nuvem. Nubes, nubis, significa nuvem, sombra, infortúnio. Em grego é nephele. Da mesma raíz, pois, de nubes, nubis (nuvem), o latim possui o verbo nubo, nubis, nupsi, nuptum, nubere, com o sentido de cobrir com o véu, velar, cobrir, como cobrem as nuvens, casar, em relação às mulheres. A translação, segundo Arraes (4), proveio do fato de usarem as noivas o véu. Ainda de acordo com o mesmo filólogo, ocorreu o mesmo com o grego, onde nephéle é nuvem, e nymphe é noiva. Nympheuma, casamento e nympheuomai, casar.
A raiz é bem representada: núpcias - casamento; conúbio - casamento; núbil - casadoura, que está em idade de casar; nubiloso - nebuloso; nubente - que é noivo ou noiva, etc.

Conforme se viu, difere de bígamo, por significar casamento sucessivo.

3-BROCARDO - De Plácido e Silva apenas define: “Denominação dada aos adágios ou aforismos jurídicos” (2). Antônio Geraldo da Cunha dá ao vocábulo foros ou privilégio de axioma: “Axioma jurídico” (5).
Do latim brocardus. Por não pertencer ao léxico clássico, os dicionários latinos não o registram. Trata-se de vocábulo do latim medieval, cuja origem é o antropônimo Burckard, bispo de Worms, nome alemão de Vórmia ou Vormácia, cidade à beira do Reno. Esse bispo, Burckard, compilou, no século XI, vinte livros de regras eclesiásticas. As regras devem ter-se tornado máximas e consagrado o nome do bispo, que passou a sinônimo de aforismo. É um verdadeiro caso de metonímia.

4 - CABECEL - “Nome que se dá ao foreiro, que, por designação dos demais foreiros ou do próprio senhorio direto, fica responsável perante este pela cobrança de todos os direitos e foros dos demais, para que os pague, por inteiro, ao mesmo senhorio”. De Plácido e Silva (2). O festejado lexicógrafo não dá o étimo. Viterbo registra CABEÇAL: “O que tinha obrigação de responder ao direito senhorio por todos os direitos e foros do casal*, que andava repartido por muitos ou alguns, dos quais cobrava a respectiva porção” . Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo (6).

* Com o sentido de imóvel.

Antenor Nascentes, assim como Antônio Geraldo da Cunha, consagrados etimólogos, sequer registram o termo. Séguier registra e lhe dá o étimo cabeça (7).
Mais uma vez nos socorremos de Moraes, sobre o qual afirmou Leite de Vasconcelos : “Para as usanças clássicas é o melhor guia.” Moraes dá ao termo o seu verdadeiro sentido etimológico: “CABECEL, s.m. ou Pessoeiro: aquelle que está encabeçado em algum praso (sic), ou herdade indivisa, e dá aos achegas, ou coherdeiros e compartes o quinhão das rendas.”(8)
O étimo realmente é cabeça. Viterbo registra “cabeçal”. Trata-se do mesmo radical, com diferentes sufixos: -el e -al(cabecel/cabeçal). Quanto ao sentido da raiz (cabeça), está ele em perfeita harmonia com o significado do termo: É uma espécie de “cabeça” (chefe, principal pessoa), entre os demais foreiros.


5 - COLAÇÃO
“Ato de levar à massa da herança bens que a constituiriam, mas que haviam sido doados em adiantamento à parte que caberia a quem os recebeu” - Piragibe (1).
“... indica o ato pelo qual é o herdeiro obrigado a trazer (ajuntar) à massa comum da herança, ou dos bens do defunto, toda e qualquer espécie de bens que tenha recebido dele, em vida, a fim de com eles concorrer à partilha.” De Plácido e Silva. O autor dá o étimo. “Derivado de Collatio, de confere(sic) (ajuntar, trazer conjuntamente).” - De Plácido e Silva (2).
O vocábulo é também de uso universitário - colação de grau, collatio gradus, ou seja, conferir grau. A base é o latim conferre. Colar grau, em vez de conferir grau. No lugar de conferimento de grau - colação de grau. Interessante é que não temos o verbo collare, mas conferre. Segundo Issac Nicolau Salum (9), trata-se de um verdadeiro caso de derivação regressiva, a qual, nas palavras de Gladstone (10), funcionando como uma derivação às avessas, subtrai algo à raiz, ao contrário da derivação sufixal, que acrescenta. Segundo Isaac, collatio (colação, acusativo) vem de “collatum, supino de um falso (grifei) collare”. De um falso collare, porque collatum é verdadeiramente supino de conferre. Falso ou não, o certo é que collare acabou dando colar (não colar nos exames, mas conferir).

Isaac Salum conta que um de seus alunos, a uma pergunta sua sobre o que vinha a ser colação de grau, respondeu que era a última colação de um curso.

Em resumo, colação vem de collatio - onis, que, por sua vez, vem de collatum. Collare (colar) vem também, por outros caminhos, de collatum, pelas vias da derivação regressiva.

Collatio-onis, em latim, compõe-se de cum + latum, sendo latum o supino de ferre. A idéia de ferre (fero; fers; tuli; latum; ferre) é a de levar, trazer, oferecer, propor, apresentar. Cum dá a idéia de companhia, ajuntamento, reunião. Assim COLLATIO-ONIS (de cum + latum) traz a idéia de ajuntamento, reunião (reunião à massa, ajuntamento à massa comum da herança)


1) Piragibe, Humberto Magalhães e Christóvão Piragibe Tostes Malta
Dicionário Jurídico - Ed. Trabalhistas = 4.ª edição.
2) De Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - 15.ª ed. - Forense - 1998
3) Torrinha - Francisco: Dicionário Latino-Português. Edições Marânus,
Porto - 1945.
4) Arraes de Alencar, José - Vocabulário Latino por Famílias Etimológicas.
Filosofia e Poesia da Linguagem. Civilização Brasileira. 1944.
5) Cunha - Antônio Geraldo da - Dic. Etimológico Nova Fronteira - N.
Fronteira - 1982
6) Viterbo - Fr. Joaquim de Santa Rosa - ELUCIDÁRIO das Palavras Termos e Frases que em Portugal antigamente se usavam e que hoje regularmente se ignoram. Livraria Civilização - Porto-Lisboa. Ed. Crítica - 1966.
7) Séguier - Jaime de - Dic. Prático Ilustrado - Lelo & Irmãos. Porto/1957
8) Morais Silva - Antônio de: Dicionário da Língua Portuguesa -
Fac Simile de 1922 da Ed. De 1813 (Lisboa - Tip. Lacerdina).
9) Sallum - Issac Nicolau - Artigo publicado no jornal “O Estado de S.
Paulo)
10 - Chaves de Melo - Gramática Fundamental da Língua Portuguesa
Acadêmica - Rio. 1967.

Parecer Trabalhista - Hospital X

P A R E C E R

Resumo: Terceirização - atividade-fim - cooperativa de trabalho - contratação obrigatória pela C.L.T. - responsabilidade do tomador de serviços.

O hospital X, por intermédio de seu administrador, trouxe-nos algumas questões de ordem jurídico-trabalhista para sobre elas emitirmos opinião.
Assim foram elas colocadas:
“O hospital X precisa saber o que e como fazer, sobre os seguintes assuntos:
1) Dentro de sua natureza histórico/social e jurídica, como atuar para não ser vítima da legislação trabalhista/social que inviabilizaria sua própria existência?
2) É possível efetuar alguma coisa em especial no caso da UTI (Unidade de Tratamento Intensivo)? O que? Como?
3) Empregados de atividades auxiliares dentro do hospital, podemos terceirizá-las? Como? Ex.: setor de manutenção, como oficinas de carpintaria, serralheria, mecânica, serviços de eletricista, de pintor, de pedreiro, de encanador, etc.)”
Outros dados tidos como importantes nos foram repassados pessoalmente pelo administrador do hospital.

