sábado, 1 de maio de 2010

Parecer trabalhista - Servidores Públicos

P A R E C E R

Resumo: isonomia salarial - lei municipal - competência legislativa - observância da C.L.T. - legalidade de condição suspensiva - discriminação legítima. l

O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais do Município X, consulta sobre a legalidade de se conferirem abonos diferenciados para certas categorias de servidores do Município, via lei municipal.
Tem a consulente dúvidas sobre a falta de observância do princípio da isonomia, tratado em algumas regras constitucionais.
A questão trazida a exame pode ser assim resumida:
a) a lei municipal referida, de nº 000/95, publicada a 02.04.95, concedeu um reajuste linear a todos os servidores, no percentual de 5,34%.
b) A algumas categorias conferiu abonos, em percentuais variáveis, chegando o mais elevado a 30%.
c) Tais abonos, conforme preceitua a mesma lei, teriam a natureza de adiantamento, esse a ser observado nas correções salariais determinadas à generalidade dos empregados pela legislação salarial do Governo Federal.
Registre-se que o regime de servidores do Município é celetista.
Postos os fatos que interessam ao parecer, necessário se façam algumas considerações de ordem doutrinária, inda que sem maior aprofundamento.

O princípio da igualdade de todos perante a lei

O grande jurista Evaristo de Morais Filho, discorrendo sobre o princípio da isonomia, afirma que “A nosso ver, é o mais amplo e o primeiro dos princípios gerais do direito, porque por ele começa a própria justiça. Sem a igualdade inicial de todos perante a lei, seja qual for a sua condição social, impede-se alguns ou a muitos de poderem recorrer a qualquer autoridade pública do Poder Executivo ou do Judiciário para defender os seus direitos esbulhados ou ameaçados”.(Curso de Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao Professor Amauri Mascaro Nascimento, Ltr, 1.991, vol. I, pag. 105)
Já o emérito constitucionalista Celso Ribeiro Bastos conceitua a igualdade como uma “relação entre dois entes quando estes apresentam as mesmas características, a mesma estrutura, a mesma forma; quando, enfim, não apresentem desigualdades que se nos afigurem relevantes.” (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 18a. edição, 1.997, pag. 180).
Na verdade, a função da lei é exatamente estabelecer diferenciações, observado um critério razoável e aceito no meio social pelos indivíduos. O que o princípio da isonomia veda é a discriminação que se estabelece por critérios “subalternos, portadores de preconceitos ou mesmo voltados à estatuição de benefícios e privilégios que possam vir a interferir em uma discriminação justa e razoável feita pela lei.” (Celso Ribeiro Bastos, op. citada, pag. 183).
Nessa mesma linha J.G. Gomes Canotilho, para quem “quando não houver motivo racional evidente, resultante da ‘natureza das coisas’, para desigual regulação de situações de facto iguais ou igual regulação de situações de facto desiguais, pode considerar-se uma lei, que estabelece essa regulação, como aribitrária.” (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra Editora, 1994, pag. 382).
Mas é bom observar que, como bem salientou José Afonso da Silva, firme em lição de Petzold, “Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois tratamento igual não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àqueles que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os ‘iguais’ podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador.” (Curso de Direito Constitucional Positivo, R.T., 6a. edição, 1.990, pag. 192)
Na verdade o que o princípio da isonomia veda é a discriminação que se estabelece por critérios “subalternos”, na expressão de Ribeiro Bastos.
O certo é que a diferenciação estabelecida pela lei, dentro de critérios de discriminação razoáveis e justos, não atenta contra o princípio da isonomia.

A isonomia sob o ângulo econômico.

