terça-feira, 30 de março de 2010

DA LEI AO REGULAMENTO

Pedro Junqueira Bernardes
Yara Bugatti Bernardes

Advogados

PARECER



Resumo:



a) As categorias de tempo e aspecto na forma verbal infinitiva.

b) A “equivalência” semântica entre a função sintática

desempenhada pela forma verbal infinitiva e a desempenhada

pela forma verbal finita.



Uma das chapas concorrentes à eleição para a Diretoria da OAB, Subseção de Passos, por intermédio de um dos seus membros, trouxe-nos algumas questões de ordem semântico-gramatical, para sobre elas emitirmos opinião e exarar parecer.



Assim foram elas colocadas:



a) “A redação do parágrafo segundo (§ 2.º), do artigo 63, da Lei 8.906/94, Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, obrigando o candidato a comprovar o exercício da profissão por mais de cinco anos, exige que os referidos cinco anos de exercício sejam de forma ininterrupta ou consecutiva?”



b) “O regulamento da sobredita Lei, ao tratar do mencionado artigo naquele parágrafo, por força de sua nova redação, com o verbo da oração complemento não mais no infinitivo, mas no subjuntivo presente, impôs a forma ininterrupta ou consecutiva de fluência dos cinco anos?”



1) Examinando-se o § 2.º, do art. 63 daquele diploma legal, conclui-se que



“O candidato deve comprovar



1) situação regular junto à OAB;

2) não ocupar cargo exonerável ad nutum;

3) não ter sido condenado por infração disciplinar, salvo

reabilitação, e

4) exercer efetivamente a profissão há mais de cinco anos.”



Inicialmente, registre-se que a segunda exigência não está muito bem colocada. Pela redação, o exonerável ficou sendo o cargo, quando sabemos que exonerável é o candidato. Melhor redação, SMJ, seria: “não ocupar cargo do qual possa ser exonerado ad nutum”. Da mesma forma, a condição colocada na terceira exigência ficou vaga, “salvo reabilitação”. Melhor seria, ainda ressalvando melhor entendimento, “salvo se reabilitado”.



Bem, essas não são as questões colocadas.



Vamos às que se colocaram:



Conforme se vê, o objeto direto da locução "deve comprovar" é composto, ou seja, é formado de vários núcleos, quase todos de natureza oracional. Apenas o primeiro da série não é oracional: “situação regular junto à OAB”. Verifica-se que o último membro da composição é justamente a oração reduzida de infinitivo



"EXERCER EFETIVAMENTE A PROFISSÃO HÁ MAIS DE CINCO ANOS",



cujo núcleo do predicado é a forma verbal infinitiva



“EXERCER”.



Como sabemos, a forma verbal infinitiva, por ser INfinitiva (ou seja, não finitiva, se se pudesse dizer assim), não é determinada quanto às categorias de tempo, número e pessoa, e mesmo de aspecto. Quando muito, teríamos uma determinação apenas de modo - o modo infinitivo. Talvez nem isso. E é muito natural, mesmo lógico, que assim seja, pois, caso não o fosse, não poderíamos falar em infinitivo, mas em forma verbal finita, com as categorias próprias do verbo, tais como, a de modo e tempo, chamada “modo/temporal”, e a de número e pessoa, chamada “número/pessoal”, pelo fato de termos um único morfema cumulando as categorias de modo e tempo, e outro morfema, também cumulativo, para o número e a pessoa.



Mattoso Câmara (Dicionário de Filologia e Gramática) ensina que "o infinitivo é forma verbo-nominal que corresponde à apresentação do processo em si mesmo em vez de sê-lo em função de um dado momento da sua realização, como nas formas verbais propriamente ditas."

Manuel Said Ali Ida, quem melhor estudou o emprego do infinitivo, ensina que "O infinitivo designa a ação ou estado, de modo vago. É a forma verbal de que nos utilizamos quando FAZEMOS ABSTRAÇÃO DO SUJEITO E DO TEMPO DA REALIZAÇÃO DOS SUCESSOS" - O destaque é nosso. Gramática Secundária - Melhoramentos - 1964.



Vem a talho de foice a lição de Bechara, forte em Said Ali, quando preceitua que "Fora da locução verbal, 'a escolha da forma verbal infinitiva depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou necessidade de pormos em evidência o agente do verbo' " - Bechara, Evanildo - Moderna Gramática Portuguesa, Ed. Lucerna - 1999.



Perfeitamente aplicável a lição ao caso presente, em que não há locução verbal e em que se põe em evidência apenas a pessoa do agente, o sujeito, ou seja, o candidato, sem nenhuma referência ao tempo do evento.