Colocação do problema.

Nesta decada muito se falou e ainda se fala em desregulamentação do trabalho ou flexibilização do Direito do Trabalho.
A filha mais importante desse movimento é, sem dúvida,a chamada “terceirização”, termo criado por um jornalista gaúcho e adotado por todos os que, desde então, tratam do tema.
Na verdade, a terceirização não é nenhuma novidade; sempre existiu e até no meio menos desenvolvido. A atividade do “gato” ou turmeiro nos trabalhos do campo é expressão antiga e rudimentar da intermedição de mão-de-obra.
Houve uma primeira tentativa de regular a intermediação, via legislativa, como ocorreu com a lei do trabalho temporário de 1.973. Outra lhe sucedeu, regulamentando as atividades do vigilante bancário.
Entretanto, a terceirização, da qual se fala tanto atualmente, aparece com roupagem nova.
Ela, de princípio, se justificaria pela retirada da administração da empresa de serviços não identificados com seus objetivos comerciais, podendo, assim, se dedicar com maior ênfase na consecução destes.
Também a justificaria a redução de custos a especialização do terceirizado e a economia de escala, esta obtida pela otimização no uso de seu pessoal e de seus equipamentos.
Entretanto, no Brasil se vê a “terceirização como redução de custos porque simplesmente o terceirizado vai pagar salários menores do que o terceirizante pagaria aos seus trabalhadores, situação agravada ainda por uma quase corriqueira sonegação das obrigações sociais, além de diminuição de benefícios concedidos pela mesma terceirizante.” (Ainda o Enunciado nº 331, do T.S.T., in Jornal da Amatra - 3a. Região, fevereiro de 1.996)
Paradoxalmente, foi o Poder Judiciário, especificamente a Justiça do Trabalho, que mais “regulamentou” a terceirização, estabelecendo parâmetros e limites para esse tipo de relação de trabalho.
A jurisprudência da mais alta Corte Trabalhista, para separar a intermediação de mão-de-obra lícita da ilícita, estabeleceu distinção entre atividade-fim e atividade-meio. Atividade-fim seria aquela necessária e indispensável a produção do bem ou a realização do serviço. A atividade-meio a que, sem esses requisitos, dá melhores condições para a realização da atividade-fim ou a facilita.
De princípio, segundo essa divisão, as atividades ligadas à atividade-fim da empresa não são passíveis de terceirização lícita. As tidas como atividades-meio e outras ligadas a serviços auxiliares ou periféricos podem ser terceirizadas.
Esse critério, não obstante passível de críticas, vez que a atividade-fim de determinada empresa pode ser alterada, bastando, na maioria das vezes, uma simples alteração estatutária ou contratual, modificando o seus objetivos sociais, é o que prevalece na jurisprudência. (Conf. “Ainda o Enunciado nº 331, do T.S.T.”, citada)
O Colendo Tribunal Superior do Trabalho editou dois Enunciados cuidando do tema, o de número 256 e o de número 331, que revisou o primeiro.
Esse Enunciado, 331, estabelece que não forma vínculo de emprego do prestador de serviços com o tomador nas hipóteses das Leis 6.019/74, (trabalho temporário) e 7.102/83 (vigilância) e na contratação de serviços de limpeza e conservação e daqueles especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.
A juíza Alice Monteiro de Barros, relatando acórdão, bem esclareceu tudo o que se disse: “Constata-se, portanto, que a intermediação de mão-de-obra ligada à atividade-fim da empresa deve ser obtida pela via comum, que é o contrato de emprego, pois não se pode admitir o aluguel de mão-de-obra. Logo, intermediar, ‘terceirizar’, descentralizar, delegar tarefas canalizadas para a atividade-fim do usuário das mesmas, além dos limites previstos nas Leis nº 6.019/74 e nº 7.102/83, assim como no E. 331, do T.S.T., merece repúdio da melhor doutrina e dos tribunais, que denuncia as conseqüências anti-sociais dessa contratação, em face do aviltamento das relações laborais.” (RO/02324/95, publ. 21.04.95, in Etécnico Jurisprudência Trabalhista).
Cumpre registrar que a intermediação de mão-de-obra para prestação de serviços ligados à atividade-fim da empresa pode não ter conseqüências na área de fiscalização previdenciária.
No campo do Direito do Trabalho, entretanto, há repercussões, e a primeira delas é a declaração, pela Justiça do Trabalho, que a relação de emprego se estabelece diretamente entre o tomador dos serviços e o trabalhador da empresa terceirizada.
Explicita bem esse entendimento acórdão do T.R.T. da 3a. Região, aqui trazido pela ementa: “Comprovado nos autos que a atividade obreira é essencial à dinâmica empresarial da tomadora de serviços e se evidenciando a pessoalidade e subordinação do trabalhador perante esta tomadora, que não é ente público, configura-se como ilícita a terceirização alegada, formando-se o vínculo com o empregador até então dissimulado (Enunciado 332, T.S.T.” (RO-02545/94, Rel. Maurício Godinho Delgado, in Revista do T.R.T. 3a. Região, nº 53, pag. 482, destaque nosso).
Dentro desse entendimento, reconhece-se ao trabalhador todos os direitos e vantagens conferidos aos demais empregados da tomadora dos serviços, como, verbi gratia, adicional por tempo de serviço, gratificações especiais, piso salarial da empresa e os fringe benefits (bolsas de estudos, fornecimento de utilidades, como habitação e veículos, planos de saúde, “auxilio-creche”, clube de recreação, “vale-refeição”, etc.).
Dependendo da expressividade dos benefícios, pode a empresa tomadora de serviços a ser onerada com indenizações de vulto.

As questões trazidas à consulta.