Talvez seja no plano econômico que mais se reclama a aplicação do princípio da isonomia. É com certeza onde as diferenças se mostram mais visíveis e, sem exagero, mais dolorosas, pois está a questão visceralmente ligada à distribuição dos bens terrenos.
Entretanto, a igualdade nessa distribuição de riqueza é impossível, não fosse inconveniente, isso em razão da própria diversidade dos indivíduos.
Nesse enfoque, observa Celso Ribeiro Bastos que em “Direito, o princípio da igualdade torna-se de mais difícil conceituação porque o que ele assegura não é a mesma quantidade de direito para todos os cidadãos. A igualdade nesse sentido é uma utopia. Nela todos disporiam de igual quantidade de bens, seriam remunerados igualmente e todas as profissões teriam a mesma dignidade. Nesse mundo, todos seriam efetivamente iguais.” (op. citada, pg. 180).
Não obstante, além da desigualdade imposta pela natureza, há outras originadas de desnivelamentos no meio social. Gomes Canotilho as chama de “desigualdades fácticas (sociais, económicas, culturais)” e afirma que ao legislador se impõe a eliminação dessas desigualdades para a realização da igualdade jurídica. E a eliminação vai-se traduzir na igualdade de oportunidades, (op. citada, pag. 382), o que Bobbio denominou de equalização dos pontos de partida.
Na realidade, é fácil perceber que essas desigualdades fáticas não derivam somente da desigualdade natural, mas na ausência da igualdade de oportunidades.
Os que sustentam que diferenças decorrem das desigualdades fáticas, ordinariamente os paladinos do liberalismo, acabam criando um paradoxo.
Com efeito, enquanto sua cartilha reza que aos mais capazes deva pertencer um maior quinhão de bens, o que justificaria a existência de pobres e de ricos, ao mesmo tempo, não lhes repugna o direito hereditário como forma de aquisição de bens e nem a desigualdade de oportunidades entre os nascidos de famílias abastadas e aqueles originados de famílias pobres.
Não há nenhuma virtude, talento ou habilidade que destaque o indivíduo pelo só fato de ser bem nascido. Entretanto, já nasce previlegiadamente desigual e enfrentará a vida com melhores oportunidades que outros, ainda que mais capazes sejam eles.
Mas parece fora de dúvida que é a desigualdade natural a causa primeira de todas as discriminações, legítimas e ilegítimas.
Como bem observa Celso Ribeiro Bastos, entre os homens há sempre distinções pessoais. Alguns são mais talentosos, outros mais esforçados, outros, ainda, possuidores de um dom especial. A própria habilidade das pessoas não é igual, o que faz com que algumas se insinuem mais e ascendam à posição de mando. Enfim, o quadro natural predispõe o homem para ser desigual. (op. citada, pag. 180/181).
Essa diferença de capacidade e de habilidade, verificada entre os homens e ditada pela própria natureza, tende a provocar uma distribuição desigual de bens materiais e, consequentemente, de riquezas, mas francamente desproporcional à intensidade daquela mesma diferença. Isto é, a distribuição das riquezas não guarda jamais uma aceitável e aproximada proporção entre o descompasso dos talentos individuais e a posse de bens materiais.
Aliás, com a habitual argúcia, observou Pontes de Miranda que a distribuição desigual de bens não deriva tão somente da desigualdade de fato, mas “sim a resultante, em parte, de desigualdades artificiais, ou desigualdades de fato mais desigualdades econômicas”. (Apud José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, op. citada, pag. 193)
O descompasso entre talento e posse de riquezas acima referido é que verdadeiramente dá origem, numa ponta, às grandes fortunas de poucos e, na outra, leva milhões de pessoas à pobreza. Em expressão mais adequada à Economia, é o que acarreta a má distribuição de renda.
Essa desproporção deriva da insaciabilidade dos homens em amealhar bens, o que, por seu lado, tende a reduzir a solidariedade entre aqueles. E, paradoxalmente, é esta mesma solidariedade natural que torna possível o convívio em sociedade.
