terça-feira, 30 de março de 2010

Oração subjetiva

Sintaxe


A oração que não existe

Oração subjetiva não é subordinada, mas mesmo gramáticos de ponta desprezam uma importante distinção



Por Pedro Junqueira Bernardes



Pelo que se sabe, até hoje continua sem solução um problema seriíssimo de análise sintática, o das orações substantivas, classificadas todas como subordinadas, mesmo a que exerce a função de sujeito, como no exemplo de Herculano, colhido em Augusto Epifânio Silva Dias, em sua Sintáxe Histórica Portuguesa (Livraria Clássica Editora, 1954, 3ª edição): “É pouco crível que as tradições dos godos admitissem a pena de morte”

A falsa noção e, consequentemente, o falso conceito de oração subordinada tem levado os estudiosos às mais desencontradas, não raro desastradas, conclusões sobre o assunto.

Vejamos, nos quadros destas páginas, o que dizem a respeito algumas gramáticas, que refletem um pensamento não só dominante, mas unânime.

A crítica que fazemos a elas é que o sujeito, quer representado por oração (desenvolvida ou reduzida), quer por substantivo ou pronome substantivo, não é elemento subordinado. Embora se trate de verdade axiomática, ou verdadeiro princípio, ela se comprova com facilidade.



Sintagma

Segundo Joaquim Mattoso Câmara Jr., em Dicionário de Linguística e Gramática (Vozes, 8ª edição, 1978: 223), sintagma é “a combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior”. Ele explicita que, no espírito da definição, implícita em Saussure, entende-se hoje por sintagma duas formas combinadas, em que um elemento Determinante cria um elo de subordinação com outro elemento, Determinado.

No sintagma oracional (a oração), o determinado é o sujeito e o determinante, predicado. ”Assim, o adjunto está subordinado ao substantivo que ele determina, o verbo está subordinado ao sujeito, os complementos estão subordinados ao verbo.” (1978: 226)

Mattoso entende por subordinação a construção sintática em que uma oração determinante (subordinada), se articula com outra, “determinada por ela e Principal (sic) em relação a ela”. (1978: 226). O pecado aqui é que essa “Principal” (a determinada), sem a subordinada (determinante), em muitos casos nem chega a constituir-se “oração”. O nó da questão é que a oração determinante é subordinada e o elemento determinado é subordinante.



Determinante

Batidas as grandes estacas, ou seja, que o elemento determinante é sempre subordinado, e subordinado ao determinado, sempre subordinante, fica mais fácil entender porque a oração subjetiva não é oração subordinada.

Que se deixe de lado, pois, os critérios escorregadios, adotados para conceituar oração subordinada como:

a) modificadora e dependente;

b) termo de outra chamada principal;

c) membro dependente de outra;

d) oração secundária;

e) a que passa a uma camada inferior e aí funciona como pertença de outra unidade.

Propomos para a oração subordinada a denominação de oração determinante, pois é por ser determinante no sintagma que ela assume o caráter de oração subordinada, como o é qualquer função determinante, quer seja ou não oração.



Determinada

Reconhecida a subordinada como oração determinante, fica fácil reconhecer que a substantiva subjetiva não é oração subordinada, pois não determina o predicado (o sujeito não determina o predicado), pelo contrário, ela (sujeito) é determinada pelo predicado.

Sendo determinada, é subordinante, resgatando-se a primazia do sujeito, que jazia numa posição ancilar (de subordinado), que nunca foi sua verdadeira função.

Assim, na frase complexa, geral ou maior, “É bom que estudes”, o sujeito “que estudes” é determinado pelo predicado “é bom”. Em consequência, ele, o sujeito “que estudes”, como determinado, é o subordinante, e o predicado “é bom”, como determinante, é a função subordinada.

O predicado “é bom” não é oração (quanto mais principal!). Falta-lhe o sujeito, e o verbo não é impessoal. A oração de “é bom” é a frase inteira. Podem argumentar que o “que”, conjunção subordinativa integrante, por ser subordinativa, torna o sujeito elemento subordinado.

Ora, o “que” nem é conjunção nem é subordinativa. Trata-se de elemento nominalizador, conforme Francisco Soares de Melo (Revista da Faculdade de Filosofia de Passos, MG), a que Bechara (1999: 323) denomina “transpositor”, embora sem tirar-lhe o caráter de conjunção. Mas isso é matéria de outra argumentação.