Feitas essas considerações, passamos a enfrentar as questões que nos foram formuladas.
1) Sendo o hospital X uma entidade que, mesmo sem fins lucrativos, exerce atividade econômica, há de cumprir as obrigações trabalhistas que lhe impõe a legislação.
Reconhece-se que essa legislação é complexa, criadora de formalismos injustificáveis. A situação ficou ainda mais insustentável com a adoção de Medidas Provisórias para regulamentar as relações de trabalho.
A jurisprudência, com decisões conflitantes dos Tribunais, vem igualmente tornar mais complexa a tarefa dos operadores do direito.
O que é possível fazer, dentro da legislação de momento e de entendimentos jurisprudenciais dominantes e mais recentes, é estabelecer regras de procedimento e de conduta quanto ao trato com as relações de trabalho.
A possibilidade de passivo trabalhista vir a inviabilizar a “existência” do hospital é remotíssima. A não ser que passe a descumprir todas as obrigações sociais e isto permaneça por largo tempo.
2) A primeira questão concreta diz respeito a relação de trabalho entre médicos e hospital, pela prestação de serviços dos primeiros na UTI.
Segundo informação verbal do administrador, é o hospital X que remunera os plantões dos médicos na UTI, que, por ser deficitária, é mantida pelo consórcio de saúde. Os recursos são repassados pelo consórcio ao hospital X, contabilizados como receita deste, que, por seu turno, paga a remuneração dos médicos.
Aqui merecem ser feitas breves observações sobre o contrato de trabalho, regulado na C.L.T.
Segundo informações do administrador, os médicos que atendem no hospital recebem sua remuneração dos clientes particulares, dos planos de saúde, SUS, etc. Isto é, não são pagos pelo hospital
Neste caso, falta um dos elementos essenciais do contrato de trabalho, qual seja, o pagamento de salário.
Essa forma peculiar de trabalho e remuneração de médicos agregados a hospital é antiga e de adoção generalizada.
Os Tribunais, de um modo geral, não acolhem a tese da relação de emprego nesses casos.
Uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1a. Região é paradigmática: “Médico. Relação de emprego. Ausência de salário. Inexiste relação de emprego entre médico e hospital, quando o médico nada recebe a título de remuneração do hospital, tem completa liberdade para atender e cobrar de seus pacientes, sem nada repassar ao hospital, e ainda deve pagar ao hospital, pelas instalações e material usados.” (RO-3767/91, Rel. Juiz Délvio José Machado, pub. in Dicionário de Decisões Trabalhistas, Edições Trabalhistas, 24a. edição, pag. 477).
Entretanto um aspecto dessa decisão deve ser ressaltado: a relevância do fato relativo aos custos impostos aos médicos pelo uso de instalações e aparelhos de propriedade do hospital.
A gratuidade de uso pode, em tese, ser vista como salário indireto, sendo que, na especial forma de labor dos médicos aqui tratada, a remuneração é o único elemento faltante dos legalmente previstos para configuração do vínculo empregatício.
Se o hospital cede gratuitamente instalações, aparelhos e equipamentos aos médicos quando prestam serviços a clientes particulares e por essa atividade venha o hospital auferir alguma receita (atividade econômica tendo como o fato gerador mais importante o serviço do médico), em tese essa situação pode configurar contrato de emprego entre médicos e hospital.
Seria de todo conveniente que se cobrasse dos médicos uma taxa de utilização das instalações, equipamentos e aparelhos de propriedade do hospital, ainda que em valor módico, para ficar extreme de dúvida que inexiste subordinação econômica.
No caso da UTI, pela situação particular da prestação de serviços naquela unidade, não se pode aplicar o mesmo entendimento adotado para o trabalho dos médicos em outros setores.
Recebendo eles remuneração diretamente da Santa Casa, cumprindo horários, estabelecidos nos “plantões” e evidentemente seguindo procedimentos técnicos ou aqueles estabelecidos em regulamentação interna do hospital, resta configurada, inafastavelmente, a relação de emprego tratada na C.L.T.
As soluções aventadas pelo administrador, quando do nosso contato, com toda certeza, se adotadas, trarão problemas no futuro.
Uma delas, a formação de uma cooperativa de trabalho, não colheria sucesso.
Após o acréscimo do parágrafo único do artigo 442, da C.L.T., ocorrido em 1.994 e dispondo que não há vínculo de emprego entre associado e cooperativa, surgiu um expressivo número de cooperativas de trabalho no Brasil.
Mas milhares de reclamações foram dirigidas a essas mesmas cooperativas, já que criadas exatamente para encobrir autênticos contratos de emprego. E a solução dos tribunais tem sido no sentido de ter como existente uma relação de emprego entre o “associado” e o tomador dos serviços.
Nesse sentido, os RO 3.079/97, 3.700/97, 01332, 03359/96, 12745/96, do T.R.T., da 3a. Região, publicados na Revista do T.R.T., da 3a. Região, vol. 57, pag. 431 e 523).
Por modelar, transcreve-se a ementa de um julgado no mesmo sentido: “A regra insculpida no parágrafo único, do artigo 442/CLT não pode ser objeto de interpretação meramente gramatical. O referido dispositivo deve ser analisado e entendido, a exemplo de qualquer outro, como parte integrante da estrutura do ordenamento jurídico pátrio, com a qual deve harmonizar-se. Se os autos mostram a relação de emprego, exclui-se automaticamente a relação cooperativista, assumindo os fatos os contornos de contrato de trabalho.” (T.R.T.-R)-3700/97, 3a. T., Rel. Antonio Álvares da Silva, in Revista do T.R.T., 3a. Região, julho/dezembro/1997, pag. 432)
A segunda solução, constituição de uma sociedade de prestação de serviços que intermediaria a mão-de-obra médica, encontraria a mesma repulsa.
É que, conforme exposto acima, a intermediação de mão-de-obra somente é permitida em atividade-meio ou nos serviços auxiliares ou periféricos, nos moldes do Enunciado nº 330, do C. T.S.T.
No caso de hospital e, com mais razão, de UTI, é óbvio que os serviços médicos são caracterizados como atividade-fim e, assim, não passíveis de terceirização.
É bem verdade que a Ordem de Serviço nº 164, de 18.06.97, do INSS, admite, para efeitos de fiscalização, que se considere como não empregado o médico plantonista de UTI quando “contratado como pessoa jurídica.” (número 1.1, letra b)
Registre-se, primeiramente, que uma simples ordem de serviço não tem força para definir o que seja trabalho subordinado ou trabalho autônomo. Somente lei ordinária tem competência para isso.
Em segundo lugar, não pode passar sem comentário a absurda afirmação ali posta. Com efeito, o médico, plantonista ou não, jamais pode ser contratado como pessoa jurídica. Ou é autônomo ou empregado; pessoa jurídica não trabalha.
A figura da pessoa jurídica constituída de um só titular somente tem existência no plano do direito comercial, com firma individual declarada na JUCEMG, e assim mesmo para atender interesses do fisco. Fora desse campo, o titular e a pessoa jurídica são uma só pessoa para efeitos de responsabilização.
Como a atividade de prestação de serviços médicos não é de natureza comercial, seria impossível, no caso, admitir que um médico se apresentasse como pessoa jurídica.
De crer-se que a referida Ordem de Serviço não vincula nem mesmo a fiscalização do INSS, vez que, repita-se, não pode, por vício de origem, regulamentar matéria de exclusiva competência de lei ordinária. Isto é, não impede a Ordem de Serviço que o fiscal venha autuar o hospital se não estiver este procedendo de acordo com a lei.
Por tais razões, entende-se que não há como, nos moldes em que se desenvolve a prestação de serviços, não se considerarem os médicos plantonistas da UTI como empregados, no figurino da C.L.T.
3) A última questão trazida à exame trata da possibilidade de terceirização de atividades tidas como auxiliares.
Segundo os parâmetros do multicitado Enunciado nº 331, do C. T.S.T., os serviços apontados - de carpintaria, de serralheria, de mecânica, de pintura, etc. - podem ser perfeitamente terceirizados, pois não são atividades-fim do hospital.
Entretanto, algumas observações devem ser feitas.
A jurisprudência trabalhista não acolhe a tese de inexistência de relação de emprego, quando a condição de empregado é transmudada para a de autônomo, sem alteração do modo de execução do trabalho. Casos mais corriqueiros que chegam a Justiça do Trabalho são os de empregados vendedores passando a condição de representantes comerciais. Ordinariamente, essa mudança do nomem iuris não traz qualquer alteração na forma e nas condições da prestação de serviço.
Nessa linha, colhe-se a seguinte decisão:“É fraudulenta a dispensa de empregado, para sua imediata contratação, através de interposta pessoa, quando houve continuidade na prestação de serviços para a tomadora dos serviços ...” (T.R.T. -RO 6830/97, 4a. T. Rel. Juiz Luiz Ronan Neves Koury, in Revista do T.R.T., nº 57, pag. 431).
Dessa forma, seria aconselhável que os prestadores de serviços “terceirizados” não fossem os atuais empregados.
Se tal não for de conveniência do hospital, que se exija que o trabalho não seja pessoal. Isto é, que outras pessoas da empresa tercerizada prestem as mesmas tarefas e serviços cometidos aos ex-empregados.
A pessoalidade, talvez, seja o traço mais distintivo da relação de emprego.
A doutrina de forma unânime tem assentado que o contrato de emprego é em razão da pessoa, daí que “o trabalho deve ser estritamente pessoal. Quem realiza um contrato de trabalho não pode ser substituído por outro. Por isso se diz que é intuitu personae com respeito ao trabalhador. É compreensível que assim seja porque, por efeito da mesma inseparabilidade entre a prestação e a pessoa do trabalhador, não são indiferentes as condições de habilidade e de confiança de cada pessoa. Trata-se de situações ou condições intransferíveis.” (Américo Plá Rodriguez, in Curso de Direito do Trabalho, trad. João da Silva Passos, Ed. Ltr, 1982, pg. 28)
Assim também leciona o professor Isis de Almeida: “a prestação de serviços do empregado é contratada intuitu personae; só ele pode cumprí-la, inadmitindo-se que o ajuste se faça para que o desempenho das tarefas caiba, indistintamente, a uma e ou a outra pessoa.” (Curso de Legislação do Trabalho, Sugestões Literárias, 3a. edição, pag. 25)
Como se percebe, a manutenção dos ex-empregados, prestando os mesmos serviços e de forma pessoal, constitui fortíssimo indício para a Justiça considerar a relação de trabalho como de emprego.
Segundo informações verbais do administrador, parece que há pretensão do hospital X no sentido de fornecer aos prestadores de serviços a infra-estrutura atual daquele, isto é, oficinas, máquinas, equipamentos, ferramental, etc.
É de toda conveniência que essa cessão não seja gratuita ou com um preço meramente simbólico.
A incapacidade financeira do prestador de serviços suprida pelo tomador de serviços pode ser vista como subordinação econômica que, embora sem o prestígio de antes, é vista ainda como indício de contrato de trabalho. Nesse sentido, decidiu o E. T.R.T., da 3a. Região (RO 111/96, 2a. T. Rel. Eduardo Augusto Lobato, in Rev. do T.R.T., 3a. Região, pag. 457).
Um dos inconvenientes maiores da terceirização é a eventual mas sempre possível insolvabilidade dos prestadores de serviços, sejam estes pessoas físicas, sejam jurídicas.
O inciso IV, do Enunciado nº 331, do C. T.S.T., dispõe que o “inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo.”
Em linguagem leiga: se alguma empresa prestadora de serviços não pagar corretamente os empregados, esses poderão ajuizar reclamação contra ela e contra a empresa tomadora dos serviços; se não paga a dívida, serão as duas empresas, prestadora e tomadora, condenadas a quitar o débito; se a prestadora de serviços não tiver patrimônio, serão penhorados os bens da tomadora de serviços.
Daí, deverá o hospital X exigir, inclusive clausulando no contrato de prestação de serviços que ajustar com os prestadores de serviço, comprovação mensal do cumprimento das obrigações trabalhistas relativas aos empregados da prestadora.
Conveniente ainda que selecione o hospital X os seus prestadores de serviços. Estes devem ter idoneidade econômico-financeira, obviamente proporcional ao empreendimento, para que possam responder, isoladamente, pelas dívidas com seus empregados.
Inúmeros são os casos levados à justiça em que os tomadores dos serviços acabam pagando as dívidas dos terceirizados.
Finalmente, há de ser salientado, embora não seja matéria jurídica, que a generalização da terceirização, observada há alguns anos, vem sendo restringida.
Não porque haja empecilhos jurídicos, mas por estratégia administrativa.
É que, embora determinados serviços não sejam ligados a atividade-fim, se revestem de tal importância que não podem ficar a cargo de terceiros, pessoas sem maiores vínculos com a empresa tomadora.
Exemplifique-se com os serviços de engenheiro de computação ou de técnico em informática. Hoje os aparelhos e equipamentos médicos carregam dentro de si inúmeros componentes eletrônicos e simplesmente não podem ficar fora de uso. Outro exemplo se tem com os serviços de eletricista. Inimaginável que possa, atualmente, um hospital funcionar sem energia elétrica.
Como se sabe, o empregado não tem apenas subordinação jurídica; existe também a subordinação hierárquica.
Assim, está o empregado sempre sujeito, em casos de necessidade, a ser convocado para prestar serviços a qualquer momento. O desatendimento de ordens do empregador, nesse caso, constitui falta grave por parte do empregado.
O mesmo não ocorre com o prestador sem esta subordinação. Se não atender a convocação do empregador, ficará apenas sujeito a penalidades pecuniárias, normalmente tarifadas no contrato e de pouca monta, por descumprimento do ajustado no mesmo contrato.
Não custa lembrar que as indenizações por morte, lesões físicas, etc., caindo todas na vala comum dos danos morais, têm alcançado cifras assustadoras, o que recomenda a busca de perfeição na prestação de serviços hospitalares.