Assim, quando a disparidade na distribuição das riquezas vai-se tornando desproporcional aos talentos dos que as detêm, a solidariedade, que deveria ser espontânea, é imposta pelo Estado. Há, então, interferência desse, legislando para restabelecer uma desigualdade mínima - desigualdade que não foi das preocupações da natureza, repita-se - entre os membros de determinado grupo social, para preservar um relativo equilíbrio na fruição de bens e na equalização das oportunidades.
A lei surge, então, para corrigir essa desproporcionalidade. Todavia não persegue ela uma igualdade perfeita, mas aproximada e factível, agrupando indivíduos em certas categorias onde estariam os membros delas em condições mais ou menos iguais, tendo estes, assim, tratamento idêntico. Indíviduos de outras categorias distintas, também teriam tratamento idêntico, mas desigual daqueles das primeiras categorias.
À lei é impossível regrar a conduta de cada pessoa, individualmente, observando suas especiais características. Por isso que se identificam grupos ou categorias mais ou menos homogêneos, criando a lei regras específicas, a par das genéricas que cuidam de toda a coletividade.
Destarte, por razões políticas e até mesmo de ordem prática, a lei vem dispor sobre a igualdade no tratamento de membros de determinado grupo ou categoria, observada a especificidade destes. Isso, é certo, não promove uma igualdade perfeita, absoluta.
Já a desigualdade que a mesma lei vem estabelecer tem origem nas diversidades dos grupos e das categorias e não particularmente nas dos indíviduos que deles participam.
Dai, de se concluir, inafastavelmente, que a igualdade preconizada pela lei não se realiza nem mesmo quando ela trata de igual forma os membros de uma mesma categoria ou grupo, pois os indivíduos que a compõem, repita-se, não são iguais.
A não equalização de direitos não ocorre de modo completo, porque é impossível a criação de leis, por assim dizer, individuais, como observado.
Mas essa impossibilidade não modifica a essência do princípio, que é de distinguir os indivíduos pelas suas diferenças, dentro de um modelo possível.
Por isso que, na verdade, a diretriz adotada pelo Estado não é a da igualdade, e sim o da desigualdade, como melhor, ou talvez único, modo de se conseguir uma aceitável distribuição dos bens terrenos entre os membros de determinada sociedade.
Por outro lado, não busca essa diretriz, por inatingível o escopo, um tratamento para cada membro da sociedade exatamente de acordo com suas habilidades e talentos, com perfeita simetria entre o que merece e o que pode e deve possuir. A diretriz aspira obter uma aproximada proporcionalidade entre as desigualdades.
Admitido esses supostos, reiterada a venia, não há como não denominar o princípio da isonomia de princípio da mitigação da desigualdade.
Como visto, não busca o princípio isonômico, por impossível o fim, uma igualdade perfeita entre os indivíduos, mas corre em direção ao estabelecimento de uma razoável proporcionalidade entre as desigualdades e os talentos de cada um.
O que almeja lei que dá obediência ao referido princípio é, para evitar a iniquidade trazida pelo descompasso entre as diferenças de talentos e a posse de bens materiais (aliás, diferenças imperantes tanto entre os que levam a classificação de iguais em cada categoria, como entre aqueles tidos como desiguais), guardar, repita-se, uma aceitável proporcionalidade entre as diferenças de capacidades e de bens apropriados.
Por outro lado, querer confrontar vantagens sem considerar as condições de cada categoria destinatária dos benefícios é tratar igualitariamente a todos e, com isso, perpetrando mais desigualdades ou, no mínimo, mantendo as já existentes. Na ironia de Anatole France, sustentar “a majestosa igualdade das leis que proibe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de furtar um pão.” (apud Evaristo Morais Filho, op. citada, pag. 107).
Por todo o exposto, conclui-se que a lei necessariamente tem de discriminar, porque a desigualdade no plano econômico sempre decorreu e ainda decorre originariamente do fato de se procurar dar a todos um tratamento igual, sem observância das diferenças de talentos de cada um e da proporcionalidade que deve existir entre a capacidade para possuir e o possuído.