Pedro Junqueira Bernardes é professor do Departamento de Letras da Faculdade de Filosofia de Passos (MG)



Boxe 1

O sujeito que não modifica o predicado



Segundo Eduardo Carlos Pereira, em Gramática Expositiva (Cia. Editora Nacional, 97ª edição, 1926), a “proposição subordinada, dependente ou secundária, é a que, tendo o seu verbo em qualquer modo, exceto no imperativo, modifica o sentido de outra de que depende, chamada subordinante, e à qual se subordina por partículas subordinativas ou pelas formas do infinitivo”.

A noção de oração subordinada envolve a de dependência aliada à propriedade de modificadora, “modifica o sentido de outra de que depende”.

Embora atribua à oração subordinada o caráter de modificadora, inclui ele entre elas a oração subjetiva. Dentre outros, dá o exemplo (1926: 285), um dos mais citados por nossas gramáticas: “É bom que estudes”.

O sujeito “que estudes” não tem nada de modificador do predicado “é bom” e, na mesma relação de interdependência, não se pode falar em sujeito dependente e predicado independente, e vice versa.



Boxe 2

Sujeito não é acessório



Maximino Maciel ensina, em Gramática Descritiva (Francisco Alves, 7ª edição, 1916: 329), que “os termos da proposição simples expandem-se, desenvolvem-se e assim a eles se ligam proposições acessórias...” No período de subordinação, explica, principal é a proposição cujos termos são desenvolvidos nas proposições subordinadas.

A principal, portanto, tem termos (ou termo) em forma de oração, e a subordinada é termo de outra. É o entendimento de Gladstone de Melo, em Gramática Fundamental da Língua Portuguesa (Acadêmica, 1968:234) e Novo Manual de Análise Sintática (Organização Simões, 1954: 113).

Ora, como sujeito e predicado são termos da oração (e essenciais), na relação entre eles não há primazia do predicado que permita afirmar que o sujeito é termo do predicado, esquecendo-se que também o predicado é termo do sujeito, pois é o que se diz dele.

Curioso é que Maciel (1968: 234) relaciona as funções das palavras ou expressões no organismo da proposição, na seguinte ordem: a) função subjetiva; b) predicativa; c) atributiva; d) objetiva; e) vocativa; f) adverbial. E acrescenta que as duas primeiras são fundamentais e as demais, acessórias. Ora, se o sujeito é função fundamental, não pode passar ele, por passe de mágica, quando constituído de oração, à função acessória, como no exemplo do autor: “Pesa-me que não viesseis (sic) mais cedo” (1968: 255)



Boxe 3

Há interdependência, não dependência



Júlio Ribeiro diz, em Gramática Portuguesa (Francisco Alves, 1913: 231), que “se um ou mais membros de uma sentença composta dependem de outro membro da mesma sentença, há relação de subordinação.”

Ele distingue cláusula principal dos membros dependentes e conceitua sentença e cláusula. “Sentença é uma coordenação de palavras ou mesmo uma só palavra formando sentido perfeito.” Prefere sentença a período (1968: 221). “Chamam-se cláusulas os membros da sentença, quando são tão conexos entre si que um depende do outro e até o modifica.”(1968: 223).

Dá exemplo: “Foge o veado, se o acossa o cão. Foge o veado é uma cláusula, se o acossa o cão, outra.” Para o autor, sentença é o mesmo que período (ele repele “período”); e cláusula, o mesmo que orações conexas, numa relação de dependência, em que uma modifica a outra.

“A cláusula substantivo pode ser: 1) sujeito do verbo da cláusula principal, ex.: Que eu caísse no laço era o que ela desejava.”

Segundo Ribeiro, subordinada é a oração dependente.

No exemplo, há interdependência entre sujeito (“Que eu caísse no laço”) e predicado (“era o que ela desejava”). Do mesmo modo que o sujeito depende do predicado, o predicado depende do sujeito.

Como se vê, o critério de dependência revela-se falho.



Boxe 4

Avanço no conceito



Manuel Said Ali sentia-se desconfortável, em Gramática Secundária (Melhoramentos, 1964), diante do vigente conceito de subordinação, quando se tratasse de sujeito oracional (oração subjetiva), e de determinantes indispensáveis à estrutura do período.