Conclusão

1) Inexistem fórmula ou procedimento, dentro da legislação, que possam garantir indenidade; sempre haverá mudanças de tendências jurisprudênciais, além de alterações legais, apontando soluções diferentes das até então adotadas. O que se pode fazer, ou melhor, o que se deve fazer, é ser conservador na interpretação de dispositivos legais bem como aceitar com reservas os novos modelos de relação de trabalho, vez que a modernização no campo do Direito do Trabalho não comporta a velocidade que vem sendo imprimido a ela. Afinal, o Direito do Trabalho tem uma evolução de mais de cem anos, sendo ilusório que ocorram alterações substanciais nele, em meia dúzia de anos.
2) Pela especialidade da prestação de serviços na UTI, não se vê como possível a contratação de autônomos ou de empresa intermediadora de mão-de-obra. A admissão há de ser nos moldes da C.L.T.; qualquer outra modalidade de contratação pode acarretar problemas com a fiscalização da previdência e trazer pendengas judiciais, com sério risco de aumento do passivo trabalhista.
3) A terceirização dos serviços ligados à atividade-meio é possível, mas hão de ser tomadas precauções, pois inidoneidade financeira e econômica dos prestadores de serviço poderá trazer sérios prejuízos ao hospital.
É o nosso parecer, s.m.j.

Passos, 20 de julho de 1.999.

Raul Moreira Pinto
OAB/MG 18.981

Pedro Junqueira Bernardes
OAB/MG 59.291

Bibliografia:

1) Raul Moreira Pinto, Jornal da Amatra/3a. Região, fevereiro de 1.996
2) Etécnico - Jurisprudência Trabalhista - Ementário eletrônico)
3) Revista do T.R.T., 3a. Região, vol. 53
3) Dicionário de Decisões Trabalhistas, Edições Trabalhistas, 24a. edição.
4) Revista do T.R.T. da 3a. Região, vol. 57
5) Curso de Direito do Trabalho, Américo Plá Rodriguez, Ltr, 1.982.
6) Curso de Legislação do Trabalho, Isis de Almeida, Sugestões Literárias, 3a. edição.
7) C.L.T. , Editora Atlas, 100a. edição.

Parecer trabalhista - Servidores Públicos

P A R E C E R

Resumo: isonomia salarial - lei municipal - competência legislativa - observância da C.L.T. - legalidade de condição suspensiva - discriminação legítima. l

O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais do Município X, consulta sobre a legalidade de se conferirem abonos diferenciados para certas categorias de servidores do Município, via lei municipal.
Tem a consulente dúvidas sobre a falta de observância do princípio da isonomia, tratado em algumas regras constitucionais.
A questão trazida a exame pode ser assim resumida:
a) a lei municipal referida, de nº 000/95, publicada a 02.04.95, concedeu um reajuste linear a todos os servidores, no percentual de 5,34%.
b) A algumas categorias conferiu abonos, em percentuais variáveis, chegando o mais elevado a 30%.
c) Tais abonos, conforme preceitua a mesma lei, teriam a natureza de adiantamento, esse a ser observado nas correções salariais determinadas à generalidade dos empregados pela legislação salarial do Governo Federal.
Registre-se que o regime de servidores do Município é celetista.
Postos os fatos que interessam ao parecer, necessário se façam algumas considerações de ordem doutrinária, inda que sem maior aprofundamento.