A competência para legislar sobre Direito do Trabalho.

Compete à União, exclusivamente, legislar sobre Direito do Trabalho. Não há espaço concorrencial para que o Estado federado e o Município possam fazê-lo. (Constituição Federal, artigo 22, inciso I).
Diante desta constatação, tem-se que qualquer regramento de relações de trabalho realizado por Estado federado ou Município para reger as relações de trabalho com seus servidores, ainda que sob a forma lei, tem apenas força de regulamento de empresa.
Não obstante a forte presença de normas heterônomas no ajuste laboral, não há dúvida que a legislação pátria tem a relação de emprego como de natureza contratual e de direito privado.
Assim, quando o poder público absorve mão-de- -obra sob a égide da C.L.T., verdadeiramente assume a posição do empregador privado. Isto é, não existe uma relação institucional, como ocorre com o servidor estatutário.
O fato de a Carta Magna deitar diretriz sobre a admissão pela Administração Pública de servidores pela C.L.T., pelo Estatuto ou pelo contrato administrativo, não desfigura o contrato de trabalho nem a sua natureza de direito privado. (artigo 37, inciso II, da Constituição Federal)
Também em nada alteram essa situação as regras inculpidas no citado artigo 37, da Lei Maior, especificamente, quanto ao comportamento da Administração na condução das coisas públicas.
Resumindo: o Poder Público, quando adota como regime de seus servidores a C.L.T., tem os mesmos deveres e obrigações impostas ao empregador privado; a regulamentação particularizada das relações dos Estados federados ou dos Municípios com seus servidores, ainda que venha aquela por lei, tem a mesma natureza do regulamento de empresa, com as condições criadas pela mesma regulamentação aderindo a cada contrato individual de trabalho mantido com os servidores.
Disso tudo se conclui que a lei municipal nº 000/95, que reajustou salários e concedeu abonos não pode sofrer a pecha de inconstitucional por ferir o princípio da isonomia a ser observado pelo legislador, vez que materialmente não é lei de natureza trabalhista, já que a competência para legislar sobre Direito do Trabalho é exclusiva da União.
Conclui-se mais que se está, portanto, em seara de direito privado, com as leis aplicáveis aos particulares incidindo igualmente sobre as relações de trabalho entre os servidores celetistas e a Administração Pública.

Do princípio da igualdade entre particulares

Verificado que, guardadas certas peculiaridades da contratação de servidores e da conduta do Poder Público na administração e condução das coisas públicas, previstas na Constituição Federal, a relação entre servidores e o Município que adota o regime da C.L.T. é regulada por esse diploma e por leis trabalhistas extravagantes, há de ser examinado o problema sob a ótica da igualdade entre particulares.
Celso Ribeiro Bastos, em indagação feita a ele próprio a respeito da possibilidade da aplicação do princípio da igualdade entre particulares, responde no sentido afirmativo.
Diz o grande constitucionalista pátrio que “A igualdade no direito moderno, além de ser um princípio informador de todo o sistema jurídico, reveste-se também da condição de um autêntico direito subjetivo.” (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1.997, pag. 183).
O mesmo autor também se indaga se pode haver discriminação nas relações entre particulares, quando esta decorra do “alijamento de categorias humanas” e se faz “segundo critérios odiosos e que ofendam a dignidade humana”. A esta pergunta responde negativamente.
Mas essa discriminação ofensiva ao princípio isonômico é exatamente aquela que é proscrita para a lei pelo ordenamento jurídico pátrio. Isto é, não pode haver discriminação entre sexos, idade, raça, cor, credo, e outras que “ofendam a dignidade humana”, no dizer do citado constitucionalista.
Assim, tanto a discriminação feita pela lei como aquela efetivada entre particulares, hão de obedecer aos mesmos parâmetros postos para sua legalidade ou proscrição no ordenamento jurídico pátrio.
Em conseqüência, estreitando o foco do parecer, examinar-se-á se a indigitada lei municipal - repita-se, lei apenas formalmente - feriu o princípio de isonomia entre particulares, já que, como observado, a Administração Pública, quando admite servidores pela C.L.T., a estes se equipara.

Do princípio isonômico no Direito do Trabalho.