“Quando a subordinada representa o sujeito, um complemento essencial ou um termo atributivo de função restritiva, a oração principal sem a dita subordinada é uma proposição imperfeita e truncada”, como nas combinações:

“Quem porfia mata a caça”.

“Rio que tem cachoeira não é navegável”.

“Pedro diz que não me conhece”

Said Ali explica que as orações principais “mata a caça”, “rio não é navegável” e “Pedro diz” se revelariam truncadas sem suas subordinadas.

Como se vê, a interdependência existe. Há, então, um avanço no conceito de subordinada por Said Ali: “Orações subordinadas ou secundárias são desdobramento do sujeito, do complemento ou dos determinantes atributivos ou adverbiais em novas orações.” (1964: 130). Destacamos o termo “secundárias”.

De se lastimar é a inclusão do sujeito, por Said Ali, entre as subordinadas e a sua qualificação de secundário.



Boxe 5

Quando o predicado subordina o sujeito



Passemos a gramáticos mais próximos. O brasileiro Evanildo Bechara estuda as relações sintáticas de subordinação a partir da 37ª edição de Moderna Gramática Portuguesa (Lucerna, 1999). Diz ser próprio da oração subordinada ”passar a uma camada inferior” e aí funcionar como “membro sintático de outra unidade”. Leva-nos a concluir que é subordinada a oração que exerce função sintática de outra. Ou seja, passa de um estrato, que ele chama superior, para funcionar em outro estrato, inferior.

O exemplo de Bechara (1999: 462), aliado a seu comentário, comprova o entendimento: “O caçador percebeu que a noite chegou”.

“A primitiva oração independente a noite chegou transportou-se do nível sintático de independência para exercer a função de complemento ou objeto direto da relação predicativa da oração a que pertence o núcleo verbal percebeu: o caçador percebeu.”

Bechara inclui, entre as subordinadas substantivas, a subjetiva (1999: 484). As gramáticas europeias não fogem à regra.

A Gramática da Língua Portuguesa (Livraria Almedina, Coimbra, 1983), de Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Inês Silva Duarte e Isabel Hub Faria, dá ao sujeito oracional o tratamento de função subordinada. As autoras arrolam frases – a que chamam de superiores:

a. “Os críticos disseram que o filme ganhou o festival”.

b. “É surpreendente que o filme tenha ganho o festival”.

c. “Foi uma surpresa que o filme tivesse ganho o festival”.

As orações substantivas dos exemplos, uma objetiva direta e duas subjetivas, são chamadas “frases completivas”, encaixadas noutra frase, “superior”, provida de constituinte regente: em (a) a forma verbal “disseram”; em (b), o adjetivo “surpreendente”; em (c) o substantivo “surpresa”. A oração subjetiva, em (b) e (c), é considerada oração subordinada ao predicado nominal. Verdadeira inversão: o predicado subordinando o sujeito!



Boxe 6

A soberania do sujeito



Nos casos de combinação subordinativa (hipotaxe), o professor da Universidade do Porto Mário Vilela diz em Gramática da Língua Portuguesa (Livraria Almedina, 2ª edição, 1999) que existem, entre frases parciais de frase composta, “relações sintácticas de dependência”. As dependentes são frases subordinadas e a dominante, superior às subordinadas, de subordinante.” (1999: 382).

O professor inclui entre as subordinadas a oração sujeito:

“Não é do meu conhecimento onde ele vive”.

Lindley Cintra e Celso Cunha ensinam, em A Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lexikon Informática, 3ª edição, 2007: 600), que o sujeito representado por oração, classificada por isso como subordinada, acaba por perder sua soberania para subordinar-se ao predicado: “É certo que a presença do dono o sossegava um pouco”.

Curioso é que autores daquém e dalém mar reconhecem que o sujeito tem primazia sobre o verbo e, por isso, subordina o predicado, cujo núcleo, nome ou verbo, com ele concorda, como determinante do sintagma oracional.