O princípio da igualdade de todos perante a lei

O grande jurista Evaristo de Morais Filho, discorrendo sobre o princípio da isonomia, afirma que “A nosso ver, é o mais amplo e o primeiro dos princípios gerais do direito, porque por ele começa a própria justiça. Sem a igualdade inicial de todos perante a lei, seja qual for a sua condição social, impede-se alguns ou a muitos de poderem recorrer a qualquer autoridade pública do Poder Executivo ou do Judiciário para defender os seus direitos esbulhados ou ameaçados”.(Curso de Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao Professor Amauri Mascaro Nascimento, Ltr, 1.991, vol. I, pag. 105)
Já o emérito constitucionalista Celso Ribeiro Bastos conceitua a igualdade como uma “relação entre dois entes quando estes apresentam as mesmas características, a mesma estrutura, a mesma forma; quando, enfim, não apresentem desigualdades que se nos afigurem relevantes.” (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 18a. edição, 1.997, pag. 180).
Na verdade, a função da lei é exatamente estabelecer diferenciações, observado um critério razoável e aceito no meio social pelos indivíduos. O que o princípio da isonomia veda é a discriminação que se estabelece por critérios “subalternos, portadores de preconceitos ou mesmo voltados à estatuição de benefícios e privilégios que possam vir a interferir em uma discriminação justa e razoável feita pela lei.” (Celso Ribeiro Bastos, op. citada, pag. 183).
Nessa mesma linha J.G. Gomes Canotilho, para quem “quando não houver motivo racional evidente, resultante da ‘natureza das coisas’, para desigual regulação de situações de facto iguais ou igual regulação de situações de facto desiguais, pode considerar-se uma lei, que estabelece essa regulação, como aribitrária.” (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra Editora, 1994, pag. 382).
Mas é bom observar que, como bem salientou José Afonso da Silva, firme em lição de Petzold, “Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois tratamento igual não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àqueles que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os ‘iguais’ podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador.” (Curso de Direito Constitucional Positivo, R.T., 6a. edição, 1.990, pag. 192)
Na verdade o que o princípio da isonomia veda é a discriminação que se estabelece por critérios “subalternos”, na expressão de Ribeiro Bastos.
O certo é que a diferenciação estabelecida pela lei, dentro de critérios de discriminação razoáveis e justos, não atenta contra o princípio da isonomia.

A isonomia sob o ângulo econômico.

Talvez seja no plano econômico que mais se reclama a aplicação do princípio da isonomia. É com certeza onde as diferenças se mostram mais visíveis e, sem exagero, mais dolorosas, pois está a questão visceralmente ligada à distribuição dos bens terrenos.
Entretanto, a igualdade nessa distribuição de riqueza é impossível, não fosse inconveniente, isso em razão da própria diversidade dos indivíduos.
Nesse enfoque, observa Celso Ribeiro Bastos que em “Direito, o princípio da igualdade torna-se de mais difícil conceituação porque o que ele assegura não é a mesma quantidade de direito para todos os cidadãos. A igualdade nesse sentido é uma utopia. Nela todos disporiam de igual quantidade de bens, seriam remunerados igualmente e todas as profissões teriam a mesma dignidade. Nesse mundo, todos seriam efetivamente iguais.” (op. citada, pg. 180).
Não obstante, além da desigualdade imposta pela natureza, há outras originadas de desnivelamentos no meio social. Gomes Canotilho as chama de “desigualdades fácticas (sociais, económicas, culturais)” e afirma que ao legislador se impõe a eliminação dessas desigualdades para a realização da igualdade jurídica. E a eliminação vai-se traduzir na igualdade de oportunidades, (op. citada, pag. 382), o que Bobbio denominou de equalização dos pontos de partida.
Na realidade, é fácil perceber que essas desigualdades fáticas não derivam somente da desigualdade natural, mas na ausência da igualdade de oportunidades.
Os que sustentam que diferenças decorrem das desigualdades fáticas, ordinariamente os paladinos do liberalismo, acabam criando um paradoxo.
Com efeito, enquanto sua cartilha reza que aos mais capazes deva pertencer um maior quinhão de bens, o que justificaria a existência de pobres e de ricos, ao mesmo tempo, não lhes repugna o direito hereditário como forma de aquisição de bens e nem a desigualdade de oportunidades entre os nascidos de famílias abastadas e aqueles originados de famílias pobres.
Não há nenhuma virtude, talento ou habilidade que destaque o indivíduo pelo só fato de ser bem nascido. Entretanto, já nasce previlegiadamente desigual e enfrentará a vida com melhores oportunidades que outros, ainda que mais capazes sejam eles.
Mas parece fora de dúvida que é a desigualdade natural a causa primeira de todas as discriminações, legítimas e ilegítimas.
Como bem observa Celso Ribeiro Bastos, entre os homens há sempre distinções pessoais. Alguns são mais talentosos, outros mais esforçados, outros, ainda, possuidores de um dom especial. A própria habilidade das pessoas não é igual, o que faz com que algumas se insinuem mais e ascendam à posição de mando. Enfim, o quadro natural predispõe o homem para ser desigual. (op. citada, pag. 180/181).
Essa diferença de capacidade e de habilidade, verificada entre os homens e ditada pela própria natureza, tende a provocar uma distribuição desigual de bens materiais e, consequentemente, de riquezas, mas francamente desproporcional à intensidade daquela mesma diferença. Isto é, a distribuição das riquezas não guarda jamais uma aceitável e aproximada proporção entre o descompasso dos talentos individuais e a posse de bens materiais.
Aliás, com a habitual argúcia, observou Pontes de Miranda que a distribuição desigual de bens não deriva tão somente da desigualdade de fato, mas “sim a resultante, em parte, de desigualdades artificiais, ou desigualdades de fato mais desigualdades econômicas”. (Apud José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, op. citada, pag. 193)
O descompasso entre talento e posse de riquezas acima referido é que verdadeiramente dá origem, numa ponta, às grandes fortunas de poucos e, na outra, leva milhões de pessoas à pobreza. Em expressão mais adequada à Economia, é o que acarreta a má distribuição de renda.
Essa desproporção deriva da insaciabilidade dos homens em amealhar bens, o que, por seu lado, tende a reduzir a solidariedade entre aqueles. E, paradoxalmente, é esta mesma solidariedade natural que torna possível o convívio em sociedade.
Assim, quando a disparidade na distribuição das riquezas vai-se tornando desproporcional aos talentos dos que as detêm, a solidariedade, que deveria ser espontânea, é imposta pelo Estado. Há, então, interferência desse, legislando para restabelecer uma desigualdade mínima - desigualdade que não foi das preocupações da natureza, repita-se - entre os membros de determinado grupo social, para preservar um relativo equilíbrio na fruição de bens e na equalização das oportunidades.
A lei surge, então, para corrigir essa desproporcionalidade. Todavia não persegue ela uma igualdade perfeita, mas aproximada e factível, agrupando indivíduos em certas categorias onde estariam os membros delas em condições mais ou menos iguais, tendo estes, assim, tratamento idêntico. Indíviduos de outras categorias distintas, também teriam tratamento idêntico, mas desigual daqueles das primeiras categorias.
À lei é impossível regrar a conduta de cada pessoa, individualmente, observando suas especiais características. Por isso que se identificam grupos ou categorias mais ou menos homogêneos, criando a lei regras específicas, a par das genéricas que cuidam de toda a coletividade.
Destarte, por razões políticas e até mesmo de ordem prática, a lei vem dispor sobre a igualdade no tratamento de membros de determinado grupo ou categoria, observada a especificidade destes. Isso, é certo, não promove uma igualdade perfeita, absoluta.
Já a desigualdade que a mesma lei vem estabelecer tem origem nas diversidades dos grupos e das categorias e não particularmente nas dos indíviduos que deles participam.
Dai, de se concluir, inafastavelmente, que a igualdade preconizada pela lei não se realiza nem mesmo quando ela trata de igual forma os membros de uma mesma categoria ou grupo, pois os indivíduos que a compõem, repita-se, não são iguais.
A não equalização de direitos não ocorre de modo completo, porque é impossível a criação de leis, por assim dizer, individuais, como observado.
Mas essa impossibilidade não modifica a essência do princípio, que é de distinguir os indivíduos pelas suas diferenças, dentro de um modelo possível.
Por isso que, na verdade, a diretriz adotada pelo Estado não é a da igualdade, e sim o da desigualdade, como melhor, ou talvez único, modo de se conseguir uma aceitável distribuição dos bens terrenos entre os membros de determinada sociedade.
Por outro lado, não busca essa diretriz, por inatingível o escopo, um tratamento para cada membro da sociedade exatamente de acordo com suas habilidades e talentos, com perfeita simetria entre o que merece e o que pode e deve possuir. A diretriz aspira obter uma aproximada proporcionalidade entre as desigualdades.
Admitido esses supostos, reiterada a venia, não há como não denominar o princípio da isonomia de princípio da mitigação da desigualdade.
Como visto, não busca o princípio isonômico, por impossível o fim, uma igualdade perfeita entre os indivíduos, mas corre em direção ao estabelecimento de uma razoável proporcionalidade entre as desigualdades e os talentos de cada um.
O que almeja lei que dá obediência ao referido princípio é, para evitar a iniquidade trazida pelo descompasso entre as diferenças de talentos e a posse de bens materiais (aliás, diferenças imperantes tanto entre os que levam a classificação de iguais em cada categoria, como entre aqueles tidos como desiguais), guardar, repita-se, uma aceitável proporcionalidade entre as diferenças de capacidades e de bens apropriados.
Por outro lado, querer confrontar vantagens sem considerar as condições de cada categoria destinatária dos benefícios é tratar igualitariamente a todos e, com isso, perpetrando mais desigualdades ou, no mínimo, mantendo as já existentes. Na ironia de Anatole France, sustentar “a majestosa igualdade das leis que proibe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de furtar um pão.” (apud Evaristo Morais Filho, op. citada, pag. 107).
Por todo o exposto, conclui-se que a lei necessariamente tem de discriminar, porque a desigualdade no plano econômico sempre decorreu e ainda decorre originariamente do fato de se procurar dar a todos um tratamento igual, sem observância das diferenças de talentos de cada um e da proporcionalidade que deve existir entre a capacidade para possuir e o possuído.