Alguns juslaboristas, como observa Isis de Almeida, (Curso de Legislação do Trabalho, Sugestões Literárias S/A, 1.978, pag. 122) sustentaram, na vigência da Constituição de 1.969, emendada, que o artigo 461, da C.L.T., regulamentava integralmente o dispositivo daquela Carta garantidor da isonomia salarial.
Entretanto, esse entendimento à luz daquela Constituição era equivocado. Presentemente, com a atual Carta Magna, menos se justifica sustentar aquele ponto de vista.
Veja-se que na Lei Consolidada encontram-se outros artigos que tratam do princípio isonômico, como o 5º, (igual salário para trabalho de igual valor), o 6º (equipara o trabalho na empresa com o realizado em domicílio), o 358 (equiparação de salários entre nacionais e estrangeiros), o artigo 766 (fixação de salários nos dissídios coletivos). Vejam-se, ainda, as restrições impostas quanto ao trabalho de mulheres e menores.
Exemplo de aplicação do referido princípio, sem regulação expressa pela lei, é dado por Isis de Almeida, que cita o caso de empregados que trabalham para mais de uma empresa de grupo solidário, simultânea e indistintamente. Nesse caso, eles devem ter todas as vantagens gerais concedidas aos empregados de uma das consorciadas, sem necessariamente se cumprirem os requisitos do artigo 461, da C.L.T. (op.citada, pag. 122).
De qualquer forma, como já exposto acima, admitida a aplicação do princípio isonômico entre particulares, toda a discriminação fora dos critérios racionais, é ilegal e ilegítima.
Assim, a lei municipal ora sob exame e considerada como regulamento de empresa, poderia, em tese, malferir o princípio isonômico, mesmo que o que nela se dispôs não seja objeto de proibição expressa em qualquer um dispositivo da C.L.T.
Mas cumpre aqui lembrar o que dispõe o artigo 8º, desse diploma. Ali se determina que, na falta de disposições legais ou contratuais, as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho decidirão pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito.