Gladstone Chaves de Melo chega a ser enfático: “Assim como o predicado se subordina ao sujeito, o objeto direto se subordina ao verbo”; “Por aí se verificou que na frase oracional só o sujeito é subordinante essencial” (1954:

Sintaxe

A oração que não existe

Oração subjetiva não é subordinada, mas mesmo gramáticos de ponta desprezam uma importante distinção



Por Pedro Junqueira Bernardes



Pelo que se sabe, até hoje continua sem solução um problema seriíssimo de análise sintática, o das orações substantivas, classificadas todas como subordinadas, mesmo a que exerce a função de sujeito, como no exemplo de Herculano, colhido em Augusto Epifânio Silva Dias, em sua Sintáxe Histórica Portuguesa (Livraria Clássica Editora, 1954, 3ª edição): “É pouco crível que as tradições dos godos admitissem a pena de morte”

A falsa noção e, consequentemente, o falso conceito de oração subordinada tem levado os estudiosos às mais desencontradas, não raro desastradas, conclusões sobre o assunto.

Vejamos, nos quadros destas páginas, o que dizem a respeito algumas gramáticas, que refletem um pensamento não só dominante, mas unânime.

A crítica que fazemos a elas é que o sujeito, quer representado por oração (desenvolvida ou reduzida), quer por substantivo ou pronome substantivo, não é elemento subordinado. Embora se trate de verdade axiomática, ou verdadeiro princípio, ela se comprova com facilidade.



Sintagma

Segundo Joaquim Mattoso Câmara Jr., em Dicionário de Linguística e Gramática (Vozes, 8ª edição, 1978: 223), sintagma é “a combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior”. Ele explicita que, no espírito da definição, implícita em Saussure, entende-se hoje por sintagma duas formas combinadas, em que um elemento Determinante cria um elo de subordinação com outro elemento, Determinado.

No sintagma oracional (a oração), o determinado é o sujeito e o determinante, predicado. ”Assim, o adjunto está subordinado ao substantivo que ele determina, o verbo está subordinado ao sujeito, os complementos estão subordinados ao verbo.” (1978: 226)

Mattoso entende por subordinação a construção sintática em que uma oração determinante (subordinada), se articula com outra, “determinada por ela e Principal (sic) em relação a ela”. (1978: 226). O pecado aqui é que essa “Principal” (a determinada), sem a subordinada (determinante), em muitos casos nem chega a constituir-se “oração”. O nó da questão é que a oração determinante é subordinada e o elemento determinado é subordinante.



Determinante

Batidas as grandes estacas, ou seja, que o elemento determinante é sempre subordinado, e subordinado ao determinado, sempre subordinante, fica mais fácil entender porque a oração subjetiva não é oração subordinada.

Que se deixe de lado, pois, os critérios escorregadios, adotados para conceituar oração subordinada como:

a) modificadora e dependente;

b) termo de outra chamada principal;

c) membro dependente de outra;

d) oração secundária;

e) a que passa a uma camada inferior e aí funciona como pertença de outra unidade.

Propomos para a oração subordinada a denominação de oração determinante, pois é por ser determinante no sintagma que ela assume o caráter de oração subordinada, como o é qualquer função determinante, quer seja ou não oração.



Determinada

Reconhecida a subordinada como oração determinante, fica fácil reconhecer que a substantiva subjetiva não é oração subordinada, pois não determina o predicado (o sujeito não determina o predicado), pelo contrário, ela (sujeito) é determinada pelo predicado.

Sendo determinada, é subordinante, resgatando-se a primazia do sujeito, que jazia numa posição ancilar (de subordinado), que nunca foi sua verdadeira função.

Assim, na frase complexa, geral ou maior, “É bom que estudes”, o sujeito “que estudes” é determinado pelo predicado “é bom”. Em consequência, ele, o sujeito “que estudes”, como determinado, é o subordinante, e o predicado “é bom”, como determinante, é a função subordinada.

O predicado “é bom” não é oração (quanto mais principal!). Falta-lhe o sujeito, e o verbo não é impessoal. A oração de “é bom” é a frase inteira. Podem argumentar que o “que”, conjunção subordinativa integrante, por ser subordinativa, torna o sujeito elemento subordinado.

Ora, o “que” nem é conjunção nem é subordinativa. Trata-se de elemento nominalizador, conforme Francisco Soares de Melo (Revista da Faculdade de Filosofia de Passos, MG), a que Bechara (1999: 323) denomina “transpositor”, embora sem tirar-lhe o caráter de conjunção. Mas isso é matéria de outra argumentação.