A competência para legislar sobre Direito do Trabalho.

Compete à União, exclusivamente, legislar sobre Direito do Trabalho. Não há espaço concorrencial para que o Estado federado e o Município possam fazê-lo. (Constituição Federal, artigo 22, inciso I).
Diante desta constatação, tem-se que qualquer regramento de relações de trabalho realizado por Estado federado ou Município para reger as relações de trabalho com seus servidores, ainda que sob a forma lei, tem apenas força de regulamento de empresa.
Não obstante a forte presença de normas heterônomas no ajuste laboral, não há dúvida que a legislação pátria tem a relação de emprego como de natureza contratual e de direito privado.
Assim, quando o poder público absorve mão-de- -obra sob a égide da C.L.T., verdadeiramente assume a posição do empregador privado. Isto é, não existe uma relação institucional, como ocorre com o servidor estatutário.
O fato de a Carta Magna deitar diretriz sobre a admissão pela Administração Pública de servidores pela C.L.T., pelo Estatuto ou pelo contrato administrativo, não desfigura o contrato de trabalho nem a sua natureza de direito privado. (artigo 37, inciso II, da Constituição Federal)
Também em nada alteram essa situação as regras inculpidas no citado artigo 37, da Lei Maior, especificamente, quanto ao comportamento da Administração na condução das coisas públicas.
Resumindo: o Poder Público, quando adota como regime de seus servidores a C.L.T., tem os mesmos deveres e obrigações impostas ao empregador privado; a regulamentação particularizada das relações dos Estados federados ou dos Municípios com seus servidores, ainda que venha aquela por lei, tem a mesma natureza do regulamento de empresa, com as condições criadas pela mesma regulamentação aderindo a cada contrato individual de trabalho mantido com os servidores.
Disso tudo se conclui que a lei municipal nº 000/95, que reajustou salários e concedeu abonos não pode sofrer a pecha de inconstitucional por ferir o princípio da isonomia a ser observado pelo legislador, vez que materialmente não é lei de natureza trabalhista, já que a competência para legislar sobre Direito do Trabalho é exclusiva da União.
Conclui-se mais que se está, portanto, em seara de direito privado, com as leis aplicáveis aos particulares incidindo igualmente sobre as relações de trabalho entre os servidores celetistas e a Administração Pública.

Do princípio da igualdade entre particulares

Verificado que, guardadas certas peculiaridades da contratação de servidores e da conduta do Poder Público na administração e condução das coisas públicas, previstas na Constituição Federal, a relação entre servidores e o Município que adota o regime da C.L.T. é regulada por esse diploma e por leis trabalhistas extravagantes, há de ser examinado o problema sob a ótica da igualdade entre particulares.
Celso Ribeiro Bastos, em indagação feita a ele próprio a respeito da possibilidade da aplicação do princípio da igualdade entre particulares, responde no sentido afirmativo.
Diz o grande constitucionalista pátrio que “A igualdade no direito moderno, além de ser um princípio informador de todo o sistema jurídico, reveste-se também da condição de um autêntico direito subjetivo.” (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1.997, pag. 183).
O mesmo autor também se indaga se pode haver discriminação nas relações entre particulares, quando esta decorra do “alijamento de categorias humanas” e se faz “segundo critérios odiosos e que ofendam a dignidade humana”. A esta pergunta responde negativamente.
Mas essa discriminação ofensiva ao princípio isonômico é exatamente aquela que é proscrita para a lei pelo ordenamento jurídico pátrio. Isto é, não pode haver discriminação entre sexos, idade, raça, cor, credo, e outras que “ofendam a dignidade humana”, no dizer do citado constitucionalista.
Assim, tanto a discriminação feita pela lei como aquela efetivada entre particulares, hão de obedecer aos mesmos parâmetros postos para sua legalidade ou proscrição no ordenamento jurídico pátrio.
Em conseqüência, estreitando o foco do parecer, examinar-se-á se a indigitada lei municipal - repita-se, lei apenas formalmente - feriu o princípio de isonomia entre particulares, já que, como observado, a Administração Pública, quando admite servidores pela C.L.T., a estes se equipara.

Do princípio isonômico no Direito do Trabalho.