Da jurisprudência sobre os temas

A jurisprudência é o direito vivo, dinâmico e, por isso, de inestimável valia a uma boa interpretação de princípios jurídicos e das leis.
Assim, considera-se útil trazerem-se à colação alguns julgados dos tribunais pátrios, que cuidaram de alguns temas aqui tratados.
O E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em Embargos Infringentes, assentando que a “igualdade nominal não se confunde com a igualdade real”, decidiu que “Cargos de igual denominação podem ser funcionalmente desiguais, em razão das condições de trabalho de um e de outro; funções equivalentes podem diversificar-se pela qualidade ou pela intensidade do serviço ou ainda, pela habilitação profissional dos que a realizam.” (E.I., nº 198.804-1. São Bernardo do Campo, in JUIS, 13)
Aquele Tribunal, fazendo perfeita distinção entre cargo e função, conclui que as condiçoes de trabalho, como diversidades das atribuições, qualificação profissional e intensidade de serviços, podem afastar a incidência do princípio isonômico, por não haver identidade quanto as citadas condições de prestação de serviços.
Vale dizer, não se aplica o princípio isonômico ainda que haja identidade de cargos e mesmo de funções; somente uma identificação muito grande de tarefas, de capacidade do prestador de serviço e de carga de trabalho é que justificará a identidade de salário.
O Excelso Supremo Tribunal Federal, no RE 80.767/76- SC, entendeu que inaplicável o princípio isonômico, quando “o tratamento desigual - ainda que possa ser acoimado de injusto - de situações desiguais, na medida de sua desigualdade atende ao princípio da isonomia. Ao princípio da isonomia, se violado esse preceito constitucional, caberia ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada, não, porém como pretende a Recorrente, - estendê-la para alcançar hipóteses expressamente afastadas do âmbito de sua incidência”. (2a. Turma, Rel. Moreira Alves, in JUIS Saraiva 13)
Aquela Corte assentou ainda que a solução, mesmo que fosse inconstitucional a lei que provocou diferença de tratamento de servidores, não seria a de garantir as mesmas vantagens dos beneficiados, e sim a de declarar a inconstitucionalidade do diploma, sem alterar a situação dos não beneficiados.
Em termos mais claros, se não há expressa previsão de benefícios para certas categorias de servidores e a lei que os concedeu vai contra a Constituição Federal por malferir o princípio isonômico, a sentença jamais poderá “consertar” a lei, adequando-a a esse Diploma Maior, porque nessa hipótese haveria invasão de competência do Poder Judiciário. Se a lei é inconstitucional assim há de ser declarada, mas sem extensão de benefícios a outros que não os visados pela mesma lei.
Quanto a esse julgado, crê-se que se tratava de questão envolvendo servidores estatutários de Estado-Membro, eis que o Excelso S.T.F. enfrentou a questão sob o ângulo da inconstitucionalidade de lei estadual, que é a própria para regular aquela relação institucional.
Em outra decisão, considerou o mesmo Tribunal que “não impede” a aplicação do princípio isonômico uma “nova avaliação, por lei, a qualquer tempo, dos vencimentos reais a atribuir a carreiras ou cargos específicos”, e, no mesmo sentido da decisão no RE 86.767/76, supra citado, entendeu que “se entende ser o caso de inconstitucionalidade por ação e se defere a suspensão do dispositivo constitucional, o provimento cautelar apenas prejudicaria o reajuste necessário dos vencimentos da parcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem nenhum benefício para os excluídos do seu alcance” (ADIn. nº 526, T. Pleno, Rel. Sepúlveda Pertence, in Juis Saraiva 13)
Conforme se percebe, cuidava o caso de funcionários públicos federais, portanto estatutários e com as relações de trabalho regidas pela Lei 8.112/90.
O que de mais importante se extrai dessa decisão é que restou assentado que a Administração Pública não está impedida de, sempre por lei, atribuir a determinados e específicos cargos, aumentos de vencimentos, pois, do contrário, isso significaria, no dizer do v. acórdão “um imperativo de estratificação perpétua da escala relativa dos vencimentos existentes no dia da promulgação da Lei Fundamental.”
Já na área do Direito do Trabalho, colhe-se uma decisão do Colendo T.S.T., (AG-MS 52548/92.3, Rel. Min. Marcelo Pimentel, in Dic. de Dec. Trabalhistas, Ed. Trabalhistas, 24a. ed., pag. 421/422) em que se define o alcance da expressão “sem distinção de qualquer natureza”, posta no artigo 5º, da Constituição Federal.
Para aquele Tribunal, a expressão é “meramente reforçativa, porque o papel da lei é efetivamente implantar diferenciações.”
Isto quer dizer que a probição de distinguir é relativa, observando ainda aquele julgado que até mesmo a Constituição consagra diferenciações.

Da Lei Municipal nº 000/95

A Lei nº 960/95, conforme se vê de sua ementa, dispõe sobre concessão de aumento e adiantamento salarial aos servidores municipais.
Pelo seu artigo primeiro, foram concedidos “aumento e antecipação salarial” para os servidores ocupantes dos cargos relacionados no mesmo dispositivo. As vantagens alcançaram os inativos, segundo faixas de proventos, tendo como parâmetro o “piso nacional de salários”.
O parágrafo primeiro, do mesmo artigo primeiro, deixa claro que o aumento salarial é, para todas as categorias, de 5,34%, sendo que o excedente desse percentual foi considerado como “antecipação salarial a ser descontada em futuros aumentos concedidos pela política salarial do Governo Federal.”
O parágrafo segundo, do citado artigo, dispõe que os percentuais mencionados no caput do mesmo dispositivo incidirão sobre os valores salariais do mês de fevereiro de 1.995.
De se observar que, na data da sanção da Lei nº 960/95, não mais vigia qualquer lei federal que cuidasse de política salarial.
O fato de inexistir lei federal tratando do assunto, viigente à data da sanção da multicitada Lei nº 960/95, não torna esse diploma passível de questionamento.
Ali há uma condição resolutiva lícita, pois não existe qualquer dispositivo constitucional que proíba o legislador ordinário de voltar a regulamentar a política salarial do país (artigos 115 e 119, do C.C.B.). Isto é, quando houver reajustes, via lei federal, serão compensados os percentuais que excederem de 5,34%. O fato de ser pouco provável que se retorne ao antigo sistema - reajustes salariais através de lei - não coloca a condição como defesa, nos moldes da segunda parte do citado artigo 115, do C.C.B., já que não priva de todo o efeito o ato e nem sujeita os servidores ao arbítrio do Executivo Municipal.
Na verdade, se inexistia, como já dito, legislação salarial quando da edição da Lei nº 000/95, o excedente do percentual de 5,34% de reajuste tem a natureza de abono, embora prevista a sua extinção, por compensação com futuros possíveis correções salariais, via lei federal.