Pedro Junqueira Bernardes é professor do Departamento de Letras da Faculdade de Filosofia de Passos (MG)



Boxe 1

O sujeito que não modifica o predicado



Segundo Eduardo Carlos Pereira, em Gramática Expositiva (Cia. Editora Nacional, 97ª edição, 1926), a “proposição subordinada, dependente ou secundária, é a que, tendo o seu verbo em qualquer modo, exceto no imperativo, modifica o sentido de outra de que depende, chamada subordinante, e à qual se subordina por partículas subordinativas ou pelas formas do infinitivo”.

A noção de oração subordinada envolve a de dependência aliada à propriedade de modificadora, “modifica o sentido de outra de que depende”.

Embora atribua à oração subordinada o caráter de modificadora, inclui ele entre elas a oração subjetiva. Dentre outros, dá o exemplo (1926: 285), um dos mais citados por nossas gramáticas: “É bom que estudes”.

O sujeito “que estudes” não tem nada de modificador do predicado “é bom” e, na mesma relação de interdependência, não se pode falar em sujeito dependente e predicado independente, e vice versa.



Boxe 2

Sujeito não é acessório



Maximino Maciel ensina, em Gramática Descritiva (Francisco Alves, 7ª edição, 1916: 329), que “os termos da proposição simples expandem-se, desenvolvem-se e assim a eles se ligam proposições acessórias...” No período de subordinação, explica, principal é a proposição cujos termos são desenvolvidos nas proposições subordinadas.

A principal, portanto, tem termos (ou termo) em forma de oração, e a subordinada é termo de outra. É o entendimento de Gladstone de Melo, em Gramática Fundamental da Língua Portuguesa (Acadêmica, 1968:234) e Novo Manual de Análise Sintática (Organização Simões, 1954: 113).

Ora, como sujeito e predicado são termos da oração (e essenciais), na relação entre eles não há primazia do predicado que permita afirmar que o sujeito é termo do predicado, esquecendo-se que também o predicado é termo do sujeito, pois é o que se diz dele.

Curioso é que Maciel (1968: 234) relaciona as funções das palavras ou expressões no organismo da proposição, na seguinte ordem: a) função subjetiva; b) predicativa; c) atributiva; d) objetiva; e) vocativa; f) adverbial. E acrescenta que as duas primeiras são fundamentais e as demais, acessórias. Ora, se o sujeito é função fundamental, não pode passar ele, por passe de mágica, quando constituído de oração, à função acessória, como no exemplo do autor: “Pesa-me que não viesseis (sic) mais cedo” (1968: 255)



Boxe 3

Há interdependência, não dependência



Júlio Ribeiro diz, em Gramática Portuguesa (Francisco Alves, 1913: 231), que “se um ou mais membros de uma sentença composta dependem de outro membro da mesma sentença, há relação de subordinação.”

Ele distingue cláusula principal dos membros dependentes e conceitua sentença e cláusula. “Sentença é uma coordenação de palavras ou mesmo uma só palavra formando sentido perfeito.” Prefere sentença a período (1968: 221). “Chamam-se cláusulas os membros da sentença, quando são tão conexos entre si que um depende do outro e até o modifica.”(1968: 223).

Dá exemplo: “Foge o veado, se o acossa o cão. Foge o veado é uma cláusula, se o acossa o cão, outra.” Para o autor, sentença é o mesmo que período (ele repele “período”); e cláusula, o mesmo que orações conexas, numa relação de dependência, em que uma modifica a outra.

“A cláusula substantivo pode ser: 1) sujeito do verbo da cláusula principal, ex.: Que eu caísse no laço era o que ela desejava.”

Segundo Ribeiro, subordinada é a oração dependente.

No exemplo, há interdependência entre sujeito (“Que eu caísse no laço”) e predicado (“era o que ela desejava”). Do mesmo modo que o sujeito depende do predicado, o predicado depende do sujeito.

Como se vê, o critério de dependência revela-se falho.



Boxe 4

Avanço no conceito



Manuel Said Ali sentia-se desconfortável, em Gramática Secundária (Melhoramentos, 1964), diante do vigente conceito de subordinação, quando se tratasse de sujeito oracional (oração subjetiva), e de determinantes indispensáveis à estrutura do período.