Alguns juslaboristas, como observa Isis de Almeida, (Curso de Legislação do Trabalho, Sugestões Literárias S/A, 1.978, pag. 122) sustentaram, na vigência da Constituição de 1.969, emendada, que o artigo 461, da C.L.T., regulamentava integralmente o dispositivo daquela Carta garantidor da isonomia salarial.
Entretanto, esse entendimento à luz daquela Constituição era equivocado. Presentemente, com a atual Carta Magna, menos se justifica sustentar aquele ponto de vista.
Veja-se que na Lei Consolidada encontram-se outros artigos que tratam do princípio isonômico, como o 5º, (igual salário para trabalho de igual valor), o 6º (equipara o trabalho na empresa com o realizado em domicílio), o 358 (equiparação de salários entre nacionais e estrangeiros), o artigo 766 (fixação de salários nos dissídios coletivos). Vejam-se, ainda, as restrições impostas quanto ao trabalho de mulheres e menores.
Exemplo de aplicação do referido princípio, sem regulação expressa pela lei, é dado por Isis de Almeida, que cita o caso de empregados que trabalham para mais de uma empresa de grupo solidário, simultânea e indistintamente. Nesse caso, eles devem ter todas as vantagens gerais concedidas aos empregados de uma das consorciadas, sem necessariamente se cumprirem os requisitos do artigo 461, da C.L.T. (op.citada, pag. 122).
De qualquer forma, como já exposto acima, admitida a aplicação do princípio isonômico entre particulares, toda a discriminação fora dos critérios racionais, é ilegal e ilegítima.
Assim, a lei municipal ora sob exame e considerada como regulamento de empresa, poderia, em tese, malferir o princípio isonômico, mesmo que o que nela se dispôs não seja objeto de proibição expressa em qualquer um dispositivo da C.L.T.
Mas cumpre aqui lembrar o que dispõe o artigo 8º, desse diploma. Ali se determina que, na falta de disposições legais ou contratuais, as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho decidirão pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito.

Da jurisprudência sobre os temas

A jurisprudência é o direito vivo, dinâmico e, por isso, de inestimável valia a uma boa interpretação de princípios jurídicos e das leis.
Assim, considera-se útil trazerem-se à colação alguns julgados dos tribunais pátrios, que cuidaram de alguns temas aqui tratados.
O E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em Embargos Infringentes, assentando que a “igualdade nominal não se confunde com a igualdade real”, decidiu que “Cargos de igual denominação podem ser funcionalmente desiguais, em razão das condições de trabalho de um e de outro; funções equivalentes podem diversificar-se pela qualidade ou pela intensidade do serviço ou ainda, pela habilitação profissional dos que a realizam.” (E.I., nº 198.804-1. São Bernardo do Campo, in JUIS, 13)
Aquele Tribunal, fazendo perfeita distinção entre cargo e função, conclui que as condiçoes de trabalho, como diversidades das atribuições, qualificação profissional e intensidade de serviços, podem afastar a incidência do princípio isonômico, por não haver identidade quanto as citadas condições de prestação de serviços.
Vale dizer, não se aplica o princípio isonômico ainda que haja identidade de cargos e mesmo de funções; somente uma identificação muito grande de tarefas, de capacidade do prestador de serviço e de carga de trabalho é que justificará a identidade de salário.
O Excelso Supremo Tribunal Federal, no RE 80.767/76- SC, entendeu que inaplicável o princípio isonômico, quando “o tratamento desigual - ainda que possa ser acoimado de injusto - de situações desiguais, na medida de sua desigualdade atende ao princípio da isonomia. Ao princípio da isonomia, se violado esse preceito constitucional, caberia ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada, não, porém como pretende a Recorrente, - estendê-la para alcançar hipóteses expressamente afastadas do âmbito de sua incidência”. (2a. Turma, Rel. Moreira Alves, in JUIS Saraiva 13)
Aquela Corte assentou ainda que a solução, mesmo que fosse inconstitucional a lei que provocou diferença de tratamento de servidores, não seria a de garantir as mesmas vantagens dos beneficiados, e sim a de declarar a inconstitucionalidade do diploma, sem alterar a situação dos não beneficiados.
Em termos mais claros, se não há expressa previsão de benefícios para certas categorias de servidores e a lei que os concedeu vai contra a Constituição Federal por malferir o princípio isonômico, a sentença jamais poderá “consertar” a lei, adequando-a a esse Diploma Maior, porque nessa hipótese haveria invasão de competência do Poder Judiciário. Se a lei é inconstitucional assim há de ser declarada, mas sem extensão de benefícios a outros que não os visados pela mesma lei.
Quanto a esse julgado, crê-se que se tratava de questão envolvendo servidores estatutários de Estado-Membro, eis que o Excelso S.T.F. enfrentou a questão sob o ângulo da inconstitucionalidade de lei estadual, que é a própria para regular aquela relação institucional.
Em outra decisão, considerou o mesmo Tribunal que “não impede” a aplicação do princípio isonômico uma “nova avaliação, por lei, a qualquer tempo, dos vencimentos reais a atribuir a carreiras ou cargos específicos”, e, no mesmo sentido da decisão no RE 86.767/76, supra citado, entendeu que “se entende ser o caso de inconstitucionalidade por ação e se defere a suspensão do dispositivo constitucional, o provimento cautelar apenas prejudicaria o reajuste necessário dos vencimentos da parcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem nenhum benefício para os excluídos do seu alcance” (ADIn. nº 526, T. Pleno, Rel. Sepúlveda Pertence, in Juis Saraiva 13)
Conforme se percebe, cuidava o caso de funcionários públicos federais, portanto estatutários e com as relações de trabalho regidas pela Lei 8.112/90.
O que de mais importante se extrai dessa decisão é que restou assentado que a Administração Pública não está impedida de, sempre por lei, atribuir a determinados e específicos cargos, aumentos de vencimentos, pois, do contrário, isso significaria, no dizer do v. acórdão “um imperativo de estratificação perpétua da escala relativa dos vencimentos existentes no dia da promulgação da Lei Fundamental.”
Já na área do Direito do Trabalho, colhe-se uma decisão do Colendo T.S.T., (AG-MS 52548/92.3, Rel. Min. Marcelo Pimentel, in Dic. de Dec. Trabalhistas, Ed. Trabalhistas, 24a. ed., pag. 421/422) em que se define o alcance da expressão “sem distinção de qualquer natureza”, posta no artigo 5º, da Constituição Federal.
Para aquele Tribunal, a expressão é “meramente reforçativa, porque o papel da lei é efetivamente implantar diferenciações.”
Isto quer dizer que a probição de distinguir é relativa, observando ainda aquele julgado que até mesmo a Constituição consagra diferenciações.

Da Lei Municipal nº 000/95

A Lei nº 960/95, conforme se vê de sua ementa, dispõe sobre concessão de aumento e adiantamento salarial aos servidores municipais.
Pelo seu artigo primeiro, foram concedidos “aumento e antecipação salarial” para os servidores ocupantes dos cargos relacionados no mesmo dispositivo. As vantagens alcançaram os inativos, segundo faixas de proventos, tendo como parâmetro o “piso nacional de salários”.
O parágrafo primeiro, do mesmo artigo primeiro, deixa claro que o aumento salarial é, para todas as categorias, de 5,34%, sendo que o excedente desse percentual foi considerado como “antecipação salarial a ser descontada em futuros aumentos concedidos pela política salarial do Governo Federal.”
O parágrafo segundo, do citado artigo, dispõe que os percentuais mencionados no caput do mesmo dispositivo incidirão sobre os valores salariais do mês de fevereiro de 1.995.
De se observar que, na data da sanção da Lei nº 960/95, não mais vigia qualquer lei federal que cuidasse de política salarial.
O fato de inexistir lei federal tratando do assunto, viigente à data da sanção da multicitada Lei nº 960/95, não torna esse diploma passível de questionamento.
Ali há uma condição resolutiva lícita, pois não existe qualquer dispositivo constitucional que proíba o legislador ordinário de voltar a regulamentar a política salarial do país (artigos 115 e 119, do C.C.B.). Isto é, quando houver reajustes, via lei federal, serão compensados os percentuais que excederem de 5,34%. O fato de ser pouco provável que se retorne ao antigo sistema - reajustes salariais através de lei - não coloca a condição como defesa, nos moldes da segunda parte do citado artigo 115, do C.C.B., já que não priva de todo o efeito o ato e nem sujeita os servidores ao arbítrio do Executivo Municipal.
Na verdade, se inexistia, como já dito, legislação salarial quando da edição da Lei nº 000/95, o excedente do percentual de 5,34% de reajuste tem a natureza de abono, embora prevista a sua extinção, por compensação com futuros possíveis correções salariais, via lei federal.