Da inexistência de discriminação ilegítima na lei nº 960/95

Não há dúvida que a malsinada Lei nº 000/95 tratou desigualmente os servidores municipais, relativamente a concessão de abonos a seus servidores.
Mas os motivos foram lícitos, racionais e lógicos, como se procurará demonstrar à frente.
Barassi, segundo informa Evaristo de Moraes Filho, chegou mesmo a levantar a questão sobre a possibilidade de aplicar-se genericamente a analogia no Direito do Trabalho, ante as incontáveis regulamentações especiais das várias categorias. E indaga o nosso juslaboralista: “o que tem a ver o aeronauta com o ferroviário, com trabalhadores em minas, com petroleiros, com vendedores pracistas, com bibliotecários, e assim por diante? As exceções, aqui, como sempre, confirmam a regra. Dentro de cada regulamentação especial continua funcionando plenamente o princípio da isonomia: os iguais entre si são tratados igualmente, por isso que são desiguais dos outros.” (op. citada, pag. 118).
O artigo 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, trata especificamente da proibição da discriminação de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado.
“Este princípio”, leciona Amauri Mascaro Nascimento, “é desdobramento do preceito maior do artigo 5º, da mesma Carta Magna: ‘Todos são iguais perante à lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’ e ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.” (Comentários às Leis Trabalhistas, Ltr, 1.991, pag. 115).
A proibição de discriminar se verifica entre profissionais de uma mesma área. Assim, não é alcançado pela proibição o diferençar o trabalho técnico de um engenheiro e o trabalho manual de um artesão.
Não há discriminação proibida nem quando o empregador remunera melhor um professor primário do que um advogado, ainda que, dentro da normalidade do mercado de trabalho essa situação seja de ocorrência pouco provável.
De princípio, o patrão é o senhor da valoração do serviço que lhe presta seus colaboradores. Sendo ele quem assume os riscos do empreendimento, parece lógico que deva ser o único juiz a decidir qual a profissão ou atividade que lhe é mais interessante, do ponto de vista empresarial.
Há o exemplo clássico: o hospital que paga salário maior ao médico do que ao engenheiro e uma ferrovia que remunera mais a um engenheiro do que a um médico.
A esse respeito, é valiosa a lição de Mozart Victor Russomano: “Em várias passagens da legislação, em todos os capítulos da doutrina, encontramos a consagração brasileira do chamado poder diretivo do empregador, graças ao qual ele escolhe o modo de orientar o serviço, de executar a tarefa, de realizar os negócios, de manter a disciplina interna, de designar empregados para funções de confiança ou de comando, etc. Um dos aspectos do poder diretivo do empregador, precisamente, é a possibilidade de fazer a melhoria de salários e efetuar promoções a seu juízo exclusivo, respeitada, apenas, a igualdade de tratamento aos que, na mesma função, desenvolvem o mesmo trabalho.” (Comentários à C.L.T., Forense, 13a. edição, 1.990, pag. 468).
Como se vê, a Lei nº 960/95 não discriminou ilicitamente, pois os abonos que trouxeram diferenciação nos ganhos gerais dos servidores foram concedidos a detentores de determinados e distintos cargos e em percentuais variáveis.
Discriminatória seria se ela concedesse reajustes diferenciados dentro de uma mesma categoria, aumentando o salário de um engenheiro em percentual maior do que o aplicado aos ganhos de outro engenheiro de igual qualificação e com as mesmas atribuições.