“Quando a subordinada representa o sujeito, um complemento essencial ou um termo atributivo de função restritiva, a oração principal sem a dita subordinada é uma proposição imperfeita e truncada”, como nas combinações:

“Quem porfia mata a caça”.

“Rio que tem cachoeira não é navegável”.

“Pedro diz que não me conhece”

Said Ali explica que as orações principais “mata a caça”, “rio não é navegável” e “Pedro diz” se revelariam truncadas sem suas subordinadas.

Como se vê, a interdependência existe. Há, então, um avanço no conceito de subordinada por Said Ali: “Orações subordinadas ou secundárias são desdobramento do sujeito, do complemento ou dos determinantes atributivos ou adverbiais em novas orações.” (1964: 130). Destacamos o termo “secundárias”.

De se lastimar é a inclusão do sujeito, por Said Ali, entre as subordinadas e a sua qualificação de secundário.



Boxe 5

Quando o predicado subordina o sujeito



Passemos a gramáticos mais próximos. O brasileiro Evanildo Bechara estuda as relações sintáticas de subordinação a partir da 37ª edição de Moderna Gramática Portuguesa (Lucerna, 1999). Diz ser próprio da oração subordinada ”passar a uma camada inferior” e aí funcionar como “membro sintático de outra unidade”. Leva-nos a concluir que é subordinada a oração que exerce função sintática de outra. Ou seja, passa de um estrato, que ele chama superior, para funcionar em outro estrato, inferior.

O exemplo de Bechara (1999: 462), aliado a seu comentário, comprova o entendimento: “O caçador percebeu que a noite chegou”.

“A primitiva oração independente a noite chegou transportou-se do nível sintático de independência para exercer a função de complemento ou objeto direto da relação predicativa da oração a que pertence o núcleo verbal percebeu: o caçador percebeu.”

Bechara inclui, entre as subordinadas substantivas, a subjetiva (1999: 484). As gramáticas europeias não fogem à regra.

A Gramática da Língua Portuguesa (Livraria Almedina, Coimbra, 1983), de Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Inês Silva Duarte e Isabel Hub Faria, dá ao sujeito oracional o tratamento de função subordinada. As autoras arrolam frases – a que chamam de superiores:

a. “Os críticos disseram que o filme ganhou o festival”.

b. “É surpreendente que o filme tenha ganho o festival”.

c. “Foi uma surpresa que o filme tivesse ganho o festival”.

As orações substantivas dos exemplos, uma objetiva direta e duas subjetivas, são chamadas “frases completivas”, encaixadas noutra frase, “superior”, provida de constituinte regente: em (a) a forma verbal “disseram”; em (b), o adjetivo “surpreendente”; em (c) o substantivo “surpresa”. A oração subjetiva, em (b) e (c), é considerada oração subordinada ao predicado nominal. Verdadeira inversão: o predicado subordinando o sujeito!



Boxe 6

A soberania do sujeito



Nos casos de combinação subordinativa (hipotaxe), o professor da Universidade do Porto Mário Vilela diz em Gramática da Língua Portuguesa (Livraria Almedina, 2ª edição, 1999) que existem, entre frases parciais de frase composta, “relações sintácticas de dependência”. As dependentes são frases subordinadas e a dominante, superior às subordinadas, de subordinante.” (1999: 382).

O professor inclui entre as subordinadas a oração sujeito:

“Não é do meu conhecimento onde ele vive”.

Lindley Cintra e Celso Cunha ensinam, em A Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lexikon Informática, 3ª edição, 2007: 600), que o sujeito representado por oração, classificada por isso como subordinada, acaba por perder sua soberania para subordinar-se ao predicado: “É certo que a presença do dono o sossegava um pouco”.

Curioso é que autores daquém e dalém mar reconhecem que o sujeito tem primazia sobre o verbo e, por isso, subordina o predicado, cujo núcleo, nome ou verbo, com ele concorda, como determinante do sintagma oracional.

Gladstone Chaves de Melo chega a ser enfático: “Assim como o predicado se subordina ao sujeito, o objeto direto se subordina ao verbo”; “Por aí se verificou que na frase oracional só o sujeito é subordinante essencial” (1954:

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