2) SOBRE O REGULAMENTO



O regulamento, ao referir-se ao § 2.º do referido art. 63, deu tratamento desenvolvido às orações reduzidas, ou seja, substituiu as orações reduzidas de infinitivos por orações desenvolvidas encabeçadas, por isso mesmo, pela conjunção (que chamamos de nominalizador) "que". E ficou assim:



a) "que não ocupe", por: "não ocupar";

b) "que não tenha sido condenado", em vez de: "não ter sido

condenado";

c) "que exerça", no lugar de: "exercer".



Acabou por-se ter uma equivalência sintática, o que não quer dizer que se tenha o mesmo conteúdo semântico.



O vezo de substituir orações reduzidas por desenvolvidas, e vice-versa, vale como exercício sintático ou de estilo. Nunca porém como idênticos meios de transmissão da mesma mensagem, ou do mesmo conteúdo semântico.



Uma coisa é dizer que o candidato deve comprovar EXERCER a profissão há mais de cinco anos. Outra é dizer que o candidato deve comprovar que EXERÇA a profissão há mais de cinco anos. Na oração reduzida o tempo é aberto, indeterminado - EXERCER, sem marca de tempo no verbo não finito - IN + finito. A marca de tempo aparece no adjunto adverbial HÁ MAIS DE CINCO ANOS, isto é, HÁ CINCO ANOS ATRÁS.



Já na oração desenvolvida: "deve comprovar que exerça há mais de cinco anos", temos duas marcas de tempo, uma na forma verbal finitiva EXERÇA, subjuntivo presente, e outra no adjunto adverbial: HÁ MAIS DE CINCO ANOS.



Em que pese ter a oração desenvolvida duas marcas de tempo, uma no verbo e outra no adjunto, não quer isso dizer que haja outra equivalência, agora com VENHA EXERCENDO, isto é, EXERÇA = VEM EXERCENDO. Então o candidato teria que comprovar o exercício contínuo nos últimos anos. Assim, pela comutação, ou pelas equivalências, teríamos o seguinte absurdo



"O candidato deve comprovar que vem exercendo a advocacia nos últimos cinco anos". Agora já mais distante ainda do texto “COMPROVAR EXERCER”, como está na lei.



Se o regulamento é de execução, deve ele cingir-se ao que diz a lei, sob pena de nulidade.



Oportuno é o ensinamento de Hely Lopes Meirelles: “Sendo o regulamento, na hierarquia das normas, ato inferior à lei, não pode contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposições. Só lhe cabe explicar a lei, dentro dos limites por elas traçados.” (5). Continua dizendo que “Como ato inferior à lei, o regulamento não pode contrariá-la ou ir além do que ela permite. No que o regulamento infringir o extravasar da lei, é írrito e nulo, por caracterizar situação de ilegalidade.” (5).



Em suma, a alteração posta no regulamento agrediu o texto da lei. Uma oração reduzida não é igual a uma oração desenvolvida, e uma oração desenvolvida, por sua vez, não é igual a outra em que se inclui no tempo a categoria de aspecto. “Provar exercer” não é igual a “provar que exerça” (categoria de tempo no verbo). Por seu turno, “provar que exerça” não tem o mesmo sentido que “provar que vem exercendo” (agora categoria de tempo e mais a de aspecto).



Ressalte-se que a agressão pode não parar por aí. Se o exegeta do regulamento entender que o exercício dos cinco anos deva se contínuo, malferidos estarão regulamento e lei, pois estará dando o intérprete àquele o caráter de regulamento autônomo, em vez de regulamento normativo ou de execução que ele é, com a agravante de acrescer--lhe a ausente categoria de aspecto, ou seja, do modo de desenrolar-se a ação, para cumprir o lapso de cinco anos.







Passos, maio de 2002.











1) Câmara Jr – Joaquim Mattoso: Dicionário de Filologia e Gramática. J. Ozon Editor

Rio de Janeiro/São Paulo – 1964.

2) Ida – Manuel Said Ali: Gramática Secundária. Melhoramentos. SãoPaulo –

1964.

3 – Bechara – Evanildo: Moderna Gramática Portuguesa – Ed.Lucerna/1999



4 - Barboza(sic) – Jerônimo

Soares: “Grammática Philosophica da Lingua Portuguesa, ou

Princípios da Grammatica da Gramática Geral Apl

Dos à nossa Linguagem. Academia Geral das Sciencias”

- Segunda Edição – Lisboa, 1.830.



5) – Meirelles – Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros – S.Paulo

1990.

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