Conclusão.
A guisa de conclusão, faz-se um resumo de toda a explanação, confrontando as idéias lançadas com os comandos da Lei nº 960/95:
a) a função da lei é exatamente estabelecer a diferenciação, vez que diferentes, pela natureza, são os indivíduos;
b) a isonomia, sob o aspecto econômico, busca preservar uma desigualdade mínima, que se traduzirá numa proporção aproximada entre o valor dos talentos e os dos bens apropriados pelos mais capazes; dentro desse enfoque, o princípio isonômico poderia ser chamado de “princípio de mitigação da desigualdade”;
c) ante à impossibilidade de a lei dar tratamento particular a cada um dos indivíduos, ela os agrupa em categorias, onde se mostram aqueles com algumas características homogêneas; aos membros dessas categorias dá ela tratamento igual;
d) essa “equalização” para os membros de cada categoria não significa que o escopo da lei é igualar; a lei, quando lhe é possível, sempre desiguala;
e) o Município adota como regime comum de seus servidores o da C.L.T. e a competência para legislar sobre Direito do Trabalho é da União, logo a Lei Municipal nº 000/95 é lei “trabalhista” apenas sob o aspecto formal; vale ela como regulamento interno de empresa, aderindo suas disposições aos contratos individuais de trabalho que o Município mantém com cada um de seus servidores;
f) os critérios de admissão de servidores e os rígidos limites impostos ao comportamento do administrador na condução das coisas públicas não desfigura a natureza da relação entre Município e seus servidores celetistas, pelo que se situa a questão posta a exame no campo do Direito Privado;
g) se a lei nº 000/95 há de ser considerada apenas como lei formal, já que não poderia dispor sobre Direito do Trabalho e, quanto à sua substância, deve ser tida tão somente como instituidora de novas cláusulas nos contratos individuais de trabalho que mantém com seus servidores, não pode sofrer a pecha de lei inconstitucional, porque, se repita, não é lei material; poder-se-ia falar de inconstitucional o ato patronal, veiculado por lei formal, que concedeu reajustes e abonos diferenciados;
h) não mais se discute que também os particulares devam observar o princípio isonômico nas relações entre si; as discriminações permitidas e as proibidas nelas são as mesmas admitidas ou proscritas pelo ordenamento jurídico.
i) estando o Município equiparado ao empregador privado, já que admitiu seu pessoal sob o regime da C.L.T. e alterou cláusulas remuneratórias dos contratos de trabalho que mantém com seus servidores, a questão da isonomia há de ser tratada com a especificidade do Direito do Trabalho;
j) o princípio da isonomia não se esgota no comando do artigo 461, da C.L.T.; inúmeros são os dispositivos que provocam diferenciações e as disposições da Lei Municipal nº 000/95 não estariam imunes ao malferimento daquele princípio;
k) os Tribunais pátrios têm-se orientado no sentido de que não há se falar em contrariedade ao princípio isonômico se as situações tratadas diversamente não são iguais, mesmo que possa esse tratamento ser visto como injusto;
l) a Lei Municipal nº 000/95 estabeleceu diferenças, ao não conceder abonos a todos e em percentuais distintos, mas tal discriminação é razoavel, pois aquinhoou aqueles cargos que eram de menor remuneração, mitigando a desigualdade social, na expressão de Canotilho;
m) o fato de não viger, à época da edição da Lei nº 960/95, qualquer diploma federal regulamentando política salarial não torna inválida a disposição sobre compensação de valores decorrentes dos abonos, se e quando vierem a ser reguladas correções salariais pelo Estado.
n) os abonos não foram concedidos em percentuais diferentes para cargos iguais e é o empregador o único juiz para decidir sobre qual profissão ou atividade que lhe é mais interessante para fins de fixação de remuneração.
Em resumo: os abonos concedidos pela Lei nº 000/95 não contrariam a legislação trabalhista e nem malferem o princípio da isonomia, constitucionalmente garantido.
É o nosso parecer, s.m.j.
Passos, agosto de 1.999.

Raul Moreira Pinto Pedro Junqueira Bernardess

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