MBOIMIRIM - Às avessas, a grafia comanda a fala.
As nossas denominações geográficas revelam
a afeição pelos nomes de origem tupi.
O Estado de São Paulo é exemplo expressivo da
preferência de seus habitantes pelos nomes “bárbaros que o gentio, dominador
outrora, lhe aplicou, que os conquistadores respeitaram e que hoje são de todos
preferidos”1
A primazia do tupi ressalta na designação dos
nomes das regiões da Capital paulista:
Ibirapuera - que foi mata (ibirá = pau, tronco, árvore + puera, aquilo que foi e já não é)2
Mooca - fazer casa (moo = fazer + oca, casa)3
Pacaembu - arroio de pacas (paca 4= animal roedor+ Embu1, filete d`água, arroio)
Tucuruvi - gafanhoto verde (tucur = gafanhoto = obi,
verde)3
Itaquera - a
pedreira abandonada (ita = pedra + quera, velho extinto)1
Ipiranga - água vermelha (Y = água; piranga = vermelho)2
Tatuapé - no caminho do tatu (tatu
= tatu + apé = caminho)2
Vamos
ao “MBoi-Mirim”, não ao bairro, mas à expressão objeto destas considerações.
A pronúncia tupi da expressão “MBoi Mirim” revela que não há nenhum fonema antes do /b/, o que há é uma ressonância nasal da bilabial, que Theodoro Sampaio, manifestando zelo pela fidelidade à fala, recomenda que se diga “umboi ou imboi”, esforçando-se para nasalar ou nasalizar a consoante. A recomendação, por exclusão, não acolhe a articulação “emeboi”, com o acréscimo de duas sílabas, onde nem fonema há. Existe ali apenas um elemento suprassegmental ou prosodema, como são os acentos, os tons e a duração. Esta amplamente verificada em latim.
Segundo o PADRE Lemos Barbosa, o fonema /b/ “é sempre precedido de m, ainda que esta letra não figure”5. Quer ele dizer que a dita bilabial oclusiva é nasal na língua tupi.
Do mesmo modo o Pe. Anchieta: “...nunca se pronuncia (sic) B em princípio... sem m, e posto que por incúria se escrevesse sem m, sempre se lhe há de prepor...”6 Entenda-se que essa “pré-posição” é em prol da nasalização do /b/, não em benéfico da letra.
Vê-se, pois, que as consideraões de Barbosa e de Anchieta não significam que dito m represente a letra eme ou o fonema /m/. Representa um prosodema para emprestar nasalidade ao /b/.
Tudo isso em tupi. Em português não temos fonema consonantal nasal.
Como a nasalidade da vogal em português pode ser marcada com til, e com as consoantes nasais m e n (m, por ser bilabial, antes das bilabiais p e b; n, por ser dental, com as demais consoantes, mormente as da mesma natureza, as dentais t e d), tenta-se marcar com a bilabial m a nasalidade tupi da bilabial b de boi.
A conseqüência é essa excrescência ou superfluidade extravagante. Não temos b nasal, mas há um nasalador tentando nasalar ou nasalizá-lo. Não consegue, mas não sai de lá. E o leitor, diante daquilo, não sabe como proceder. Como não tem escapatória e o beco não tem saída, o jeito é ler o nome da letra, eme, e depois os sinais lingüísticos boi mirim.
Em vez da fala guiar a escrita, isto é, se não temos /b/ nasal, falece razão para marcá-lo com o sinal correspondente, a insistência em registrar o sinal, acaba por forçar o leitor a ler a marca e não, por impossível, o resultado dela. Assim, insistindo-se em marcar o /b/, o sinal acaba por obrigar o leitor a ler a marca que não marca, articulando o apêndice EME - EMEboi mirim. É a escrita guiando a fala.
Não diremos que é o rabo abanando cachorro, por considerarmos grosseira e chula mencionada figura. Mas abana! M´Boi Mrim.
1 - Sampaio -
Theodoro. O Tupi na Geografia Nacional. Instituto Histórico e Geográfico. 1901
2 - Pe. A Lemos
Barbosa. Curso de Tupi Antigo. Revista dos Tribunais
3 - Silveira Bueno,
Vocabulário Tupi-Guarani. Efeta Editora, 1998
4 - Cunha - Antônio
Geraldo. Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi.
Melhoramentos
, 1976
5 - Barbosa, Pe. A. Lemos. Curso de Tupi Antigo. Revista dos
Tribunais. Pág. 28
6 - Anchieta, José de. Arte de Gramática da Língua mais
Usada na Costa do Brasil. Edição
fac- -similada da edição de 1595.
Universidade Federal da Bahia. Folha 2 verso