segunda-feira, 17 de maio de 2021

M'BOIMIRIM

MBOIMIRIM  - Às avessas, a grafia comanda a fala.

                                As nossas denominações geográficas revelam a afeição pelos nomes de origem tupi.

                                O Estado de São Paulo é exemplo expressivo da preferência de seus habitantes pelos nomes “bárbaros que o gentio, dominador outrora, lhe aplicou, que os conquistadores respeitaram e que hoje são de todos preferidos”1

                              A primazia do tupi ressalta na designação dos nomes das regiões da Capital paulista:                     

Ibirapuera       - que foi mata (ibirá = pau, tronco, árvore + puera,  aquilo que foi e já não é)2

Mooca             - fazer casa (moo = fazer + oca,  casa)3

Pacaembu        - arroio de pacas (paca 4=  animal roedor+ Embu1, filete d`água, arroio)

Tucuruvi          - gafanhoto verde (tucur = gafanhoto = obi, verde)3

Itaquera            - a pedreira abandonada (ita = pedra + quera, velho extinto)1

Ipiranga            - água vermelha (Y = água; piranga = vermelho)2

Tatuapé             - no caminho do tatu (tatu = tatu + apé = caminho)2

                

                            Vamos ao “MBoi-Mirim”, não ao bairro, mas à expressão objeto destas considerações.

                            A pronúncia tupi  da expressão  “MBoi Mirim” revela que não há nenhum fonema antes do /b/, o que há é uma ressonância nasal da bilabial, que Theodoro Sampaio, manifestando zelo pela fidelidade à fala, recomenda que se diga “umboi ou imboi”, esforçando-se para nasalar ou nasalizar a consoante. A recomendação, por exclusão, não acolhe a articulação “emeboi”, com o acréscimo de duas sílabas, onde nem fonema há. Existe ali apenas um elemento suprassegmental ou prosodema, como são os acentos, os tons e a duração. Esta amplamente verificada   em latim.

                            Segundo o PADRE Lemos Barbosa, o fonema /b/  “é  sempre precedido de m, ainda  que esta letra não figure”5.  Quer ele dizer que a dita bilabial oclusiva é nasal na língua tupi.

                           Do mesmo modo o Pe. Anchieta: “...nunca se pronuncia (sic) B em princípio... sem m, e posto que por incúria se escrevesse sem  m, sempre se lhe há de prepor...”6  Entenda-se que essa  “pré-posição”  é em prol da nasalização do /b/, não em benéfico da letra.

                          Vê-se, pois, que as consideraões de Barbosa e de Anchieta não significam que dito m represente a letra eme ou o fonema /m/.  Representa um prosodema para emprestar nasalidade ao /b/.

                            Tudo isso em tupi. Em português não temos fonema consonantal nasal.

                            Como a nasalidade da vogal em português pode ser marcada  com til, e com as  consoantes nasais m e n (m, por ser bilabial, antes das bilabiais p e b; n, por ser dental, com as demais consoantes, mormente as da mesma natureza, as dentais t e d), tenta-se marcar com a bilabial  m a nasalidade tupi da bilabial b de boi.

                              A conseqüência é essa excrescência ou superfluidade extravagante. Não temos b nasal, mas há um nasalador tentando nasalar ou nasalizá-lo. Não consegue, mas não sai de lá. E o leitor, diante daquilo, não sabe como proceder. Como não tem escapatória e o beco não tem saída, o jeito é ler o nome da letra, eme, e depois os sinais lingüísticos boi mirim.

                            Em vez da fala guiar a escrita, isto é, se não temos /b/ nasal, falece razão para marcá-lo com o sinal correspondente, a insistência em registrar o sinal, acaba por forçar o leitor a ler a marca e não, por impossível, o resultado dela. Assim, insistindo-se em marcar o /b/, o sinal acaba por obrigar o leitor a ler a marca que não marca, articulando o apêndice EME - EMEboi mirim. É a escrita guiando a fala.

                            Não diremos que é o rabo abanando cachorro, por considerarmos grosseira e chula mencionada figura. Mas abana!    M´Boi Mrim. 

 

 

 

 

 

             

1 -  Sampaio - Theodoro. O Tupi na Geografia Nacional. Instituto Histórico e Geográfico. 1901

2 -  Pe. A Lemos Barbosa. Curso de Tupi Antigo. Revista dos Tribunais

3 -  Silveira Bueno, Vocabulário Tupi-Guarani. Efeta Editora, 1998

4  - Cunha - Antônio Geraldo. Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi.

      Melhoramentos ,  1976

5 - Barbosa, Pe. A. Lemos. Curso de Tupi Antigo. Revista dos Tribunais. Pág. 28

6 - Anchieta, José de. Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil.  Edição fac-    -similada da edição de 1595. Universidade Federal da Bahia. Folha 2 verso