Da inexistência de discriminação ilegítima na lei nº 960/95

Não há dúvida que a malsinada Lei nº 000/95 tratou desigualmente os servidores municipais, relativamente a concessão de abonos a seus servidores.
Mas os motivos foram lícitos, racionais e lógicos, como se procurará demonstrar à frente.
Barassi, segundo informa Evaristo de Moraes Filho, chegou mesmo a levantar a questão sobre a possibilidade de aplicar-se genericamente a analogia no Direito do Trabalho, ante as incontáveis regulamentações especiais das várias categorias. E indaga o nosso juslaboralista: “o que tem a ver o aeronauta com o ferroviário, com trabalhadores em minas, com petroleiros, com vendedores pracistas, com bibliotecários, e assim por diante? As exceções, aqui, como sempre, confirmam a regra. Dentro de cada regulamentação especial continua funcionando plenamente o princípio da isonomia: os iguais entre si são tratados igualmente, por isso que são desiguais dos outros.” (op. citada, pag. 118).
O artigo 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, trata especificamente da proibição da discriminação de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado.
“Este princípio”, leciona Amauri Mascaro Nascimento, “é desdobramento do preceito maior do artigo 5º, da mesma Carta Magna: ‘Todos são iguais perante à lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’ e ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.” (Comentários às Leis Trabalhistas, Ltr, 1.991, pag. 115).
A proibição de discriminar se verifica entre profissionais de uma mesma área. Assim, não é alcançado pela proibição o diferençar o trabalho técnico de um engenheiro e o trabalho manual de um artesão.
Não há discriminação proibida nem quando o empregador remunera melhor um professor primário do que um advogado, ainda que, dentro da normalidade do mercado de trabalho essa situação seja de ocorrência pouco provável.
De princípio, o patrão é o senhor da valoração do serviço que lhe presta seus colaboradores. Sendo ele quem assume os riscos do empreendimento, parece lógico que deva ser o único juiz a decidir qual a profissão ou atividade que lhe é mais interessante, do ponto de vista empresarial.
Há o exemplo clássico: o hospital que paga salário maior ao médico do que ao engenheiro e uma ferrovia que remunera mais a um engenheiro do que a um médico.
A esse respeito, é valiosa a lição de Mozart Victor Russomano: “Em várias passagens da legislação, em todos os capítulos da doutrina, encontramos a consagração brasileira do chamado poder diretivo do empregador, graças ao qual ele escolhe o modo de orientar o serviço, de executar a tarefa, de realizar os negócios, de manter a disciplina interna, de designar empregados para funções de confiança ou de comando, etc. Um dos aspectos do poder diretivo do empregador, precisamente, é a possibilidade de fazer a melhoria de salários e efetuar promoções a seu juízo exclusivo, respeitada, apenas, a igualdade de tratamento aos que, na mesma função, desenvolvem o mesmo trabalho.” (Comentários à C.L.T., Forense, 13a. edição, 1.990, pag. 468).
Como se vê, a Lei nº 960/95 não discriminou ilicitamente, pois os abonos que trouxeram diferenciação nos ganhos gerais dos servidores foram concedidos a detentores de determinados e distintos cargos e em percentuais variáveis.
Discriminatória seria se ela concedesse reajustes diferenciados dentro de uma mesma categoria, aumentando o salário de um engenheiro em percentual maior do que o aplicado aos ganhos de outro engenheiro de igual qualificação e com as mesmas atribuições.

Conclusão.
A guisa de conclusão, faz-se um resumo de toda a explanação, confrontando as idéias lançadas com os comandos da Lei nº 960/95:
a) a função da lei é exatamente estabelecer a diferenciação, vez que diferentes, pela natureza, são os indivíduos;
b) a isonomia, sob o aspecto econômico, busca preservar uma desigualdade mínima, que se traduzirá numa proporção aproximada entre o valor dos talentos e os dos bens apropriados pelos mais capazes; dentro desse enfoque, o princípio isonômico poderia ser chamado de “princípio de mitigação da desigualdade”;
c) ante à impossibilidade de a lei dar tratamento particular a cada um dos indivíduos, ela os agrupa em categorias, onde se mostram aqueles com algumas características homogêneas; aos membros dessas categorias dá ela tratamento igual;
d) essa “equalização” para os membros de cada categoria não significa que o escopo da lei é igualar; a lei, quando lhe é possível, sempre desiguala;
e) o Município adota como regime comum de seus servidores o da C.L.T. e a competência para legislar sobre Direito do Trabalho é da União, logo a Lei Municipal nº 000/95 é lei “trabalhista” apenas sob o aspecto formal; vale ela como regulamento interno de empresa, aderindo suas disposições aos contratos individuais de trabalho que o Município mantém com cada um de seus servidores;
f) os critérios de admissão de servidores e os rígidos limites impostos ao comportamento do administrador na condução das coisas públicas não desfigura a natureza da relação entre Município e seus servidores celetistas, pelo que se situa a questão posta a exame no campo do Direito Privado;
g) se a lei nº 000/95 há de ser considerada apenas como lei formal, já que não poderia dispor sobre Direito do Trabalho e, quanto à sua substância, deve ser tida tão somente como instituidora de novas cláusulas nos contratos individuais de trabalho que mantém com seus servidores, não pode sofrer a pecha de lei inconstitucional, porque, se repita, não é lei material; poder-se-ia falar de inconstitucional o ato patronal, veiculado por lei formal, que concedeu reajustes e abonos diferenciados;
h) não mais se discute que também os particulares devam observar o princípio isonômico nas relações entre si; as discriminações permitidas e as proibidas nelas são as mesmas admitidas ou proscritas pelo ordenamento jurídico.
i) estando o Município equiparado ao empregador privado, já que admitiu seu pessoal sob o regime da C.L.T. e alterou cláusulas remuneratórias dos contratos de trabalho que mantém com seus servidores, a questão da isonomia há de ser tratada com a especificidade do Direito do Trabalho;
j) o princípio da isonomia não se esgota no comando do artigo 461, da C.L.T.; inúmeros são os dispositivos que provocam diferenciações e as disposições da Lei Municipal nº 000/95 não estariam imunes ao malferimento daquele princípio;
k) os Tribunais pátrios têm-se orientado no sentido de que não há se falar em contrariedade ao princípio isonômico se as situações tratadas diversamente não são iguais, mesmo que possa esse tratamento ser visto como injusto;
l) a Lei Municipal nº 000/95 estabeleceu diferenças, ao não conceder abonos a todos e em percentuais distintos, mas tal discriminação é razoavel, pois aquinhoou aqueles cargos que eram de menor remuneração, mitigando a desigualdade social, na expressão de Canotilho;
m) o fato de não viger, à época da edição da Lei nº 960/95, qualquer diploma federal regulamentando política salarial não torna inválida a disposição sobre compensação de valores decorrentes dos abonos, se e quando vierem a ser reguladas correções salariais pelo Estado.
n) os abonos não foram concedidos em percentuais diferentes para cargos iguais e é o empregador o único juiz para decidir sobre qual profissão ou atividade que lhe é mais interessante para fins de fixação de remuneração.
Em resumo: os abonos concedidos pela Lei nº 000/95 não contrariam a legislação trabalhista e nem malferem o princípio da isonomia, constitucionalmente garantido.
É o nosso parecer, s.m.j.
Passos, agosto de 1.999.

Raul Moreira Pinto Pedro Junqueira Bernardess